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Tuesday, May 27, 2014

Streaming

Streaming

Não somos mais o que queremos. Antes, aquilo que esperamos não ter de enfrentar. Agasalhamo-nos na nossa própria força, vício que conquistamos, na leviandade que é não dar nada, com a certeza de que tão pouco se espera o que quer que seja.
Já sabíamos que iria ser assim, quando pedimos a vodka bem gelada e nos perdemos na pista, durante mais um sábado. Juramos todos os dias que vamos ficar sozinhos, não acreditamos em fantasias pegadas, porque essas, só acontecem no ecrã do mac, quando assistimos ao One day em streaming.
A vida passou a ser em streaming e o amor não existe. Preocupamo-nos antes, que ninguém nos tente enganar, criar falsas ilusões, porque afinal já sabemos àquilo que a vida sabe. Uma bebedeira e com sorte e alguma libertinagem, talvez uma cheirinho a erva.  Não nos entregamos, a não ser ao prazer de não termos aquilo que na verdade, não queremos. Preferimos acreditar que somos demasiado complicados, que a vida e a crise económica e por ventura, o Passos, nos tiraram as forças e não temos dinheiro para arrendar uma vida a dois.
O amor passou a ser em streaming. Ligamos, usamos e depois, apagamos. Não há luta, não há resposta e a mensagem nunca será entregue. Porque a complexidade do nosso interior, termina com a inocência do sorriso mais próximo. Já cheiramos os lençóis variadíssimas vezes; um pequeno-almoço de madrugada, e o reset a fechar o dia.
É essa doce solidão, uma aplicação de telemóvel a fazer as honras da casa. Queremos sexo, podemos criar. Inventamos a paixão durante uma semana, e depois, ficamos com o sofá vazio. As pessoas são todas um mosaico daquilo que procuramos, mas nem isso nos chega. Queremos receber a imagem dos campos de alfazema e talvez quem sabe, sonhar um pouco com eles, a ver se fugimos. Isso lá é bom. Um corpo perfeito de uma sexta-feira, mas que não nos chega para apresentarmos aos papás, vestir a mini-saia e sair para a rua. Hoje somos todos livres e ninguém há de acabar com isso.
Quando finalmente nos ajoelhamos, não nos entregamos. Olhamos para trás (ah essa melancolia do passado que tão traiçoeira como irresponsável) e esperamos que nada se repita. Amordaçamos a boca, cruzamos os braços. Os abdominais hão de fazer o resto. Mas com classe, com admiração, como aprendemos no wareztuga, que ainda há mais 10 rapazes entre os 20 e os 30 num raio de cinco km, para o caso de estar tudo errado e o meu filtro não ter funcionado.

Se começa, impomos os limites básicos. Não há esperança, não há escolha. Vamos seguir a vida, como duas criaturas entre dois passeios separados, que se hão-de cruzar a meio, para logo se afastarem, caso as notificações no wazzup estejam a funcionar e ninguém nos convidar para um café, ali mesmo.
E depois se nos apaixonamos, há que ter cuidado. Não há familiaridades com os amigos e há-de ser tudo à nossa maneira, para que quando termine, estejamos com o orgulho estampado na cara e a certeza de que tudo funcionou, menos a outra metade. Que não é mais nossa, há-de ser de outro alguém. Falava muito, perguntava exaustivamente e no final, ainda cobrava a atenção. Por momentos, achamos que passamos a nossa virose e essa imagem é a maior foda com a qual nos poderíamos deparar. Mas afinal, como é que nos estão a fazer o mesmo, que nós apregoamos no começo? Não, isso não acontece, não existe. Somos responsáveis, mas é dos filhos que teremos, sabe-se lá com quem. Não nos suportamos, como vamos agora submeter À imagem que recriamos?
Sabemos que é injusto, mas então a vida foi escrita assim, e os Romanos já o sabiam. E nós ainda temos muita vodca para bebermos. Muitos amores para ler e inimigos para fazer. Viemos da aldeia e só agora estamos a despertar para as luzes, a cor e a sensação que é o desejo por entre as portas da cidade. Mesmo que a tesão tenha acabado aos 30 e culpada seja a bebida e o tabaco, quando no final, foi a vida que nos foi roubada, enquanto nós andávamos a roubar as ilusões de um filme de domingo.
 No sofá.
Lá fora a chuva. Frio. Queremos companhia. Ficamos em casa, ligamos a lareira estalamos as mãos e o facebook a fazer de cupido imortal. Alguém há-de aparecer. Ficamos no quentinho, agarradinhos. É perfeito.
 No Verão, as complicações são muitas, os amigos estão todos na esplanada e eu quero é mostrar as perninhas e esperar que alguém veja as minhas.
Talvez ninguém me pergunte mais nada, porque responder, respondemos aos polícias, se estiverem fardados e aos juízes se formos apanhados. De resto, a contribuição é nula, mesmo que tenhamos jurado que a honestidade está sempre em  primeiro lugar, porque é isso que esperamos dos outros, sempre com fê de que não esperem o mesmo de nós.

Há sempre o streaming, o amor entre uma mensagem e a solidão a terminar. A nossa vida está em primeiro lugar. Não nos vamos sacrificar pelo resto, não vamos lutar, nem sequer intencionar. Os outros que percebam. E se quiserem fazê-lo, que o anunciem com a certeza que é porque querem, porque precisam, sem esperar nada em troca, porque o meu streaming não tem  conexão suficiente e o meu tom não é arrogante, é real e personifica as minhas cordas vocais, como as da Whitney, antes de acordar cocaínada.

Tuesday, April 08, 2014

Cheio

Cheio

Não se conheciam.

Fingiam que os corpos eram apenas o interesse mútuo, pelo silêncio que a vida tantas vezes representa. Por isso mesmo, não queriam ser nada um do outro. Não se conheciam, não se tocavam, mas fingiam. Era essa liberdade, por detrás de um olhar despercebido, um toque sem mágoa.
Não havia dor, não havia violência. A vida era aquilo. Era isto.  Uma luz sem cor, um sorriso dentro de um jardim.
“Não é como começa, mas sim como acaba”. As frases soltas, como se tivessem sido escritas pelo Saramago, enquanto bebia um café pingado com a Pilar. Não saberia nunca quem seria o Saramago. Não quereria tão pouco. Escrevia o nome, porque lhe pediam, na fábrica. Todos os dias, algum papel para assinar. Papel timbrado, papel que não lhe pertencia, mas que representava tudo aquilo que ainda não tinha perdido.
E assinava sempre Fernando  Antunes.  Uns dias pior, outros igual. Melhor seria uma ilusão. Era tudo o que sempre quis escrever. Sem mágoa, sem tristeza. Mas a vida tinha deixado de ser isto.
Bem ali, no jardim, onde escolhera ficar. Drogado pela beleza, que é não ter que esperar mais nada da vida, a não ser que fosse levado. Talvez para um mar, talvez um pouco profundo. Era isto.
Não tinha saudades dela. Quando ela morreu, não chorou. Era um homem e a vida ainda era aquilo. Não se importava com as escolhas, deus havia de tornar tudo certo, não estava preocupado. Estava cheio com as memórias que ainda tinha para idealizar. Com o futuro que nunca chegou e que por isso mesmo, não o decepcionou. Deixou de ir para a fábrica, não por ela ter morrido -sim morrido, as pessoas fazem-se de vida, mas também de morte. Não é duro, não é complicado. E algumas nem chegam a saber o que isso é – mas por entender que não havia mais nada para além disso. Sobriamente, a flutuar, a sentir-se inebriado por finalmente não precisar de mais nada, para além daquele jardim.
Quando adormecia, não voltava mais. Mudou-se para o maior quarto da casa, onde sempre se encontrava. Precisava de sonhar, mas sozinho. O contrato que tinha assinado, já nada representava. Lembrava-se ainda: “Sim, aceito”. Ali, na presença de Deus e dos apóstolos em que não confiava. Todos vestidos com as melhores roupas, que ele pagou. A comer da melhor comida, que ele também pagou. Serenamente a beber o vinho e a olhar para a sua esposa, que ele também pagou.
“Dinheiro compra tudo”. Era o pai, forte como ele, que o orientava. Agora, também ele tinha sido enterrado, pelo que não havia mais a quem dar esperanças. A esposa – como sempre a tratara- continuou no quarto antigo. Sem mágoa. A vida também era isto para ela. Continuava bonita, carinhosa e cheia de tudo. Sabia que ele nunca a tinha querido verdadeiramente, mas agradecia-lhe por nunca o ter demonstrado verdadeiramente.  Estava cheia,  morta, por ela ter morrido finalmente e por poder descansar. Em paz.
Lembrava se de ter encontrado as flores. Uma fotografia. Uma assinatura. Antónia. Sabia que era um nome feio, mas não conseguiu deixar de achar uma certa graça - A mulher que ela nunca seria, tinha um nome bem mais feio do que o seu. E por isso mesmo, quando ela morrera e ele saíra do seu quarto, com as flores, as fotografias e um soluço de solidão, ficou cheia.
Ele quando levou as flores, já estava cheio. As que lhe dera, antes de ter de aprender a escrever o nome e ser apoderado por essa responsabilidade, que é gerar mais do que aquilo que se suporta. Recordava-se vagamente de nunca lhe ter tocado, mas de a ter sentido. Enquanto fugiam e contavam histórias que nunca ouviram antes. Imaginação e a partilha ser apelidada de amor e paixão. Não havia sexo. O desejo é para os incautos, a fome para os que não estão saciados. E aquela vida deixava-os cheios. De tudo e de nada.
“não poderemos estar juntos mais”.
“não apressemos o destino. Isto ainda é muito.”
E foi assim. Nunca mais falaram.  Nada mais comentaram. Ele começou uma vida nova, com alguém que poderia estar ao seu lado, nessa vida de luxo e seda, que ela não poderia partilhar nunca. Garfos para refeições, empregadas que ela nunca saberia orientar, contratos que nunca saberia assinar.
Trabalhou na fábrica. Nunca se falaram. Estavam cheios, entre o ruído das máquinas e ainda conseguiam saber o que sentiam. Que a vida era aquilo, mas que a incerteza que a morte traria, poderia resultar num reconcilio com a felicidade.  Como se a vida fosse sobrevalorizada e o resto, o que vem depois, é que contasse.
Quando ela finalmente desapareceu, enterrou-a com os ramos azuis, de alfazema, que ela sempre lhe trazia, quando ainda eram jovens e ele não sabia escrever. O seu nome.
Ali, no meio daquele jardim, sabia bem o que queria, sabia bem o que esperava. Estava ansioso por saber afinal, como acabava.


Monday, August 05, 2013

Pop

Deixei de escrever. Não voltei, com medo da honestidade fundida a ouro, perdida por entre a inspiração que esperei não perder, ainda assim. Passei a ter medo a coisas grandes. Por um lado, esperei guardar segredos dentro de mim. Por outro, receei sempre que alguém entendesse a verdade primeiro do que eu. Por isso mesmo, imaginei-me tantas vezes sentado nesse jardim. De calções, a tocar a relva com a ponta dos pés, sem vergonha dos dedos com que a minha mãe me brindou. De calções, como se fosse pequeno e não precisasse de usar gravata e ninguém me acordasse para jantar antes da sete – para alguns- da tarde. Na relva, onde nada importava. Era eu e um anúncio da Vodafone, calções às riscas, sorriso nas bochechas vermelhas da aldeia e uma música de uma banda pouco indie, para ver se tinha um ar mais porreiro e menos de rústico. Deixei de ir à escola, convencido que tinha em casa a eternização da sabedoria e sentei-me novamente nesse jardim que era só meu. Saí apenas quando precisava de consertar algo lá fora. Nunca consegui manter um segredo e disso ninguém se pode rir. É a minha maior desonestidade branqueada por entre os dentes que acaba sempre por partir, enquanto os tento calar. Se não contei a ninguém, disse-os mil vezes em frente ao espelho, de porta aberta. Repeti-os de boca aberta enquanto não conseguia adormecer e cheguei a escreve-los e a enviá-los para outra conta de e-mail sob o meu domínio. Pelo menos essa imoralidade ninguém me tira e tão pouco a podem negar. No entanto, esta segurei-a. Escondi-me sempre que me perguntavam onde andava e o que fazia. Afinal, porque tinha eu de fazer alguma coisa? Vivemos nessa sociedade útil, onde se valoriza a ação, mesmo que esta não tenha efeito algum. Preferimos saber que a vizinha da frente exerce funções no Gabinete do Alto Comissariado da Puta que os Pariu, mesmo não tendo as habilitações requeridas, do que não fazer um olhar de comiseração por alguém que não sabe o que fazer. Mesmo que fosse na Puta que os Pariu e não o merecêssemos .Tudo seria melhor, abençoado pelo senhor, que nesse momento voltamos ao século XV e somos todos freiras. Juntamos as mãos e ainda fazemos o sinal da cruz. Foi por isso que nunca tive essa coragem e me calei. Sempre. Que fugi de noite e só me encontrava por aí, enquanto corrompia as estrelas e mais ninguém sabia. Enquanto me deitava por entre a relva e ninguém sabia onde estava. Houve alguns que estiveram perto de o saber. Fintei sempre, entre risos e gargalhadas, respostas curtas e frias, com o Porto a servir-me de refúgio. Com a vida a pulsar-me na cara e a atirar-me para o outro lado, à espera de uma intervenção. “Isto não é a realidade, isto é uma música pop” gritei desesperado demasiadas veze. Ninguém retorquiu. “Este não é o nosso tempo” disse um miúdo com ar de caloiro, mas com estatura de um filme do Bel Ami. Tinha os cabelos loiros e se eu ainda tivesse 14 anos, nunca seriamos parecidos. Na memória ficou-me a certeza: como era possível este discernimento com tão pouca idade? E afinal, o que andava eu a fazer aos 14 anos para ser tão estúpido e não ter percebido o mesmo? Mas é claro que este não é o nosso tempo. É por isso que vou tantas vezes para o jardim e fico lá horas sem fio a ver os aviões a passar longe do Porto de Leixões. Quis contar ao miúdo, mas era irrelevante. Com certeza que ele já tinha descoberto o jardim e passava lá horas infinitas. O mais provável era já o ter descoberto primeiro do que eu. Aposto que já leva a discografia completa do Caetano Veloso e pinta uns quadros imprecisos que vende nas feiras em segunda mão, a uma mãe hippie que acha que o último grito da diferença é ter com um galo pintado de verde, em segunda mão claro.

Foram tantas as vezes que quis partilhar. contar-lhes, enquanto nos vestíamos e brincávamos aos santos, entre uma mesa do Ikea. Enquanto fingíamos que éramos vencedores. Foi por isso que não voltei a escrever mais. Com receio que o sono corrompesse a língua e a verdade fosse libertada, em forma de líquido intravenoso. Porque ninguém sabe muito bem o do que é feito e todos temos a liberdade suficiente para ter medo do desconhecido. 
É isso que significa ser adulto.
 Quis acabar por entre as linhas e percebi que já o tinha feito. Nunca nada me custou tanto. Tive sempre essa sorte, por entre os meses de setembro, nessa melancolia que é sentir saudades do Verão sem nunca o aproveitar. Não tem piada. A vida é mesmo uma música pop.

Wednesday, February 08, 2012

Não me falhes, agora.

Não me falhes, agora.
Não me hesite a respiração, nesse instante em que me deixei soterrar, sem inspiração, ou intuição que me guiasse para algum lugar-comum.


Queria a Volúpia e a felicidade, queria o vinho sem problemas de expressão, queria ficar enterrado nessas ruas cobertas de merda que nos vicia e nos eleva.
Insisto.
Não é de hoje, é de sempre. Um caminho fúnebre, pelos meandros da minha incapacidade em transmitir o que foi outrora, o que será amanhã.
Insisto em respirar, como se a vida tivesse sido ontem, e toda a génese da batalha imoral que travo, fosse a conquista da lógica, pelo racional, a manhã pela tequilla. Um rasgo por um cigarro.

Visto a camisola e saio. Encontro-me entre as paredes pintadas e a Lana a tocar insistentemente, irrepetivelmente, inebriadamente. Sabe menos do que eu.
Espelho a voz de puta, mas sem grande experiência na matéria. Faltou-nos sempre a vontade pura e dura, sem remorsos, uns quantos lençóis manchados de sexo e não de vergonha. Prazer puro, um James Dean na parede a incitar ao grito e a conjugação do prazer, por entre uma erva fina.
Implico.
A razão de ser, da ferocidade, de continuares ao meu lado. De te querer e nunca te largar. Mesmo quando te ordeno “Vai”.
Teremos sempre de nos lembrar dos grandes clássicos, das canções partidas e repartidas, da felicidade de abrir uma porta e ser apanhado por um sorriso rasgado. Um espírito pouco dado a comodismo. Algo incoerente, mas com a aposta sempre virada para o platónico.

Continuo na rua.
Ninguém me tenta levar nada (e hoje que teria dado tudo). Vesti a melhor combinação de roupas perdidas, que não usei mais, enquanto não chegavas. Acendi cinco cigarros, mamei os tubos de escape que passavam, na tentativa de um qualquer, corresponder ao cheiro do teu carro.
No banco de trás. Estofos de tecido fraco, frases curtas, simples, directas. Nunca foste advogado. Serias piloto e viajaríamos pela Península Ibérica, de vidros abertos, acompanhados por um vinho de mesa. Como se não fosse a isso, que se resumisse a identidade da vida. Ela vende-se desta forma. Faz parte do grande conceito do marketing, de nos tentar impingir uma qualidade de vida, que na verdade, quase ninguém tem. Uma lareira, um cobertor felpudo e quente, chuva lá fora e a felicidade. Um descapotável, um por do sol e dos copos a transbordar Monte Velho e a felicidade. Muitos suspiros à mistura e depois, planos e paninhos para consquistar o resto da semana, que não se perspectiva por entre os frames dessas pequenas virtudes.

Não me falhes agora. Eu hei-de insistir sempre.

Saturday, October 15, 2011

Oração




Vamos parar de ouvir o ruído.
O ruído da solidão que nos abraça de noite e nos faz viajar para longe do universo que ainda podemos criar. Onde podemos ser só um.
Penetrar nessa doce melodia que é a intensidade de um passeio de nós cortados, absortos com sabor de fruta mordida.

Vamos fugir do lugar mais bonito da cidade, porque saudade é para quem a tem.
Sem erros ortográficos onde nos possamos perder para sempre, nessa ilusão proporcionada pela semiótica, como se tudo pudesse ser traduzido pela comunicação.
Não somos artistas, mas vivemos da inspiração das pequenas coisas, do prazer sincero, dessa bossa nova que ainda não sabemos dançar, mas que juntos, podemos recriar.
A vida que é doce (penso continuamente), na esperança que tudo seja verdade.
Que esse balanço não se interrompa, para que os abraços sejam sempre mais fortes, do que a realidade adjacente.
Que a crise nunca chegue à nossa mesa, onde a oração poderá ser sempre mais rentável. Que as más notícias nunca levem de nós a esperança nos acordes e no amor tranquilo.
Que nunca nos esqueçamos que a saudade é para quem a tem, mesmo que seja apenas por mais uma vez.


De longe, ainda podemos desaparecer, bem por dentro das entranhas dos sorrisos que não têm vergonha em proclamar felicidade.

De perto, ainda podemos desaparecer no espaço que conquistamos, seja lá onde isso for, seja lá onde ele estiver, apenas onde permaneceres. Eu juro.

Pois é, o coração que teima em bater, de cada vez que a gente se entrega.

Friday, August 05, 2011

Peste

Perdi tempo e resumi o medo de falhar. Tentei alcançar esse patamar honorário, um livro aberto e pronto a ser lido por todos.
Estou pronto para essa congelação dos sentidos, na expiação da ansiedade que teima em me queimar noite após noite. Quero a liberdade prometida, luz cheia de coisas e sinais. Luz cheia de coisas incomportavelmente reais.


Deixei de escrever, porque nunca saberia como evitar o mesmo erro. Deixei de escrever porque nunca te quero partilhar com o desconhecido. Essa certeza de que o que é nosso, pertence-nos bem por dentro da carne viva; às vezes morta.

Às vezes crua, às vezes vazia.

E sem pensar, fui. Na acção é que reside a vantagem de acalmarmos a realidade que transportávamos. Na falta de vergonha que é descrevermos a falta de inocência perdida a alguém. Na falta que se tornou respirar em todos os passeios que nos foram mantendo na ilusão que estávamos seguros.
Levamos anos até chegarmos aqui, levados pelas malas que transportamos, pela boleia que residiu no amor que haveríamos de contemplar. Em Budapeste, num quarto qualquer. Até tudo se ter tornado credivelmente difícil.

“Difícil é a vida dos pobres e dos velhos porra”, Repeti durante esse tempo interminável, quando olhei para trás e já tinhas desvanecido – não em mim, mas na cidade que tanto parecia odiares.

Encontrar-te ia, alguns dias depois, a beber uma vodka em Peste, levada pela certeza que nos teríamos de reencontrar num entendimento só, nem que fosse preciso 5 mil pés de altitude. Nem que fosse a vergonha que só haveria de sentir no escuro da Europa de Leste, quando te procurei e apenas encontrei aqueles sexos com cheiro a perfume e bálsamo das feiras medievais que procurávamos, todos os anos. Não queria esperar pelo Inverno que me faria gelar a tua memória. Queria encontrar-me contigo, saber para onde seguiríamos depois, na viagem encantada, encenada por nós, alguns anos antes em Geometria.

Durante os dias em que não te vi, não havia mais nada. Apenas putas e cabaret.
Danças exóticas em cima da mesa, fornicadelas sem vergonha, na esperança que voltasses e tivesses pena de mim e me levasses contigo. O orgulho é sempre a minha prioridade. É o meu primeiro amor. Nunca correria atrás de ti, nunca perderia perdão, nunca entenderia o teu desespero sôfrego, lágrimas por debaixo do rio que nem sabíamos o nome ainda. "Danúbio" dir-me-ia uma puta romena. Ou checa. Comia com toda a intensidade que um Homem consegue e lembrei-me que poderia nunca mais te oportunidade de te revelar. “É Danúbio Sara, É Danúbio”.

Que se foda o Danúbio. Ele sabe a imagem que reflectiu quando partiste.

Thursday, April 07, 2011

Insuperável

Ser adulto é tornar todos os fatos como garantidos. Esquecermo-nos de que por vezes, a verdade há-de ser refeita e a nossa acomodação há-de ter um fim. Procuramos tudo e todos, enquanto somos um pouco mais novos. Perdidos, mas também, maravilhados. Quando crescemos, entendemos claramente que a vida cá fora, é mais dura do que aquilo que prevíamos e que nos falta a força e o poder que só podem ser traduzidos pelos sonhos e as viagens que tínhamos, enquanto podíamos reclamar a inocência da adolescência. O primeiro beijo, as férias intermináveis junto à praia, uma nostalgia de lugar nenhum e o walkmen por entre a areia. Era esse momento de solidão incontrolada, mas de perfeita sintonia com o resto do mundo, que nos há-de sempre fazer falta. Onde as palavras não eram contidas e a injustiça era transferida para um gelado ser mais caro, do que outro. Simplesmente. O primeiro segredo, o primeiro dia de aulas, o primeiro filme porno, o primeiro flirt, a primeira mensagem com sorriso. A primeira amizade, o derradeiro “para sempre”, com um pé na água fria do Mindelo. Só o amor pode ser incoerentemente fresco, quando tudo parece gasto e polido demais, para nos carregar com novas sensações, essa energia sensorial, tantas vezes perdida. Só o amor, puro e brilhante converge toda essa leveza que o ser pode carregar. “O que dá sentido à nossa conduta é sempre uma coisa completamente desconhecida”, refere Milan Kundera, que deixará de existir, quando nos tornarmos em pura contaminação contraída pela retina, através da propaganda política. Só o amor pode ser esse último reduto, das incertezas inebriantes, das viagens nunca mais finalizadas, de todo esse lado dramático que explodíamos na adolescência, na esperança de que o dia seguinte, fosse irremediavelmente diferente. Só o amor pode completar essa busca vertiginosa e proporcionar alguma beleza inerente ao caos em que todos vivemos. Num país moribundo, onde os políticos se desresponsabilizam com eleições antecipadas, apenas porque já conseguiram amealhar o que podiam (a título pessoal), até à altura. Ser adulto, tem que consistir irremediavelmente em mais qualquer coisa, do que procurar por um novo emprego todos os dias, apenas porque precisamos de mais dinheiro para construirmos uma casa, comprar um Ipad, ou talvez quem sabe, gerar um adolescente. Gostava de repousar na ideia de que ser adulto, significa irremediavelmente ser livre. Foi nessa ideia que vivemos a correr, na esperança em que possamos moldar a realidade circundante, um pouco ao nosso reflexo e memória futura. É nessa ilusão que vivemos, continuamente. Até aqui chegar. Não há tempo para viver e o pouco dinheiro que amealhamos, mal nos deixa sobreviver. Crescer na perspetiva de que a altura em que nos escondiamos nas casas de banho dos bares, para atender a chamada à mamã e mentirmos como gente pequena “estou na cama, claro”, era bem mais empolgante do que a vida de um trabalhador adulto tem para oferecer, é extenuante e cansativa. A concretização de todos os sonhos devia ser justamente agora, em que não existe mais nada, para além da nossa consciência a ditar esse caminho, cheio de coisas pouco surpreendentes. O amor pode ser a criação de algo insuperável. Todos os dias.