Followers

Sunday, September 20, 2009

Feels Like Home




Há algo que apraz sentir. Sem pressas, que me faz sentir em casa e nada pode ser mudado e eu posso deitar-me nesse sofá repleto de segurança e coerência eterna. Para onde posso correr, sempre que tudo à minha volta não faz sentido. Sempre que a morte se aproxima, sempre que a vida me tira um pouco mais de fôlego. Como se tudo fosse irremediavelmente terminar, depois de amanhã.
Enquanto faz sol, enquanto te posso abraçar, nessa ternura que me prometeste e que tão poucas vezes me fazes sentir. E é então que me sinto em casa, onde posso adormecer de olhos bem fechados, sem segurar a alma, sem me preocupar com o que o mundo faz lá fora, onde pertenço, bem cá dentro, dentro de mim.
Sem me preocupar com as minhas imperfeições, sem me preocupar se consigo suster a lágrima que teima em não se segurar, se consigo soltar a gargalhada um pouco mais alto, se consigo ser eu, nem que seja apenas por mais uns instantes. Uns instantes.
É tudo o que tenho, é tudo o que sempre tive.
Viver, a saber perfeitamente que a música ainda há-de mudar, que não há momento que perdure e eu neurótico, claro, a tentar suster o ar dentro de mim, fechado entre paredes e silêncios, procura de uma vida que já me pertenceu e eu talvez não tenha sabido agarrar. À procura de uma vida, que nunca terei tido e que não me pertence. E se ao menos soubesses o quanto ainda te retenho, o quanto em mim permaneces, nessas guerras, onde se soltam canhões diariamente, onde todos os dias desaparecemos dentro de frases feitas, palavras vãs, apenas para disfarçarmos que não somos nada um sem o outro.
Há qualquer coisa de profundamente triste nisto tudo.
Há qualquer coisa de irremediavelmente bonito nisto tudo.
Quando é que vamos entender que o tempo escasseia, que podíamos ser tudo aquilo que não somos, que podíamos transformar a raiva e a mediocridade em algo colorido a feliz, naturalmente, como nunca o fizemos. Onde poderíamos regressar, sentir-mos a espinha a contrair-se e ficarmos completos apenas porque partilhamos a mesma vida, enquanto ainda o conseguimos e podemos permanecer. Aqui, bem dentro de nós.
Se soubesses o quão feliz me podes fazer, se soubesses o quão feliz este amor irremediavelmente piroso, mas puro, que tenho para te entregar, te pode agarrar e nunca te deixar…
E tudo o que queria era deixar o resto do mundo para trás, deitar-me contigo aqui, onde podemos reconhecer as folhas no chão e sentir o cheiro a churrasco, ainda e concluir que Setembro não pode deixar de ser tão estranho…
As nossas vidas a voltarem a incluir-se e talvez nós a sermos tudo aquilo que queríamos ser, daqui a alguns anos, deitados na mesma relva, a olhar o céu bem escuro, sem trocarmos uma única palavra, para não estragar o momento, sem deixar que nada nos interrompa, com as gargalhadas de uma casa grande por detrás e os nossos sonhos todos construídos em grandes alicerces, sem vírgulas ou pontos finais, felizes, a sonhar, acordados e muitas gargalhadas à nossa volta.
Tudo contigo.
Eu contigo, tu com a minha mão – sinto-me em casa.
Talvez noutro dia, um dia gigante, um dia corrosivo, um dia em que não salvaste ninguém, um dia em que te abraço e esqueces o filho da puta do remédio que não entrou no sangue a tempo. E sim, outro dia, um dia cinzento, um domingo, claro!, onde não cozinhamos, escondemos os tachos e as panelas, esquecemos o telemóvel e o facebook, esquecemos o chefe e o fígado que está a dar as últimas e ficamos no sofá, sem nos esquecermos um do outro, ligados, como sempre. Como sempre tentamos ser. Como um dia teremos sido. Egoístas, imaturos, inseguros.
É assim que as guerras começam. Alguém pensa que alguém vai atacar alguém e de repente, ninguém sabe muito bem como nem porquê, arrancam os tanques, soltam-se as bombas e tudo desmorona à volta. Constroem-se alianças, formas de garantir uma sobrevivência para além da derrota. Formas de garantirmos a sobrevivência, depois de tudo estar extinto. Formas de garantirmos que não ficaremos sozinhos, para sempre.
Filho da puta do tempo, e se ao menos soubesses o tempo que esperei por encontrar o toque, o teu toque, onde tudo se converge, onde me encontro e me esqueço por dentro de ti, que nada importa.
Onde eu pertenço.


BSO – Feels like home – edwin hayes

Thursday, August 27, 2009

Mary

Houve qualquer coisa que fui esquecendo, com o despejar das horas em palavras sem sentido e viagens interiores sem sentido.
Há coisas que nunca serão realmente nossas – e eu que sempre esperei nunca acreditar, sempre fazer acontecer.
Há qualquer coisa que nunca vou esquecer. A memória de um amor perdido, entre a praia – sempre a praia – por entre uma tragédia mediática, sob o olhar agudo e crítico de quem não a sente, não a partilha, não a contém em si.
Uma daquelas luzes que nos guiam, por entre a força de querermos viver, uma daquelas imagens que nunca esqueceremos, que foram feitas só para nós.
Eram risos pegados, químicas e tu a desapareceres. Matéria física, sem resquício de imperfeições ou de lágrimas negligentes.
Agora diz-me que estás entre a procura da atmosfera e a as estrelas que tanto fazias questão de as puxares e partilhares. Lembras-me que é talvez tempo de mudar, que nada será assim tão garantido, mas que talvez seja por isso que temos todos, juntos, de lutar por algo melhor.
A tua eternidade, permanece em mim, como em tantos outros. Contudo.
Quererias sempre o melhor, o impensável, com uma atitude resplandecente, figurável entre o panteão dessas grandes criaturas que vivem para sorrir.
Amar é deixar que permaneças em mim, com uma memória feliz, de alguém que não tinha medo de voar, de ser mais, de se fixar, mesmo sabendo que a sua hora havia de chegar. Mesmo sabendo que ele nunca ficaria sozinho.
Afinal, foi tudo tão bem planeado, que nunca poderia ser de outro jeito. Sei que não posso ser egoísta o suficiente, para querer roubar ao tempo a fugacidade e puxar-te sem te explicar porquê, num segundo, trazer-te para casa e levar-te a ver um jogo do Boavista. Olhar para ti e pensar “que se fodam todos os problemas que poderei ter”.
Agora, só me restam memórias, alguém para amparar, a certeza que não estaremos nunca sozinho. Que o caminho que traçamos haverá sempre de ter algum sentido, que a vida há-de ser sempre mais do que isto que sentimos, que presenciamos, que tocamos, em última análise, que vivemos.
Ainda estou à espera que caias dessa estrela e grites “Luís Miguel”. Um nome só teu, que adoptei para mim mesmo.
Quando tudo aconteceu, não acreditei. Não acredito na morte como certeza absoluta, como força motriz. Nem na vida. Não acredito em nada, há muito tempo.


“Estar-se atento, dar-se conta de cada momento, com consciência dos sentimentos, sem julgar nem analisar, é um desafio diário”. Ramiro Calle

E só agora percebo porque me abraçaste tanto quando fui, voltei, permaneci no Brasil. Sabias que haveria de ver a realidade como algo mutável a cada dia, bonita demais para ser desperdiçada, por rotinas, ciúmes ou invejas francas. Honestidades, mentiras, que nada levará a lugar nenhum, nunca.
Incompreensivelmente perdi muito daquilo que me preenchia. Talvez por isso, faça tudo sentido, na minha pequena consciência agora, em que acordei e voltei a viver. Não sei bem para onde me voltar, contudo. Mas algo me diz que tenho de levar um sorriso na cara e continuar a construir uma alma tão grande como aquela que sempre fizeste questão de evidenciar que teria. Sem quaisquer duvidadas.
Não te posso agradecer. Não te consigo chorar, nem sequer escrever algo bonito e lamechas sobre ti. Não era suposto que fosse assim, mas nada será suposto ser de qualquer das formas que sempre sonhamos.

Best Friend : Train. Drops Of Jupiter

Friday, August 07, 2009

Ansiedade

Passam-se as músicas
passa-se o sol
ficam as lembranças.
No seio da poeira
dentro de mim
fixo, morto, irreflectido.
Em carne viva, em carne solta
Perdida
Crua.
Ligações entre gente pequena
desfeita, inocente.
Ladeados, rodeados
Portões, encontros
a uma só voz.
Não há finais.
Apenas a ansiedade.

Sunday, June 28, 2009

Pele




Entrei no carro e esqueci o nome que me fora dado. Perdi-me nessa inocência requisitada a momentos breves e no sonho que idealizei como meu.
Carrego-o na minha mão, persistente, umas vezes escasso, outras, maior do que eu. É ele que me embala e que me sossega. É ele que me torna na razão máxima de ternura e raiva. É ele que me leva.

No sonho que possuo
Na leveza que tantas vezes peço
Musicais que não existem
Pedras que não me atingem
E um sorriso a conter a seriedade.
Fixa.

Como o suspiro que transpira, entre bafejadas de sol radiante a pedir um pouco mais de complacência para com a pele. A tua. A tocar na minha, como se fossem uma só, como se o sonho fosse um só e tudo fosse eternamente perfeito e conciso. Tu a quereres-me, eu a querer-te e o desejo a vaguear à nossa volta e eu a esquecer-me do mundo nesse mesmo momento.
A tua mão a acompanhar-me, e a ajudar-me a segurar a nossa construção. Casas, crianças, comida e um prato único.
Telas em que nos revemos, no escuro, onde não conseguimos ver nada para além da esperança que é acordar e sentir a tua pele a tocar na minha.
Não há muito para além disso. Há sim, gargalhadas perdidas e perfeitas, momentos nossos, como quem sabe que o amanhã pode não chegar e tem de absorver toda a ternura num só momento. Como quem sabe que nem um oceano chegava para demonstrar toda a cumplicidade adquirida. Como quem sabe que não há uma gota que não pertença à nossa pele, húmida e carregada de trejeitos, mas sempre à espera de sentir que o sonho vale sempre a pena, mesmo até quando a alma é pequena.
Que Forbela e o Camilo tinham razão, que a Pedrosa e o Esteves também. Que nunca ninguém se enganou em relação ao amor, nem mesmo eu.
Enquanto guio, as paisagens são condescendentes comigo, fazem-me viajar por entre elas, fazem-me viver uma vida que espero ainda agarrar como sendo minha… E pensar que todos os caminhos vão dar à tua imagem, que me acompanha e me seduz… Que me ilumina tantas outras vezes.
Na rádio, não há música, não há lágrimas, não há sentimentos a deambular. Apenas uma voz a repetir que este ano é o último para amar, para conquistar, para defender o sonho que nunca ficou esquecido, apenas à espera de alguém que valesse a pena partilhar, conquistar. Nunca perder, como outrora. Por ele faço tudo.

Caio
Escorrego
Mergulho
Salto
Fixo-me
Desapareço
Sempre na esperança que o amanhã me leve e me mostre aquele lugar encantado, longe do fim. Perto de ti.

Perto de mim
Perto de nós
Onde nunca nos perdemos
Onde nunca perecemos
Face à luz
Face à vida
Na conquista do sonho
Na conquista de nós.

Enquanto é Verão, chove sempre. Não entendo mais de Estações e épocas favoráveis a nada. Tudo o que nos ensinaram está errado e não confio mais na passagem de conhecimento através da imposição de materiais ou acções. Não sou programado para mais nada a não ser para conduzir por aí, na esperança que entres no carro e não omitas tantas palavras como os teus olhos pedem para não o fazeres. A ver se meto a 5.ª e me e fugimos os dois para outro lugar, que eu estou cansado de esperar que me carregues, onde o sol não queima a pele fina, branca, delicada, permeável ao teu suor. A pele que me entende, a pele que sabe o que sinto, porque também é queimada.
A pele que é minha. E o sonho também.
Nossa. Nosso.



Best Friend. Skank - Vamos Fugir

Monday, June 22, 2009

Estou

Acordei e não estava. Afinal, o que foi feito de toda essa paz supostamente conquistada, dessa fugacidade remetida para calma e serenidade ilusória que parece já não me pertencer. Não há pontos de interrogação, não há meias palavras engolidas em seco à espera que a ferida passe e tudo se concretize. Há luz e sonho, poeira de passos repetidos pelo tempo, fugas incessantes do nosso próprio reflexo, condicionantes próprios de uma textura delicada e subtil demais para ser presenciada. Às vezes parece que me perco na tua ausência, outras em que adormeço na mesma, outras tantas em que apenas gostava de ser perfeito.
Cores cintilantes, rodeadas de traças repugnantes e a emoção em plena carne viva, a brotar como se dependesse do sangue para viver. O incontrolável a fazer esquecer o inóspito, o medo de que tudo corra mal, mesmo quando corre e um sorriso que ninguém vê, mas fica gravado.
Antecedentes, lembranças, tudo a escorrer perante esses lugares comuns que todos nós vamos criando diariamente.
Uma praia que podia ser a nossa, uma praia que passou a ser a nossa. Quando é que passamos a encontrar-nos e a comer do mesmo prato? Não há confusão. Não há receio, apenas contenção de imaginação a fazer lembrar um velho filme.
Amar chega sempre, voltei a acreditar. Amar tem de chegar, senão vivemos de quê? Limitações passadas e futuras, encontrar o teu cheiro misturado com sal e alfazema e eu a sonhar com ele, numa angústia repleta de confusão e impossibilidade de ser melhor, todos os dias.
Não gosto de linearidade, gosto de afirmação, de histórias imperfeitas mas encantadas, de luz, de amor, de paz, de criação perante o nojo que é olhar para um prédio destruído, onde de repente te vejo e tudo se transforma, nada se perde, tudo se cria, até os teus braços e de repente acordo e não estou. Para ninguém.
Acredito sempre na possibilidade de sermos melhores, apesar de não me conformar com as palavras que tantas vezes saem da minha boca e me fazem mais pequeno e revoltoso, patético, por achar que há uma linearidade para tudo, um caminho, uma estrada única que nos há-de levar a um final preciso e controlável. Como se tivesse perdido um filho e não me pudesse calar, não pudesse parar de gritar e tudo fosse … perdidamente bonito.
Como o é, tantas vezes.
Ninguém é perfeito, mas poucas pessoas terão tanta vontade de ultrapassar os próprios limites perante a dificuldade que é viver entre os slides que nos impuseram.

Num deserto sem água Numa noite sem lua Num país sem nome Ou numa terra nua Por maior que seja o desespero

Nenhuma ausência é mais funda do que a tua. (Shopia M. B)


Que me impuseram, que nos tornam um pouco mais amargos, todos os dias. Talvez a mim.

Talvez um dia a correr
Talvez um dia a fugir
Um momento estragado
Uma espera eterna
Na conquista de um abraço.
Pequeno amor este
Que consome e retribui.
Quero viver
Talvez um pouco mais
Sempre à espera
Sempre a colar a tua ausência
Talvez acordado

A querer estar ao teu lado.

Tuesday, June 09, 2009

Morte Clara - Sozinha II

Morri e ninguém me avisou.
Vivi depressa demais e ninguém quis saber. Ninguém interpretou os risos perdidos pelas madrugadas, as rugas a crescer e eu sem querer saber.
Morri sem saber como e agora já não consigo sentir o cheiro a erva por entre a luz Clara, perante a consciência de ter falhado perante a minha própria inconsciência e vontade de vencer. Chamavam-me princesa, mas isso acabou quando ouvi o som da porta a bater e cresci para o mundo perante a viagem vertiginosa que era sentir o teu calor junto ao meu corpo, de mãos dadas, na profusão da nossa cama.
Lá fora, ninguém sabia, mas toda a gente suspeitava. Nós não queríamos saber
Escreveste-me uma vez que o meu sorriso ainda haveria de ser o reflexo da palma da tua mão e enquanto te vejo novamente, talvez pela última vez, vejo-te a fitá-la na esperança de me perspectivares. Talvez nunca mais, talvez sempre. Voltarás a amar e eu serei sempre essa memória errante e vagabunda de um passado que não chega para nos fazer feliz.
Tens os cabelos claros como o teu nome, a efervescer de luminosidade, mesmo quando te preparas para me entregar na terra que eu tanto amava. Quando era pequena, costumava rebolar, sujar-me a ver se ainda estava a sonhar, sob o olhar atento do meu pai. A ver se deixava de ser a princesa perante uns momentos e o meu coração poderia simplesmente sossegar de tanta pressão ou contratempo.
O teu corpo no meu
O teu coração com o meu
A tua vida a acalmar o vazio da minha morte
Queria tocar-te uma última vez, esperar por ti no comboio como quando éramos mais novas e caminhar de S.Bento e rir-mos e sermos felizes, despreocupadas, perante a futilidade que é viver para tanta gente. Comer uma castanha no inverno, um gelado no verão, de mãos afastadas mas de olhares sempre entrelaçados
“Nunca me largues”
“Cais?”
“Sozinha.”
O que irás fazer a seguir? Acender um incenso e caminhar pelo jardim, sozinha? Eras a minha companheira e agora fui eu que te perdi. És forte demais para te esqueceres devido a tudo isto. Talvez não. As tuas lágrimas são luminosas, claras, como a luz que me trespassa.
Eu de olhos fechados, foste tu que me vestiste? Se foste, muita coisa mudou e és a melhor amiga da minha mãe. Não sinto nada, sinto-me um bocado perdida, até. Não era suposto tudo ter terminado depois de finalmente morrer? Se isto não tem fim, prefiro voltar a viver e permanecer com o teu bater de coração inoportuno e claro, os teus pelos eriçados, um Sábado de manhã atrasado para almoçarmos bolinhos de bacalhau com a tua irmã e uma felicidade jovial, eterna. Espuma no meu nariz, sonhos de adolescente concretizados, que foram nossos, agora só teus.
Quero viver para sempre contigo.

Tuesday, May 26, 2009

Sozinha

O cabelo na frente dos olhos e uma vontade de engolir o mundo com um só gesto. Enquanto procura um significado para o percorrer vazio das mãos que já tocaram o céu, tantas vezes, consome o silêncio com a certeza de que o tempo dura um cigarro inteiro.

Gesto compenetrado
A encontrar a inocência da idade
Onde a ilusão nunca se torna em algo real
E tudo se desfaz, eventualmente.
Tudo.
Não previa o desfecho do acontecimento marcado pelo fim do início, como se tudo fosse uma contradição daquilo que realmente queria, daquilo que realmente sentia. Não conseguia perspectivar mais o futuro, nem sabia consertar o passado. No seu presente, vivia a felicidade de estar triste, enquanto a chuva caía suavemente por entre o carro e a segurava com a palma da mão, como já seguraram em sim. Por si.

Revia agora todos os factos e os acordes com que construiu a partitura que parecia ter agora um final pouco precipitado. Não conseguia suster em si a infelicidade de não ser perfeita e de ter falhado, novamente. De se espalhar por entre o cheiro da erva molhada junto ao mar e de continuar a partir-se enquanto gritava num silêncio surdo. Silêncio impenetrável, onde nada estava bem, onde nada se segurava, onde nada perdurava. Fechava os olhos e não desaparecia. Imagens ténues de fragmentos roubados por câmaras alheias, visões de uma felicidade conjunta que não partilhavam mais. Perguntava-se ali mesmo, para onde iam esses momentos alheios aos problemas do resto do mundo. Se perdurariam na eternidade à espera que alguém os concluísse ou se tornassem apenas pó por entre a rotina do dia que se avizinhava. Fechava os olhos e sabia que nada ficaria bem, não naquele momento, talvez nunca.

Talvez nunca, numa terra bem longe
Memórias suspensas por lampiões estragados
Casas desabitadas, opostas à culpa de não sentir vergonha
Por entre o resquício de vida que existe em todos nós
Onde tudo se quebra, onde tudo se perde
Onde nada se substitui

Era desconfiada e não sabia o que fazer com isso. Queria apenas sentir o peso da chuva por entre os dedos e esperar que tudo terminasse no momento em que esperava, mas não conseguia. Não sabia como tinha começado, nem sabia se teria acabado. Tinha-se perdido por entre o caminho de querer ser eternamente feliz e não sabia quem tinha apagado a luz, que fez com que nunca mais conseguisse voltar ao rumo correcto. Divertia-se nos últimos tempos a ter pena de si própria e esperar que fizessem alguma coisa por ela, a ver se valeria realmente viver com uma alma tão pequena, como a sua se havia tornado. Desconfiada da sinceridade de qualquer político, resignada finalmente, por aquilo que a vida lhe dava, desiludida com os fazedores de sonhos, desapontada com o som da porta a fechar.
E eis então que recorda o pânico em câmara lenta a despontar de dentro de si e as palavras a correrem a sua consciência como se o mundo tivesse acabado ontem e ninguém a tivesse acordado para assistir. Tinha-se esquecido do nome que lhe haviam dado, tinha-se esquecido de sonhar e esperava agora fechar os olhos e pensar que tudo haveria de ter sido um engano e ninguém haveria de voltar a fazer as coisas como delas se lembrava. Havia de confrontar as peças espalhadas pelo chão de todas as forças que acabava por perder. Havia que defrontar a derrota mesmo defronte dos seus olhos, perante buscas intermináveis a fantasias rebulescas e pesadelos a meio da noite, suores e tremores, tudo a buscar o calor da companhia que a acalmava de cada vez que sabia que a realidade era melhor do que o sonho que tantas vezes idealizara. E por isso havia deixado de sonhar.
E por isso, tinha-se esquecido de sonhar de todos os detalhes que haveria de enfrentar um dia e que haveriam de fazer dela a mulher mais forte das constelações. A princesa que o pai fazia questão de criar no reflexo do seu espelho partido, enquanto era criança e da inveja que a mãe sentia de cada vez que ouvia canções deste género.
Ela lembrava-se. Lembrava-se do desprezo materno, da fugacidade da ternura que eventualmente recebia, quando não se sujava e era perfeita. E ela nunca era perfeita. Ela lembrava-se do que havia passado para conquistar o sonho ideal, a figura eterna que se deitava consigo e que agora não estava mais ali. O afastamento dos pais, a vergonha estampada no olhar do pai. Já não era mais uma princesa.
Agora, tinha perdido tudo, menos a vontade de chorar. Mas era apenas mais uma vontade, como voltar atrás e fazer tudo perfeito e talvez assim, ter alguma ternura devolvida e talvez desta forma, não ouvir o som da porta a bater e o desespero a despoletar. Uma ida à janela na esperança que voltasse atrás e a perdoasse, mas nunca aconteceu e ela ficou sozinha, entre a relva que tinham plantado as duas e o amor que não tinham escolhido. Era desconfiada e nunca tinha sido compreendida na totalidade. Nem mesmo ela. Agora, não havia nada que pudesse fazer. Queria apenas que tudo fosse claro, que ela voltasse e lhe dissesse que não tinha motivos para ter agido como teria agido, mas que não importava agora. Só importava a intemporalidade do sentimento estampado por entre juras de amor simples.
“ E que faço eu com tudo isto? Onde coloco todas as certezas até aqui sentidas ? gostava de a fazer voltar, de a fazer entender a inocência perdida entre a vontade de querer se mais humana diariamente. Espero que não se esqueça de mim, entre amanhã e daqui a um mês. Espero que tudo volte ao normal depressa. Espero tanta coisa de mim, espero tanta coisa de quem está comigo…”
Não sabia mais de quem era a culpa, sabia que não poderia fazer mais nada, por entre o reflexo da falsa princesa, agora sozinha. Não sabia também, o porquê de tudo não ser tão fácil como nos filmes que o pai a habituara a ver e acreditar, “pai, isto é mesmo assim?”, e ela acreditava, sempre. Amores que quebravam guerras e fronteiras, para no fim perceber que era tudo treta. “ Pai, estou apaixonada. Chama-se Clara”. Clara era a desilusão espalhada por entre a postura do pai e a decepção da própria perante aquilo que perspectivava. Afinal, nem tudo era possível e o amor também pode ser julgado.
Entre o passado e o futuro
Há sempre uma dor presente, que anuncia
A chegada da velha memória.
Chama-se insegurança e vem de longe,
Chega sem avisar a abraça-nos, faz-nos sentir confortáveis.
Mata-nos.
Matou-a.

Enquanto adormece, por entre a chuva, lembra-se de já ter adormecido assim. Sozinha.

Monday, April 27, 2009

sou trapalhão

Novamente embriagado pelo silêncio da inércia que se abate sobre mim. Habituei-me a viver cada momento, como se fosse único e precioso, que me esqueci o quão frustrante isso pode ser, quando partilhamos o mundo com mais alguém, do que o nosso próprio ego.
Já aqui o disse muitas vezes e volto a afirmar – ter uma relação não é de todo fácil. É preciso gostarmos o suficiente da imagem que temos de nós para a conseguirmos manter durante uma eternidade e assim, nunca desnivelarmos as expectativas que criamos sobre nós próprios. É preciso ter coragem para revelarmos o que realmente somos e termos a capacidade de ainda assim, continuarmos a gostar do nosso reflexo.


Habituamo-nos a culpar o governo pelos males do país, o vizinho que não paga o condomínio, o passado pela vergonha que sentimos de nós próprios. Habituamo-nos mal.
Numa sociedade individualista, onde tudo é feito e dirigido para o prazer próprio, é difícil percebermos que não somos assim tão formidáveis, quando somos expostos à fragilidade do olhar de quem mais amamos.

Eu
Sou trapalhão. Não sei o que fazer com tanto amor, tantas vezes. Deixo-me perder em alucinações próprias, que achava já esquecidas e por dejá vu’s completamente irreais, para no fim, olhar para trás
Parar
E querer recomeçar tudo de novo, sem nunca me lembrar que nada volta atrás, sem nunca nos lembrarmos de todas as parvoíces e mentiras que acreditamos durante tanto tempo, apenas para conseguirmos ser as estrelas que sabemos bem, jamais serermos.
Vivemos em Nova York ou Londres, não interessa. Queremos ser felizes durante uma noite e esperar que ela morra e se esqueça de nós, embebidos no vinho que nunca nos larga.

Eu
Ainda não consegui encontrar o equilíbrio entre tudo aquilo que fui e aquilo que aspiro a ser. O emaranhado de percepções apodera-se de mim, sempre que me imagino a fazer algo, sem ti. E é agoniante.
Sem ti
Como se o mundo não significasse mais nada, para além da cor que trazes ao meu mundo. Para além da serenidade que me confias, para além da vida que me fazes querer ter.

Eu
Nem sempre gosto de mim. Tenho de me manter ocupado para me esquecer disso e conseguir iludir o reflexo da minha imagem que se apresenta muitas vezes difusa. Pensar que nada mais tem o mesmo encanto é aterrador, apenas porque me relembraste o encanto de todas os aspectos simples e encantadores que a vida pode oferecer e que aparentemente os tinha enterrado bem fundo.

Congruentemente, acabo por me perder na identidade de quem já fui, de quem passei a ser e de quem quero voltar a ser, mas desta vez sem esquecer quem passei a ser.
Não é fácil, nem pouco confuso. É simplesmente uma tentativa básica de aglomerar todas as experiências obtidas através de uma vida dividida em 2 fases distintas e transformá-la num bolo que seja passível de ser degustado com satisfação, para quem me acompanha, mas principalmente para mim.
Compreendi, claro, que a insegurança que sinto, para além de todo o caos financeiro actual, prende-se com o simples motivo de ter concluído que existiam lados mais essenciais, do que aqueles tantas vezes explorados por mim, apesar de só assim, ter conseguido chegar até ti.
Durante um curto período de tempo preferi - e é provável que o volte a fazer, quando me voltar a perder – culpar-te pela minha insatisfação de muitas lembranças que povoam a minha memória. Queria apagá-las e fingir que não fazem parte de mim, mas sou honesto demais para o conseguir fazer. Em vez disso, prefiro colocar-me em paz com as mesmas de uma forma altruísta e puramente patética, mas que faz sentido para mim.

Para mim, fazes sentido. Depois de tudo o que vi e experienciei, quando me vi sozinho sem a tua presença, considerei-me a pessoa mais irracional e negligente assim que abri os olhos e finalmente acordei. De olhos postos no tecto, numa cama que não era a minha, imaginei-me contigo e sorri, para logo depois realizar que não permanecias comigo e morri.
Nesse momento, iniciei uma fábula só minha. Nela, compreenderias a minha vontade e impaciência em te ter, mesmo sem ser preciso explicar mais nada e ficaríamos os dois a contar as estrelas num lugar qualquer, mas só nosso. Claro que nada é perfeito, tendo em conta as imperfeições coladas à nossa pele e a fábula, claro está, não se concretizou. Em vez disso, experienciei a dor real do que era não te poder ter só para mim, num aglomerado de pessoas, por entre as quais gritava cá por dentro “ que se fodam” e com as quais já não me identifico. Aparentemente, estou muito agarrado à imagem perfeita que um filme de uma hora me consegue transmitir sobre o que é ser-se feliz com alguém para sempre, como se alguém conseguisse viver uma vida inteira numa hora.

Sou trapalhão e só sei dançar em espaços limitados. Só sei fazer com que o tempo seja realmente aproveitado, quando escasseia, só sei trabalhar com o stress a dar-me a mão, só sei lidar com o mundo como se não houvesse amanhã. Mas esse mundo existirá amanhã e embora não saiba o que irá acontecer, sei que vou querer estar contigo, mesmo que já não exista, nada.
Talvez a ver-te a espreitar por entre a objectiva, talvez a querer-te um pouco mais, por entre o feitio moldado para situações de crise, nunca para algo que pode ser tão perfeito como um champagne bruto a acompanhar um queijo da serra. Já não sei se sou urbano ou rural, apenas sei que em algum destes sítios, hei-de de me continuar a apaixonar por ti, diariamente, sem que a rotina me apague. Sem que a rotina nos apague.
A ti, a pessoa mais importante que resultou de toda a viagem interior que foi estar do outro lado do mundo e que não quero perder nunca, apenas porque sei que contigo, sou uma melhor pessoa. Acredito em ti, resta-me acreditar em mim e que a temperamentalidade do meu ser há-de se extinguir e eu nunca me hei-de esquecer que és a peça-chave em todo este aprendizado que é viver.

Sem nunca o precisar de dizer
Sem nunca o precisar
de repetir
Por entre a fuga
Por entre a luz,fugi
para me reencontrar comigo
e sentir que não te hei-de perder.
Mordeste-me o coração e agora é tarde
Para esquecer essa leveza
Essa importância que sinto
Quando penso
Quando sinto
Que sou amado por
ti.


Tuesday, April 21, 2009

Seriamente

Seriamente.

Alguém que nunca nos viu, mas que sabe quem somos. A carregar flores por entre os braços e a oferecer-nos um sorriso ligeiro. E é aí que pensámos “ esta porra não faz sentido”.
Há que admitir que não compreendemos o percurso dos nossos caminhos e tentar fazê-lo só faria de nós seres ainda mais patéticos do que algum dia seremos. Há que o admitir, para que possamos ser um dia

Alguém, seriamente.

Rodeados de determinações escolhidas por nós, seriamente. As escolhas, as hipóteses rejeitadas, as oportunidades criadas e os lugares onde indubitavelmente me trazes e me fazes reviver de cada vez que pousas as mãos por entre a minha disfarçada fragilidade.

Ironicamente

Finjo que não possuo a certeza de não controlar tudo aquilo que posso ter. Finjo, apenas porque não controlo, verdadeiramente. Sem inocência ou falsa impressão, na conquista por uma fidelização da afirmação “esta porra não faz sentido”.

Nenhum

Por isso, cometemos novamente o mesmo erro, até o conseguirmos converter em algo irremediavelmente correcto. E por aí vamos, por aí vou.
Com a força que conquistamos, com a força que conquistei, por entre os sonhos que se foram matando, sem perder de vista o meu inimigo e gritar “esta porra não faz sentido nenhum”. E aí vamos nós

Aí vou eu

Ninguém pede novamente uma segunda oportunidade, porque nunca saberiamos o que fazer com ela, como nunca soubemos. Guardamos as promessas de um amanhã um pouco melhor e aí vamos nós.

Aí vou eu

Embrenhado nas confusões alheias, solto, preso, a tentar reter os paradigmas, a fim de os descontruir sem nunca os compreender totalmente. Sou preguiçoso demais, sequer para o tentar. Em vez disso, escrevo na tentativa de fintar a minha própria consciência e fugir novamente aos lençois onde me custa adormecer sem contar as estrelas contigo e recomeçar onde nos enganámos. Mesmo sem tempo, mesmo sem velocidade vertiginosa que tudo tem a sua demora. Mesmo sem meios, mesmo sem fim. Viver a vida plenamente sem consideração a não ser pelas nossas escolhas, que o a amnhã chega depressa e quando dermos por ela, estamos presos a uma cadeira de rodas e não dissemos “amo-te” as vezes necessárias e aí sim, “nada disto fará sentido”.

Nada

E eu escolho amar-te sem retenção de custos, mesmo que a inflação não me permita. Escolho perder-me nessa rotina desgastante e tentar sobreviver sem nos condenar a um suicídio lento, de cada vez que nos encontrarmos e conversarmos, em vez de falarmos. E talvez aí o meu reflexo não seja um problema e faremos tudo como quisermos, como bem entendermos, sem cometermos o mesmo erro, outra vez.

Eu escolho-te a ti. Talvez assim, sejamos alguém.

Seriamente

Ninguém precisa de rotinas ou inocências perdidas para se reencontrar. É por isso que te trarei para casa, a qualquer dia e hei-de ficar a ver o teu respirar na esperança que o teu sorriso me encha e possamos novamente viver, talvez voar depressa, para algum lugar só nosso, onde a memória não nos traia e as nossas escolhas fiquem assentes na maturidade que consquistamos e na partilha que realizamos, como se uma partitura se tratasse. Como se não existisse nada lá fora.

Seriamente.

Só nós e o Caetanos a sonhar acordado na nossa presença, sem ser preciso juntar o que vem detrás, apenas o que está para vir e o presente que é o que de mais valioso te posso oferecer – esse momento vivido em tempo real, em conjunto, como se de um plano secreto estivéssemos a falar. Sem nunca te esquecer, sem me interessar por mais ninguém, apenas contigo na minha inspiração, a tratar de ti, apenas porque gosto de ti, sem ser da boca para fora.
E eu sei que estás comigo agora.

Esta porra at+e faz algum sentido.

Seriamente.

Thursday, March 19, 2009

A complexidade do SER

A complexidade do ser-humano é algo inabalável, altamente constrangedor e magnífico.
Somos esse ser paradoxal, onde os limites são impostos pela forma como reagimos na infância às leis impostas pelos nossos pais e pelo contexto sociocultural.
Sem entendermos isso, não somos ninguém.


Uns super homens, sem capa para voarmos, sem conseguirmos elevar os nossos sonhos a esse campo surreal e magnífico que é colocarem a vida além do que está presente nas nossas mãos.
O futuro, a deus pertence, há quem diga. E sem fé em coisa alguma, que nós próprios, também não seremos ninguém.

Concluimos a espera, ao longo dos anos, e quando menos esperamos alguém nos leva o tempo e esquecemos. Esquecemos o amor e a ternura, a candura e a magia. Esses toques que fazem a vida um pouco mais perfeita.
Sem fé em nós próprios também não seremos ninguém. Nunca.
Dependemos do chamado destino, colocámos-lhe as esperanças de algo menos atroz, um acontecimento mais lisonjeiro, mas real, menos corrosivo.
No fim, somos apenas algo.
Algo característico, uma caricatura das nossas ilusões, uma criação da nossa consciência, uma histeria pregada em festas deambulantes, que esperemos que acabem depressa, a ver se alguém nos agarra e nos adormece.

Queremos todos um guarda-costas, uma memória apaziguadora que nos leve e nos acalme, essa estabilidade que nso falta, essa luz que nos guia. Votamos em todos os políticos que existem a ver se algum nos leva, nos guia, nos dá um emprego sustentável no meio de tanta crise, na esperança que não sejamos nós os protagonistas de mais uma história de infortúnio no telejornal da uma. Da tvi, da sic, não gaverá grande diferença. O mundo público vive da desgraça alheia e nós também, desde que não seja a nossa.
Desde que seja a deles, seja porque razão for.
E por isso, nunca haveremos de ser ninguém.


Acomodados, deambulantes, corrompíveis, sem margem para erro, a ver se o vizinho do lado falha primeiro. À espera que esse Deus acorde e nos salve e crie um milgre divino qualquer. Um que torne os sentimentos mais estáveis, o acordar mais radioso, a firmeza mais imposta, a luva mais fácil de encaixar, o nome mais fácil de pronunciar.


Não confio mais nas melodias, será a minha maior desgraça, sempre. Caguei para os pontos de exclamação e para a paciência. Quero voltar para essa criação só minha, que não se completou, para esse texto que se perdeu, para essa marca que já foi a minha.
Perdi-me em tudo aquilo que queria ter e aquilo que queria perder e acabei por me perder, entre as vírgulas e os pontos finais. Tornei-me condescendente e mais preguiçoso, para ser apenas calmo e engenhoso.

E por isso, nunca fui ninguém.

Deixei de ouvir a guitarra e o saxofone, enfiei-me no vazio das palavras e da tecnologia, a ver se o resto do mundo se esquece de mim e posso finalmente sonhar.
A ver se me consigo tornar alguém.
Toda a gente a pedir atenção, no meio da criação da significação, eu envolto em simbolos, a ver se os signos não se perdem e a dar razão ao Pierce. Tudo na mais efemeridade possível, passível de ser descrita. Tudo na maior obscuridade.
Um dia.
Enquanto isso, fecho os olhos e o pensamento esvai-se, sangra. Não gosto de metáforas, mas sem elas, também não sou ninguém.

Respira fundo.
E volto a mim, a ver se o cigarro se acabou e eu páro de dar voltas ao meu pensamento. Não quebro, não recolho nada, novamente e enfrento.
Seguro-me, um dia hei-de conseguir chegar a algum lado, pelo meu próprio pé, pelo meu próprio caminho.
Um dia tudo ficará como deveria ser.
As pessoas hão-de perceber que é na igualdade que está a maior felicidade de estarmos vivos, porque precisamos dela, para não nos sentirmos vazios e sozinhos.
Segura-te.
Um dia a guitarra voltará novamente a tocar e todos esses detalhes que te metem medo e te tornam um pouco mais pequeno hão-de ser ultrapassados e tudo acabará por ficar um pouco mais leve, finalmente.
Tudo.
Decora o teu nome, alguém o há-de esquecer. Cola esses pormenores de que és feito, a vida há-de saber o que fazer com eles e esse teu sorriso há-de voltar novamente, sem manufacturações, sem remedeios pouco originais, sem tempo, sem espaço.


Um dia serei alguém.

Best Friend : Jason Mraz feat James M. Details in the fabric

Wednesday, February 18, 2009

Toques de génio

O ser Humano é um animal egoísta, na sua essência e contrariar isso, é desafiante.

Desafiar isso pode ser mortal, mas também é isso que nos destingue.Impedir que o facto de estarmos arruinados, arruíne aqueles que mais gostasmos, é de facto, desgastante, tornando-se urgente uma evolução para algo menos corriqueiro e banal.A distinção, não é para todos, mas é fundamentalmente, para aqueles que amam verdadeiramente. Privar a pessoa que está ao nosso lado dos nossos limites impostos por uma educação baesada em tudo aquilo que doi, torna-se urgente quando se está, finalmente, numa relação que se pretende ser um sucesso, todos os dias.E é nisso que consiste amar, também.
Tentar que a evolução seja conjunta, fazendo um esforço crasso para que o nosso feitio não faça doer em situações decisivas e preponderantes.

Em suma : fazer quem está connosco feliz, mesmo nos momentos em que não nos apetece e tudo o que queremos dizer é merda pela boca fora.
Vejo muitos casais a discutir e aquilo que me apetece perguntar é: vocês acreditam mesmo naquilo que dizem e na maneira como acusam a pessoa que está ao vosso lado?Que isto aconteça apenas em alturas em que os ânimos desafiam a gravidade, parece-me letal.
Afinal, como é possível que duas pessoas pareçam ser do mesmo partido e concordem com tudo aquilo que dizem, quando momentos a seguir apenas porque choveu e alguém disse que ia estar sol, cada um dos intervenientes veste a camisola de partidos diferentes, extremistas na maioria dos casos?

Imagino de um lado, Paulo Portas e do outro Francisco Louçã a guerrarem entre si, esquecendo que há minutos atrás, eram os dois do PSD e o seu maior sonho é conseguirem ir para o Parlamento Europeu, em conjunto.A necessidade de discutir que alguns de nós tem e deve ser superada, para que o amor e o entendimento prevaleça. Amar, é compreender, mesmo nos piores momentos e por isso sei, hoje, que se não fiquei com nenhuma das pessoas que passaram por mim até ontem, foi porque não as amava o suficiente. E às vezes amar nunca é o suficiente.O amor reflecte-se em pequenos toques de génio. Impedir que a outra pessoa saia com ferida, é de facto, o mais importante.

" Prometo ser compreensivo na saúde e na doença
Repeitando-te até nos momentos de maior raiva
Tentanto tirar o melhor de ti, em qualquer altura". ( Sugestão para voto de casamento).

Soneto da Felicidade


A paixão tem destas coisas.
Ligamos o televisor e somos inundados por um marketing carregado de paixão desenfreada, seja nos anúncios publicitários, seja nos vários filmes onde pulalam personagens entediantemente amorosas ( interpretadas quase sempre pela Meg Ryan ou uma falsa sósia).
Descrevem-nos a paixão, como algo sorrateiro e imponderado, ao virar de cada esquina, sem nada que tenha que ver com a racionalidade ou lógica ponderada, carregada de aventuras e finais felizes numa praia paradisíaca qualquer. Talvez Cuba ou Republica Dominicana, o que interessa são meia dúzia de mojitos, uma espreguiçadeira e um grupo de nativos a satisfazerem os nossos pedidos por menos de um dólar.
Sem nos darmos conta, oferecem-nos a paixão em vários pacotes, cada um deles, destinado a um diferente target. Basta escolher : Meg Ryan ou Sandra Bullock, Kevin Costner ou Hugh Jackman.
No fim, deixamos de pensar naquilo que realmente queremos e procuramos, para passarmos simplesmente a assumir que o verdadeiro amor reside num grande filme de momentos, que acabam eventualmente por desaparecer.
A crise, leva a isso mesmo, como descreve Inês Pedrosa na sua crónica Contra a Paixão na edição da Única 14/02/2009, no Expresso. Ficamos sem opções e acabamos por nos deitar com o primeiro olhar que nos aparece com sabor a mar e monte velho, para no fim, tudo parecer um hotel onde as emoções são depositadas para logo serem esquecidas.
Esquecemo-nos fundamentalmente que o amor e a paixão advêm de nós e daquilo que sentimos e que por isso mesmo, inicialmente, temos de conhecer quem habita dentro de nós. Sabermos o que esse ser precisa, do que se alimenta e o que realmente o faz ter orgasmos de prazer.
Puro Prazer.
Precisamos saber de onde vem a alegria eterna de viver, de partilhar e de dar, de evoluir. O amor e a paixão têm esse dom nato de nos querer fazer melhor, numa constante mutação em algo perfeito, que nunca chegaremos a ser, sem que por isso nos tenhamos de sentir frustrados. É nisso, aliás, que reside a felicidade e seria eu um falso humilde se não afirmasse isso mesmo.
Por isso, é necessário sabermos o que realmente nos faz falta, quem nos falta e onde fazemos falta. É urgente concluirmos essa complexidade de que é feita a matéria humana, para sabermos depois quem queremos ter ao nosso lado.
Essa matemática aplicada às ciências sociais, na minha perspectiva, faz um completo sentido. Afinal, quereremos todos uma Meg Ryan, ou haverá espaço para uma Penélope?
A minha visão, é que todos devemos ter o que realmente queremos, o difícil, a meu ver, é conseguir perceber o que queremos. Já dizia a mestre Agustina, o difícil é pensar. Pensar no que gostamos, no que gostariamos dever quando acordássemos, no que gostariamos de ver quando adormcessemos. E não há nada pior do que acordar ao lado de quem não amamos.
Por isso talvez, as pessoas sejam tão infelizes, na maior parte dos casos. Tomam as acções apenas porque projecteram a ideia de que não podem ser mais do que aquilo que são.
A minha visão, é de que todos deveriamos fazer aquilo que gostamos e sentimos de fazer, depois de assumirmos as nossas acções, conscientemente e racionalmente e quem me diz que o amor tem pouco de racional, está enganado, na minha opinião.
É preciso ser-se racional para se concluir que se quer passar o resto da vida com alguém, principalmente, é preciso ser-se racional para ter esperança nisso mesmo.
É preciso ser-se racional de que o amor é essa obra de arte constante que precisa de ser moldada e adorada diariamente, esculpida ao pormenor, com todas as perfeições e imperfeições que acabam por se tornar o grande palco que á vida.
É preciso ser-se racional para se ter a certeza de todos os pormenores ínfimos pelos quais amamos e porque o devemos continuar a fazê-lo em conjunção com a irracionalidade que envolve toda essa temática, que é o facto de nos deixar a borbulhar o coração e ficarmos sem chão tantas e tantas vezes.
“ Que não seja imortal, posto que é chama

mas que seja infinito enquanto dure"* ( Vinícios de Moraes in Soneto da Felicidade)
Provavelmente Pedrosa e o Vinícios têm razão, mas também é mais fácil acreditar no amor a cada esquina do que lutar verdadeiramente por ele. É preciso ter-se coragem para amar. É preciso ser-se Homem para construir uma relação de que nos orgulhemos. É preciso ser-se adulto o suficiente e gostarmos de nós próprios para sabermos que aquele olhar vai ser nosso para o resto da vida e mesmo assim, ficarmos felizes com isso.
Durante muito tempo, perdi também eu, essa coragem tão característica outrora minha. Acabei por me conhecer e perceber aquilo que realmente queria e que me fazia feliz.
A esperança de um amanhã melhor, sempre, é aquilo que me faz verdadeiramente feliz.

Friday, February 06, 2009

Amar nunca foi o meu forte – cada acto tem a sua conquência


Amar, nunca foi o meu forte.
E não é fácil, nem leve. Vivi sempre com a certeza de que era na dor do incompleto, que residia todo o amor possível e imaginado.
Toda a candura eternecida, todas as discusões e surrealismo, como um quandro perfeitamente imperfeito. Como nós.
Paixões inconsequentes são sempre mais fáceis e mais fáceis de eternizar, onde o tempo e o espaço determinam que tudo tenha de ser perfeito.
Sem rotina.
Sem obssessão.
Sem rasgo de fuga ao passado.
Apenas o momento eternizado a juntar a mais uma coleção retida na memória que já não sabe mais onde e o que guardar.
Houve momentos em que terei pensado que me estaria a arriscar, para algo que concerteza alguns predestinaram.
Sorrirmos, apenas porque temos algo de importante na nossa vida, é de facto um risco. Nunca sabemos quando é que o nosso tempo acaba, como vai ser e mais importante ainda – se haverá algo como nós os dois.
Algo que se compare.
Algo que se assuma perante a imensidão do infinito como a nossa certeza que acaba onde a linha deixa de exiistir. Algures.
Ninguém sabe muito bem onde.
E ninguém sabe de nada. Vivémos fechados no nosso próprio tempo. Tempo que alguém delimitou, tempo que nós concretizamos. Tempo que seguimos escrupulosamente.
Deixei de ter certezas, para além de te querer por tempos infidáveis. Criei tantos paradigmas inabaláveis ao longos dos anos, para serem derrubados por risos e noites mal dormidas, que já nada merece a minha confiança absoluta.
A menos que sejas tu.
A menos que sejas tu a conduzir para algum lugar encantando.
A menos que sejas tu deixar-te ir, por entre as minhas mãos e a nossa noção de sinceridade embebida em saudade ao pôr do sol.
A menos que sejas tu a lembrar-me que o mais importante são todas aquelas coisas que não vemos, mas que careegámos em nós todos os dias e que nos fazem ter vontade em partilhar as cores do mundo com que mais gostamos.
A menos que sejas tu a acordar-me e eu aí sim, queira viver um dia em pleno, como se não houvesse amanhã.
Amar, nunca foi o meu forte e por isso saiba que isto que sinto, não pode ser de todo algo sensaboroso ou duplicável. Trata-se de algo único e profundamente inabalável.
E por isso este é o ano certo para amar e adormecer com um sorriso nos lábios, porque sabemos que a nossa presença permanece dentro de alguém que a aprecia e a cuida.
Como se vivéssemos da luz que alguém nos dá e nunca fosse suficiente.
Nunca.
E ficássemos viciados e não quiséssemos fugir, apenas esperar que ela regressasse e nos beijasse e ficasse sentada no chão a olhar o que se passa lá por cima, sem grandes pretensões de ver algo mais bonito do que o vazio do desconhecido.
Este é o ano certo para começar a amar, para que os próximos sejam um prelongamento de algo seguro e conciso, pouco controlável, mas cheio de mimos e lençois brancos, cheiro a hortelã e alfazema e muitas noites passadas a visionar histórias que nunca poderão ter a imensidão da nossa, apenas porque não são reais.
O que mais nos dá distinção, é de sermos humanos, de facto.
De erramos consequentemente, devido aos limites sensoriais que possuímos e aos quais nos entregamos. De por vezes tentarmos fazer do outro, algo à nossa imagem e sermos suficientemente capazes de dizer “agora não”, apenas porque gostamos um do outro.
Viveremos sempre na dicotomia do espaço e do tempo, agarrados a uma força que só pode ser surpreendente para que nunca tiver amado, de verdade.
Mordeste-me o coração e nunca mais soube fazer nada com ele, a não ser esperar que voltasses e não te arrependesses.
E voltaste.
E não te arrependeste.
E eu cossegui sentir-me seguro, por entre todas as minhas fobias a compromissos e medos refeitos, até porque vivemos em crise e por isso, é difícil e complicado alguém conseguir sentir-se seguro com algo.
Em crise de valores, de consciências, de paradigmas. Crises pessoais, crises inter-pessoais, crises de mercado, crises internas.
A minha maior crise neste momento é não poder acordar todos os dias ao teu lado, porque alguém estipulou que tudo tem o seu tempo, como se o amor fosse vítima de cálculos e equações metódicas e pudesse ser contado ou calculado.
Como se pudesse ser quantificado. Como se pudesse ser, então, eliminado.
De ti, orgulho-me de muito. De mim, orgulho-me de ter arriscado.
Cada acto tem a sua consequência.


“ Por me teres concretizado os meus sonhos inocentemente
E porque agora me sinto mais vivo do que nunca”
Best Friend Sade. No Ordinary Love

Thursday, January 29, 2009

Cada acto tem a sua consequência

Cada acto tem a sua consequência.
Um rapaz que se casa. Com uma mulher. Um rapaz que é gay.
Ele sabe.
Compram uma casa, têm um filho.
Vivem felizes, vivem como qualquer casal.
Ele acorda insatisfeito. Liga o computador, entra no Irc. Conversa com um rapaz.
Os lençois são brancos a constrastar com o cobertor, violeta.
Adormece e está atrasado para levar a mulher ao cinema.
Janta.
Dá um beijo ao filho. Não fez os trabalhos de casa.
A cunhada precisa de um transplante de medula. Está doente. Acontece a todos.
A mulher faz um exame e não vão ao cinema.
Talvez nunca mais entrem no cinema, os dois.
A mulher está infectada com o vírus da sida.
Cada acto tem a sua consequència.

Cada acto tem a sua consequência
Ela já sabe. Tem 12 anos e os pais estão a discutir e ela não quer ouvi-los novamente.
Corre para a casa da Ana e a ana decide relaxar.
Serão as melhores amigas durante tempos infinitos de raparigas de 12 anos.
Tem 15 anos e está com a Teresa. Ela já sabe. Os pais estão a discutir e ela não quer ouvi-los. Apanha o autocarro com ela e desce até à Foz. Quer relaxar.
Seráo as melhores amigas durante tempos infinitos de raparigas de 15 anos.
Tem 21 anos e já sabe. O pai chora a saudade da mãe por entre a chuva que cai lá fora, mas ela não quer ouvir. Acende o cigarro de sempre e espera que o maço acabe.
Aos 40 está no Hospital e o pai está com ela, a chorar meio insano, meio louco, talvez lúcido “ o maior desgosto de um pai é ver o filho morrer primeiro”.
Cada acto tem a sua consequência.

Acaba com o namorado de 11 anos.
Cada acto tem a sua consequência.
Viviam felizes, desde o tempo de escola, quando ela usava fita na cabeça e saias de pregas.
Conhecia os pais e os avós, partilhavam a televisão ao fim-de-semana e o banco de trás do carro várias vezes por semana.
Tinham uma rotina.
Ele quis mudá-la.
Viviam felizes, mas isso não lhe chegava.
Por isso, decidiu deixar de partilhar tantas vezes a televisão ao fim-de-semana e passou a chegar mais tarde, a princípio, ocasionalmente.
Depois, começou a adorar música africana e a interessar-se pelo crioulo.
Passado um mês disse-lhe “ Estou confuso”.
E toda a gente fica confusa, quando a rotina muda pensou ela.
Deixaram de viver felizes porque ele deixou de viver com ela.
“Estou apaixonado por África” e ela pensou que ia com ele visitá-la e mudar a rotina.
“Vou viver com ela. É mais velha, mais madura e não vou cair na rotina”.
Deixaram de viver felizes.
Cada acto tem a sua consequência.

Best Friend . Kings of leon use somebody




Friday, January 23, 2009

Tomada de Posse

O tempo que agora urge, para tudo e que outrora me sobrava. O tempo de amar e ser feliz, que finalmente tomei como meu. O tempo de viver e de morrer, também.
Caminhámos todos para o mesmo, espanta-me é que ninguém compreenda isso, na verdadeira magnitude que esse pensamento encerra em si.
Mortes prematuras, guerras e tomadas de posse de presidentes que se esperam salvadores, mas que por não passarem de simples mortais, pouco poderão fazer. Talvez o nosso ciclo esteja a chegar ao fim. Talvez não reste mais nada. A nossa condição reside na imperfeição e talvez por isso não consigamos ir mais longe. Talvez por isso, daqui a uns anos caiam mais pontes e mais prédios que outrora se julgavam seguros.
Talvez por isso nada seja eterno, como nós.
Será?
Só o tempo o dirá. De qualquer das formas é ele que dita tudo
.

Best Friend Sade. I couldn´t Love You mOre

Tuesday, January 13, 2009

Não sei por onde vou, só sei que vou contigo

Tudo é determinantemente vago. Vivémos em pequenas conquistas, refeitas dos sonhos que inevitavelmente acabam por secumbir à energia que desaparece diariamente.
O porquê de muitas vezes nos levantarmos do espaço que nos parece tão acolhedor quando tentamos despertar, é algo de incompreensível e irracional.
Se formos seguindo este raciocínio, vamos concluir que somos e estamos presos a uma realidade, a uma vida, a uma cama ( no meu caso a uma escrita) completamente automatizada. Crescemos porque nos disseram que cresceriamos, amamos porque todos vemos no grande ecrã, figuras dispostas, em fila, a amarem-se a e a morrerem juntas.
A passearem nas ruas de N.York depois de uma suicídio em massa, ao qual escaparam, possuídas de uma força inesperada qualquer. Nunca saberemos.

Hoje obriguei-me a não apagar a primeira linha. Normalmente é isso que faço. Escrevo um parágrafo inteiro, leio e apago. É automatizado. No início, porque não gostava das primeiras palavras que acabavam por aparecer, agora apenas porque me fiz pouco mais do que inocência perdida diante de todos.
E eu nunca gosto, de qualquer das maneiras.
E quando não apago, acabo por me perder neste emaranhado de palavras e citações feitas por alguém, nalgum livro que não foi escrito por mim. Nunca será.
Se me virar, ainda consigo ouvir todos aqueles que se levantam de manhã e não percebem porquê. Não há doçura na vida, para aqueles que não percebem o porquê de todas as coisas que acontecem, acontecerem de facto.
Para aqueles que amarguram perantes as muitas ou poucas (nunca saberemos), viscitudes de uma vida pouco ou mais ao menos normal. Para aqueles que entram num autocarro, perante 7 graus negativos e esperam carinhosamente que a noite chegue depressa e os volte a adormecer e o tempo passa, diante de um cigarro que teima em desaparecer depressa demais, para alguém se conseguir esquecer verdadeiramente do cartão que expirou a validade há muito tempo, ou o crédito bancário que avança perigosamente ou um qualquer namorado que trai, indubitavelmente, como ( quase) todos os homens. Ou mulheres. Humanos.
Na rádio, perguntam-me muitas vezes se somos humanos ou outra coisa qualquer.
Eu, com o tempo, faminto que fui, deixei de sentir gradualmente interesse pela espécie com quem tenho que fazer as minhas acções diárias. Ninguém atura ninguém, ninguém quer saber realmente de alguém, apenas daqueles que amamos. E como não fomos feitos para amar, não sabemos porquê nem como.
São tantos os pensamentos que ocorrem a quem de manhã entra no autocarro, que é impossível que alguma daquelas pessoas imagine sequer o que é ser feliz. E ninguém quer saber.
Temos donas de casa a quem ninguém dá o devido valor, reformados que foram esquecidos pela família, estudantes que nunca terão emprego, professoras que não têm dinheiro para abastecer o automóvel outrora de luxo, o operador do apoio ao cliente da vodafone que ouve tantos insultos quanto feijões come ao almoço, misturado com o arroz ( que tá caro e escasseia – perguntem aos chineses que eu não como hidratos de carbono), o funcionário da Câmara que nunca chegará a ser efectivo ou o advogado em início/fim de carreira que por não querer/saber mentir, nunca chegará/cehgou a lado nenhum.
Entre tudo isto, existo eu. Sentado nesse mesmo autocarro, como sempre, sem destino ou direcção. Entro e saio quando e porque me apetece. Falo com quem quero e tento sair nas paragens certas, aquelas que me mostrarão algo de novo, algo de verdadeiro. No fim, a viagem é sempre igual.
Enquanto isso, há um lugar vazio ao meu lado, como sempre houve. A única diferença é que está reservado e eu finalmente sei para quem é e estou feliz com isso.
“Não sei por onde vou, só sei que não vou por aí”
( e eu não apago nada do que escrevo hoje, por isso tenho de ter cuidado, é algo que se adquire com a idade - a perda da vontade em agradar a todos).
Eu só sei que vou contigo. E as pessoas que ocupam o autocarro também o sabem e consentem, ficam felizes, algumas reticentes outras enciumadas, mas todas felizes de alguma maneira. Afinal, o que se leva daqui, não é o plasma comprado no Continente em saldos, mas uma história, a nossa história.
Mesmo que não quisesse, mesmo que não pudesse, chegou a hora e o tempo de criar uma história que englobe o rasgo de um sorriso que me ensine a amar, verdadeiramente.Mesmo que não estejamos preparados para amar, mesmo que isso não seja suposto. Lá porque é assim ou foi assim, não quer dizer que tenha de ser, realmente.
Enquanto te sentas, reparo na tua estatura, no teu nariz, na tua boca, na tua alma, na tua inocência. Nunca tive nada que quisesse verdadeiramente, até te encontrar e saber que te sentaste ao meu lado porque querias fazer o resto da viagem comigo, seja lá para onde ela for.
Seja como for, passei a amar-te a partir do primeiro dia em que te vi a entrar no autocarro, de chave perdida abraçada a outro alguém que um dia haveria de ser eu, apenas porque a chave estava comigo.
Perdi-me a encarar-te, a ver como me fugias e agora que ficas ao meu lado, nem sei como não tentar alterar a realidade à minha volta. Tenho que agir, para encontrar as melhores paragens, a melhor paisagem, a melhor conversa para que te deixes encantar e nunca queiras acordar.
E eu não sou perfeito, é um problema, na maioria das vezes. Encarar alguém que foi e é moldada numa forma mais convencional, mas menos quebrada do que a minha, sem tantas metáforas, sem tanto surrealismo, apenas um pouco mais normal.
Sem interrupções de sono durante a noite, sem medo que atrás da porta estivesse não o papão, mas algo bem parecido e mais real. Alguém que me mostrasse o que realmente interessa, por detrás desse arco repleto de cores que muitas vezes não vejo, a não ser contigo.
Não interessa o que não posso oferecer. Jantares em locais exóticos, concentração absoluta em ti, apenas porque as pessoas que vão no autocarro comigo, contam com a minha presença até ao fim, ou palavras carinhosas até ao anoitecer.
Sei apenas que estarei contigo, até ao fim da viagem, seja ela qual for.
Não sei por onde vou. Só sei que vou contigo.


Best Friend José Régio.