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Tuesday, September 07, 2004

Frio

Frio, muito frio, cá dentro, bem lá no fundo, não me deixando respirar, não me deixando trabalhar, não me deixando andar. E no meio deste frio intenso e mortal, moram estrelas, repetidas e insgnificantes, num quadro que nunca ninguém consegui explicar o seu significado. Durantes estes dias a vida, a minha vida, felizmente não parou de mostrar energias suficientes para superar qualquer guerra, fosse ela interna ou externa. O mundo não parou de rodar, os meus pais continuaram a discutir todas as semanas, o meu amigo hipócrita tentou passar-me mais uma rasteira suja e impensável e a minha irmã, uma delas, não deixou de dar mais atenção ao Tobias, um labrador puro e majestoso, do que a mim. A vida continuou e eu deixei-me levar por ela, fácil que sou, fácil que me tornei. Agora, quando olho para trás, pergunto-me se não é realmente melhor este final abrupto do que uma dança lenta encaminhada para a morte de ambos. As pessoas que seguem avidamente a estória, tornada por ela própria uma telenovela com elenco e argumento péssimos, da minha vida devem estar ansiosos por saber o que terminou, como terminou, todo aquele fogo de artifício tardio e certeiro, que me iluminou e se espalhou por tudo que corre cá por dentro dentro. Não! Eu não faço, nem pretendo entender as leis pelas quais as pessoas se articulam e regem neste pequeno mundo imperfeito, criado à nossa pequena imagem. Por momento, sou interrompido pela tua imagem nebulosa e intrínsecamente fugaz, que se espalha, mas não permanece. " Quero ser feliz contigo" e toda a minha ginástica mental para te evitar nos sonhos mais densos, à noite, foi puxada para segundo plano e todo eu voltou a confiar em ti. Só em ti.
Agora faz mais frio. Sinto-o por todo o meu corpo, sinto-o dentro do meu sangue, por entre os meus olhos que sangram perante tanta incredulidade e se fecham para que nda possa ser visto. As citações de Fernando Pessoa, Sophia ou Inês Pedrosa não abarcam a imensidão do vazio que se me atrevessa, nos sentimentos mais negros que nascem, nas palavras mais secas que se transformam.
" Prometo que nunca mais vai acontecer".
E cada fez faz mais frio à medida que a verdade avança, cada vez me sinto mais pequeno e sem forças para voltar a confiar em alguém. Porque aconteceu. Porque aconteceu, afinal?
A Nelly continua a não dar respostas, mas eu também já não as quero, nem delas preciso. Uma pessoa merece sempre uma segunda opurtunidade e eu dei-ta e voltei a confiar sem reticências e a adormecer sobre a tua imagem sem pudor ou medo. Dois dias foi o bastante para que eu voltasse a descobrir aquilo que tinha escondido por ti e dois dias foram precisos para que me voltasses a mandar para a fossa, com mais uma daquelas desculpas que não lembra a ninguém, nem aos deuses, nem mesmo a Fernando Pessoa. Pessoa, esse génio que pegou nas entrelinhas de todo o nosso ser e o moldou, jogou e fez dele o seu parceiro para tudo e mais alguma coisa, que ainda não descobri, mas que hei-de descobrir. Mas nem mesmo esse génio é capaz de explicar tanta amargura depositada sobre mim, neste momento. Levei tanto tempo a confiar em alguém, tantas vezes mergulhado na escuridão do meu quarto, rodeado por uma mobília não escolhida por mim, numa casa em que não me sinto nem ninguém me sente.
Porque haverias de prometer ao invês de cumprir? Degladeias-te com a vida que escolhes-te e criaste, mas sabes que no fundo não passas, ainda e sempre, de uma criança pequena e cobarde, a quem uma vez fecharam no frigorífico e agora não é capaz de jogar mais às escondidas, inventando e culpando os que o rodeiam pelo seu prórpio fracasso.
Desta vez, não há palavras bonitas e encorajadoras para que o sentimento de culpa que te atrevessará, te passe ao lado, sem te afectar, sem te conseguir tocar. Desta vez não haverá segunda opurtunidade, porque todos temos o direito a errar, faz parte da nossa condição humana, mas todos temos o direito de preservar os sentimentos dos outros e aquilo que resta deles, intactos. Trata-se de respeito por uma pessoa que dizes gostar inquestionávelmente, mas por razões criadas sobre ti e por ti, num sonho com personagens mudas, para que não te alertem da tua inquestionável cobardia, não tiveste a sensibilidade mínima, assente em cada um de nós, para me respeitar.
Agora, sei que estou pronto para te terminar, porque não fazes parte do meu mundo, porque não conseguiste fazer e como tal, tentaste-o eliminar, sem compreender que era a ti que acabavas por acertar. Acho que no fundo, querias que tivesse sido eu a ficar farto de todo o drama em que me envolvi, sempre puxado por ti, e pusesse fim a uma história sem narrador ou realizador. Acho que querias que te dissesse que não prestas, quando tu sabes que não, que ilustrasse sobre ti todos os sentimentos maus e sujos que todos somos capazes de sentir por alguém que nos fere repetidamente. O máximo que conseguirás arrancar de mim será um adeus. Adeus de raiva, adeus de paixão, adeus de tudo o que imaginares, mas não adeus de ódio, porque esse guarda-se para quem se ama, para quem merece receber o nosso amor.
E quando passares por mim, temente da minha acção perante as pessoas que te rodeiam, vou ser o que não imaginas, o que não sou, mas o que sempre soube ser, mesmo quando não o queria. E quando esse dia chegar, vais ter vergonha do que te tornas-te e aí sim. Só aí vais querer desaparecer, porque vais constatar que és, porque és, tudo aquilo que temes ser, quando te olhas ao espelho.
O frio, continuo-o a sentir, aqui bem perto de mim, mas à medida que te torno mais humano, o ar vai-se tornando menos denso, mais claro, mais quente. Eu vou seguir a minha estrada, que mais uma vez se mostra aberta, porque não tenho medo, porque sei que não dependo de ti para ser feliz, porque sei que há alguém lá fora que ainda me há-de levar a todos os sitios novos e feitos para eu descobrir. Tenho confiança no meu sonho. Tenho confiança em mim. Mais confiança do que alguma vez tive em ti e nesse amor que de facto era mais imperfeito do que eu sopunha.