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Wednesday, March 09, 2005

Em busca da terra do nunca

Há-de ser sempre o Tempo o nosso maior condicionador, o factor determinante para a extensão de um sucesso ou para um afrontamento de uma qualquer acção que sempre soubemos que nunca ocorreria. E é o Tempo que determina a nossa capacidade de prolongar o sonho, afinal a nossa maior arma contra os espectros que nos tentam e perseguem sempre e todas a vezes que abrimos os olhos.
Esses espectros, que muitas vezes nos ferem e nos fazem esconder debaixo da aparente segurança do nosso sofá onde nos esquecemos que existímos, onde nos esquecemos que essa mesma existência é afinal apenas uma doença terminável que um dia qualquer, num espaço qualquer, acabará enfim, por nos segregar e terminar com o velho eco que nunca nos deixa de perseguir.
Lá longe.
No Restelo.
"Quando se está feliz num sonho, isso conta?"
Estha, personagem inabalável do romance de Arundhati Roy, "Deus Das Pequenas Coisas", tem necessidade em conseguir conceptualizar se aquilo com que sonha é de facto mais importante do que o arcaísmo em que a sociedade indiana está afogada, poço de encontro de múltiplas culturas e indecisões - atrevo-me mesmo a dizer, de incoerências-, ou se o mundo dos adultos é de facto tão linear e escorreito que a capacidade que nos equipara a um ser perfeito e perpétuo é pertencente a um álbum esquecido, que é para onde recorrem todos os momentos que nunca mais hão-de ser vividos, quanto mais sentidos.
Essa capacidade, acabará Estha por perceber, há-de ser sempre posta em causa, por um mundo cheio de certezas, repleto de "gente perdida" à espera de que o amor de alguém os salve.
À espera que a noite caia como morcegos.
À espera da mudança. À espera que o desespero morra.
Cegos como morcegos.
Esses espectros em que Estha nunca se converterá simplesmente porque nunca crescerá - não teve Tempo - tentam a todo o custo matar toda a luz que nos poderia remeter para algo melhor.
No fundo, somos todos espectros de nós próprios, a perseguir a sombra que teima em fugir, qual "Peter Pan", rodeadas por pessoas que sofrem do síndrome "Capitain Hook", que por nunca conseguirem voar não deixam os outros tentar.
Mundo desajeitado, ocidental e errante este, na maior parte das vezes.
Em que as crianças são desiludidas por não terem um sinal na bochecha bolachuda que tantas vezes apetece apertar, em que não há tempo para fazer dinheiro, em que não há dinheiro para refazer o tempo, em que não há tempo para gastar o dinheiro.
Somos então tentados, a sermos comandados por ideologias, esperança desafinada, de pessoas que entregam o corpo apenas porque já não tem alma, sempre em busca da "Terra do Nunca".


Mão na anca. Cabelo liso, olhar descarregado. Olha-se pela terceira vez e ainda assim não encontra a equação certa na imagem que reflecte a sua imagem. Olha-se antes de saír para a feira das vaidades, que é qualquer um desses passeios que todos os dias insistimos em pisar.
Joana tem idade suficiente para conseguir aquilo que quer e um sorriso tão frágil como o mundo para mostrar que tudo depende da capacidade que cada um contém em si de olharmos mais além. A Joana é apenas mais um ponto a juntar ao longo e vasto mosaico de pessoas que partem para parte incerta, sem passado ou tempo que asseguram o futuro. Sempre a fugir do malvado crocodilo que a avisa que o Tempo está a acabar, independentemente dos prazeres materiais com que se rodeia apenas para desviar a sua solidão. A Joana, acha que só precisa de vestir o 36 e rodear-se do máximo de gente que se pareça com as pessoas que todos os dias vê na televisão, para conseguír ver o mundo como outrora noutro Tempo, já sonhara.
O problema da Joana e de muitos de nós, é que as estrelas desses grande Império Cultural, como diria Adorno, não existem e ela vai ter de levar o Tempo suficiente até se dar conta desse facto e compreender que a nossa felicidade depende da capacidade que cada um de nós tem para fazer aquilo que melhor sabe. Talvez seja então obrigatório revitalizar conceitos tão esquecidos como a coragem, perdidos num qualquer diccionário, metáfora do sistema burocrático que nos rodeia.

O que separa Estha e Joana, não é a imensidão cultural ou geográfica, mas apenas a capacidade de sonhar, a nossa maior chave, peregrinação para a nossa perfeição em potência, prova real de que o impossível é o nada.
Cabe-nos a nós decidir qual papel temos capacidade para desempenhar. Parafraseando Júlio Pomar, a vida é um imenso tinteiro.
Coragem.


All I need is a Timeout, Timeout from everything...