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Friday, November 26, 2010

Escorrimento

Fechar os olhos e consumir o ar á minha volta. Correr entre a multidão, perder-me neste prazer sensorial que é poder começar de novo e rir-me por entre a minha realidade, que afinal, está viva.

Não quero esquecer essa oferta que é poder mergulhar no presente e nunca voltar a escorrer, antes de acordar. Posso não precisar.

Repito à minha mãe: “Não te preocupes, sei onde fica o sol”, entre um tinto caseiro e um sorriso nostálgico.

Confirmo ao meu pai: “Vou no sentido da rendição”. É isso que ele quer ouvir e eu não sou ninguém para matar as ilusões alheias.

Ser jovem é essa conquista de complementos, sem recurso a vitaminas mais ou menos afrodisíacas, raspar o solo com a mão e sentir o calor da imensidão que pode ser o infinito dos nossos sonhos, a penetrarem essa corrente sanguínea cheia de graça e glória.
Ser jovem é essa bênção grata, esse estado de espírito inebriante, carregado de empowerment. A perfeição à luz das leis e sobretudo de DEUS.

Fechar os olhos e consumir esse ar que me recarrega, sem sentido ou esperança, por entre as chiclets espalhadas por entre o passeio, por entre o abismo que pode ser descarregar-mos a força das nossas conquistas diárias numa só pessoa.

“Prometo-te que hoje não te magoo”

Como se isso fosse difícil.
Nasci à prova de bala, não tenho receio de fogos cruzados ou guerras nucleares. Sobrevivi à força bélica de crescer entre papéis sujos e prédios mal formados, à semelhança dos nossos governos. E surpresa - ainda aqui estou.


Fechar os olhos e consumir o fumo à minha volta, deitar o meu corpo sobre o teu e não fazer mais nada a não ser levitar sobre ti, na esperança que desapareças depressa , a ver se não te engulo, enquanto me deixo descair.

“Prometo que hoje sou teu”

Só hoje, só amanhã, talvez nunca.
Não sei porque o quero, não sei porque o persigo, nem sei porque é que o desejo. É talvez a primeira vez, na minha repetição intensa de acções mais ou menos convenientes, que não tenho a certeza do que faço nem porque o faço.

Fui sempre gerida nesse épico de movimentos mais ao menos moribundos de criar e recriar o prazer sexual que via espelhado nas telas, nos corpos das outras pessoas. O olhar perfeito, o sorriso perfeito, lençóis brancos e chocolate quente a fervilhar de tesão.
Mas não contigo.

Nascente com essa bondade e não te posso levar comigo. Sou demasiado pesada para carregares comigo. E tu nunca hás-de amar uma pedra.

“Amanhã não te largo”

Só as pessoas que não amam, estão sozinhas. Eu amo este sol que me mata a pele e me carrega as feições, amo a tua luz que me faz repousar sobre ti, o teu olhar dúbio enquanto me fixo no futuro e não o encontro.
Afinal, estou morta. Amanhã?
Encontrei esta carta e reli-a cinco vezes:


“Maria, quando marcamos às 5, marcamos para hoje. Tenho saudades de te ver fora do frio que são as mensagens escritas que trocamos. Eu a querer-te provar que quero estar contigo, tu a ficares imóvel.
Será sempre assim?
Hoje não te magoo e amanhã também não. (…)

(Olho lá para fora, por entre os ventos do Outono, as manhãs solarengas e intrépidas. A mudança a chegar. E amanhã, o que acontece?)

(...) "Amanhã não te posso prometer mais nada, a não ser que iremos na leveza da nossa progressão, sem que rastejemos por isso. Sabes que te quero, por entre a frincha da porta, enquanto tomas banho e te escuto a cantar “For once in my life”. Sabes a tesão que é ver-te passar semi-nua, a escorrer. Sabes a vontade que me provocas de querer escorrer dentro de ti, também.
Quero – te hoje até as 24 horas. Amanhã, nem Deus sabe o que poderá existir.
Quero te dar a mão.
Hoje não te magoo”.


Ser jovem é poder responder, sem responsabilidades. Prometer o amanhã que nunca se sabe se virá, apostar sempre no futuro, partilhando o passado.

Mensagem enviada às 13:45: “Hoje não te quero. Amanhã prometo que não m
e esqueço de ti”.

Thursday, October 14, 2010

Pura Merda


Acordei, impressa em formas que imaginei e recriei, a ver se entendias a minha dor.
Deixaste-me fugir, presa entre as matemáticas complementares, a genética igual às criações que imaginávamos que estariam desenhadas para nós, apenas nós.

Se querias que te amasse mais, porque não disseste?

Por isso fugi, na esperança que nunca me abandonasses. Fugi um pouco mais todos os dias, com essa característica perene de quem gosta pouco mais de despedidas, do que de super bock’s junto ao café da esquina.
Só Deus sabe o que poderia fazer, se apenas me tivesses ajudado a abrir a porta dessa consciência impenetrável, onde se escondia o teu coração, fechado num laboratório, imerso em composições quânticas, enquanto despejavas uma quantidade de ideias pré-concebidas. Pura merda, em cima da mesa.
Apetece-me dizer que nunca te amei e na verdade, não sei em que parte estaria a mentir.
Lutei tanto contra esse teu ser obscuro que já nem sei o que sinto e por isso fugi, um pouco mais.
Todos os dias.
Se calhar, nunca senti mais do que a necessidade de te provar (constantemente), que conseguia ser completa, o suficiente; a ver se conseguia chegar a esse altar pré-concebido que fingias não gostar. Pedestal corrompido, ponte quebrada entre mil e uma palavras que referias com puro desconhecimento.






Pura merda.


Se queres que te ame um pouco mais, porque não dizes?




Há coisas que não te disse, mas que resultariam apenas em copos de vinho vazios, às vezes talvez quem sabe - partidos.
Reconhecíamo-nos por entre as paredes frias, que eram o estigma da nossa conjectura, mas não sei se nos amamos o suficiente.
Esse amor que vem descrito nas revistas, que suplanta a distância ou as crises intermináveis, favas contadas de uma relação entre duas pessoas cáusticas, como a nossa.
A verdade é: preferia ficar na Enfermaria a ver a morte dos outros, a imaginar-me a chegar a casa, tirar-te as calças e enfiar-te dentro de mim. Fosse no sofá, no hall da entrada, ou mesma na banheira, como sempre gostamos.
Criei a necessidade, com o passar da idade e da alienação social que vim a adquirir, um constante repúdio pela entrega sexual - contigo.
Por isso, estragava tudo inicialmente, para me enlouquecer de vontade de querer ficar ao teu lado, apenas porque tenho medo (puro) da rejeição. Apenas porque queria provar a mim (e a tantas quantas quisessem presenciar), a minha força magistral, que te conseguiria suplantar.
Em público, com alguma preferência. Uma humilhação constante, tu a imitares um despercebimento assassino, tu a esqueceres que eu existia, subitamente, mas sempre nesse remoer interior, que nos acabou por matar.
Puxei-te pela convicção de que não precisei nunca de entrar num curso intitulado “Medicina”, para conseguir fazer tudo aquilo que queria. Às escondidas, importunei o sistema, sem que disso dessem conta. Doseava os medicamentos, entregava sedativos àqueles que gritavam pelas Marias, durante a noite, apenas para que os outros pudessem dormir, mais descansados. De manhã, chamavam-me de Doutora e eu fingia que não ouvia. Como tu.
Foi aí que finalmente entendi, que não haveria mais nada a fazer.
Passei a discutir sozinha e a ter medo da minha própria voz e perdi-me nas ideias e equações de te conseguir fazer ver a luz que haveria dentro de mim. Porque haveria, apesar de tudo aquilo que fazíamos consistia em dizer …Adeus!
- Adeus, vou dormir, adeus vou trabalhar, adeus vou viajar (para onde?!).
Talvez nunca te tenha amado o suficiente para te expelir completamente, talvez não rimássemos, como os poemas que escrevíamos durante o S. João…
Tempos houve em que bastava falar um decibel mais elevado, para a tua atenção se virar para mim, em mim. Como eram bons esses tempos... De massacre mútuo, de cortinas espalhadas pelo chão, telemóvel partido em dois e o trânsito lá fora parado e eu a sonhar em maneiras de te fazer ver o meu afastamento.

Se queres que te ame um pouco mais, porque não dizes?

Não posso, não podia. Seria submeter-me à fantasia que toda a gente criou de ti. Tinha que ser diferente. Não te podia amar demais, nem querer de menos. Comigo, haverias de ser diferente. E por isso, foste-te embora, mesmo antes de eu conseguir entender, que para guardar o meu orgulho, teria de encenar o meu afastamento e esperar que viesses atrás de mim.
Não vieste.
Poderias ter chegado tarde, colocado a chave em cima da mesa, que por Deus, haveríamos de dar certo, se eu ao menos conseguisse largar o desenho da minha armadura. Eu contava-te que queria mais amor, tu contavas-me que nunca me ias deixar de entregar essa inocência e acabávamos os dois a falar em merda.
Pura.


Se queria que me amesses um pouco mais, porque nunca o disse?

Friday, October 08, 2010

Cor Morta




Preto e branco.
Não há lugar para o cinzento, objectos mais ao menos maleáveis, sentimentos neutros.

É a ilusão onde todos os dias acontecem, todos os dias, como se tratasse do tudo e do nada, constantemente, entre paredes pintadas de alfazema e cores sujas. Absolutamente negras.
Há dias em que me arrasto e que espero que sejam os últimos.
Não sei mais de que cor é o ar que respiro, as cores do chão, as cores que piso, as cores que nego à exaustão, tantas vezes não querer respirar.
As cores da tua vida, as cores da minha vida. Vida extinta.
Nossa.


São os lençóis brancos, aos quais me agarro, os mesmos com que te cobrias e rias, entre sintéticos e algodão, como se a vida fosse não mais do que simples partículas envoltas numa gravidade repleta de pura mentira. Como se o corpo fosse mais do que matéria e pudéssemos levitar nessa mesma…mentira.



- Agarra-me.



E deixo-te cair, nessa mesma falta de força e indignação, que me deixou incapacitado, meio morto. Nesse incumprimento, faltas promessas que me içam e me sufocam de cada vez que recolhos aos meus lençois e me revejo na tua ausência.


Vivemos todos os dias cansados por múltiplas informações, sinais de trânsito que nos levam a lado nenhum, esgotados pela falta de amor que recebemos, pela falta de amor que um dia (muitos ainda descobrirão), ainda sentiremos.


Vivi sempre na constante de que há dias que são "o" nada, ao invés de acreditar, que afinal, todos os dias, são dias que acontecem.
Chegar a casa, despir-me e fazer amor contigo, por entre esses lençóis brancos onde te rias à, minha espera. Acontecer o desejo que é poder tocar-te novamente e esquecer a útima sexta que te agarrei.

Eu na ânsia de chegar até ti, eu no emprego, eu cansado. “No sábado é que é”.



- Agarra-me.



E eu agarrei-te, bem dentro de mim, a meter a tua pele bem dentro da minha, como se o sexo jamais tivesse servido para outra coisa.


Deito-me agora, todos os dias, com a tua pele presa na minha, a agarrar-te. Vezes há, em que choro, como no primeiro dia em que entrei para a escola e o António Pedro me roubou o pãozinho de leite. Era o meu favorito.
Agarro-me e choro. A ver se me ouves e se me perdoas, se me encontras nessa cor morta que tomou forma em mim, desde que não te consegui agarrar todos os dias.


Imaginamos e criamos a imagem das pessoas que perduram na nossa realidade, diariamente, deixando de conseguir encontrar nelas, a evolução da nossa própria existência. Dados adquiridos, cores pálidas, quase inexistentes, por fim.



“Anda deitar-te comigo”.
Não podia. Sábado é que era, iamos jantar à Casa Aleixo e ainda bebíamos um porto no Solar dos Vinhos e íamos esquecer os empregos que nos segregavam, mas que nos mantinham.
Tu, perdida na tesouraria de uma autarquia, sempre a acrescentar números às contas que fazias, para salvar uma função que de pública, tem cada vez menos. Uma função pública adormecida, invisível, perdida na tradução do seu próprio conceito, que seria inevitavelmente, trabalhar em prol das necessidades, dando uso pleno ao conceito de subsidariedade.

Eu, eu nos planos de marketing e nos briefings que me faziam adormecer sem sono, a tentar encontrar ideias em que o orçamento fosse baixo e a ler o post-it do meu chefe "aqui não pode haver gato".



“Anda deitar-te comigo”.
Não me apetecia. Deambulavam na minha consciência, publicidades espalhadas pela cidade que nos transportariam para ambientes seguros e delicados, onde não haveria necessidade de criar anúncios tão inexplicavelmente bem sucedidos, como o que imaginei, quando íamos a caminho de Marvão e fiquei sem um pneu.
Tu eras a minha Marta, aquela que me socorria e me fazia viajar, para bem longe e me tirava a algemas do sexo, me libertavas, para depois (e só depois) me voltares a prender.


Às vezes ligo-te, durante a noite, a ver se brincas comigo e me fazes rir novamente. “Ok teleseguro, fala a Marta?”, mas apesar de saber que essa não é a cor da tua voz, deixo-me ficar horas, em cima da cama, onde o oxigénio se confunde com a intensidade do odor do meu bafo.

Perdi demasiados planos conjuntos, a tentar estabelecer as imagens da vida de outras pessoas, que nem sequer existem, mas atraem milhares de pessoas, quando só tu eras real, em mim.
Tu a cozinhar, na tua ilha, com o copo a escorregar, as sirenes a perseguirem-me, um senhor a tentar afastar-me, o teu sangue perdido entre destroços e eu a tentar agarrar o copo.
Cheiro-o, degusto, saboreio, bebo por fim. Volto a ligar-te e rio-me sozinho.

Tem o teu cheiro e uma cor suave que me entontece. E choro, como a criança que sempre fui, a ouvir a mamã a gritar “não fizeste os trabalhos de casa? Há tempo para tudo”.
Não há tempo para quase nada, a mamã mentiu-me. Por isso choro, porque já não me resta nenhum contigo. Pelo menos enquanto as sirenes ecoarem na minha consciência, perduro para ti, embora não ouça o teu riso nos mesmos lençóis de onde nunca deverias ter saído. Brancos.


Quando já não sentimos, acordar, é sempre o mais difícil.



- Agarra-me.
E eu preguei-me à tua mão e ri-me para ti. Não te podia deixar ir para lugar incerto, sem que levasses de mim o melhor sorriso, aquele que te deveria ter dado todos os dias.
Às vezes acordo e imagino que te salvo, que recolho os restantes carros que se fizeram, em câmara lenta, massa única e cinzenta e te agarro. Consigo ser um herói, ao menos por um dia.
Às vezes acordo e imagino que te salvo. Todos os dias.

Friday, September 10, 2010

Lado Esquerdo


Às vezes o coração dói-me. Encrava-se e deixa-me inerte. Condições de famílias, gerações gastas e sonhos inacabados.
O coração nunca se me parou, mas já esteve perto, sinto-o. Nunca me arrancaram, mas já morreram dentro dele. Numa parte profunda e escura que não deveria existir no coração.
Ás vezes, o coração dói-me e eu não sei bem o que lhe hei-de fazer. Gostava de o continuar, degustar, preparar-lhe um encontro com futuros mais resplandecentes e erros menos marcantes. Voltas durante as noites que não poderemos mais gozar, cada um escondido dentro de si, dentro de nós, na distância que é o mundo preso dentro de um só corpo.
O corpo, o sexo, a morte, talvez tudo junto. Empenhei-me em evidenciar um início sem dor.
Um final sem razão atacou-me muito depois.
Bastaram cinco palavras para calar qualquer razão, dez mil perguntas inconscientes para arrancar essa impressão que afogaste dentro de mim.
Gostava de compreender as razões dessa felicidade inoportuna, desse livro arbítrio escolhido entre a minha pele e de tantos outros. Tantos outros.
Ás vezes o coração dói-me e eu escondo-o a ver se ninguém completa as expressões deste problema de imaginação.
Lembro-me das fugas e dos risos, das voltas na praia a encontrar as peças que resultariam na inevitável queda de cada um de nós.
E foi aí que te olhei, por dentro desses olhos azuis e o teu sorriso. Parecias-me uma figura inóspita, distante, desconcentrada em mim, inexplicavelmente, descentrada em mim.
Demasiado parecido comigo.


Tentei controlar-te mas acabei por morrer, também eu, dentro de mim, sucumbida de desejos, fugazmente atraiçoada pela minha perspectiva de uma ilusão que nunca se veio a concretizar.


“Dá-me a tua mão”. E eu dei. Comandavas pouco as acções, eras muito mais passivo em relação a tudo, mesmo o pouco, daquilo que tínhamos criado. Mas eras tudo e já cá não estás.
Molhada, desfeita, a deixar-me ser engolida por ti, bem naquela praia. Às vezes fingia e acreditava que tinhas sido feito para me penetrar inúmeras vezes, sem a força de qualquer estupefaciente que te levasse para longe de mim e fosses, finalmente, perfeito naquilo que raramente conseguias acabar com alguma destreza.

Deveria ter imaginado tudo logo desde o início. Nós que pertencemos ao género que vocifera a capacidade de utilizar o sexto sentido diariamente, raramente confiamos nos nossos sentidos.
Somos estúpidas e inseguras demais. Até porque, certamente, se o tivesse sabido antes, provavelmente não me importaria.
A sobrevivência das mulheres depende pouco da verdade e mais da constante afeição física e erudita.

Preferia ter-te aqui, desfeito em mim, do que alguma vez te ter perdido para uns braços musculados, uns lábios grossos, um sexo que não encontro em mim. Contra algo que eu nunca poderei controlar.
Dizes que faz parte de ti, que é algo que sentes, pois então sente-me a mim e fica comigo, porra.
O amor deveria ser essa ligação puramente controlada pela falta de dor e constante busca de prazer, irracionalidade pegada e tesão mascarada de paixão…
Falta-me a tesão”.


Não me culpei. Levo disso e de tudo, da minha mãe que me ensinou que as mulheres não se podem culpar de tudo aquilo que os homens não dizem sentir. Nesse momento o coração não parou, mas engrenou numa viagem temporal que me custa sair, neste silêncio em que a minha janela se transformou. Não há porta para o mundo, não há o B.B. King a tocar para nós, entre a chuva de Novembro que ambos adorávamos e partilhávamos. Eu junto desses olhos azuis, eu a sentir-te, tu a afastares-te, tu a cuidares de mim, nós sempre juntos.
“São irmãos?”
E sentia essa ânsia de explodir inesperadamente. Afinal, era visível.
Não, claro que não somos irmãos, porra!
E gritava silenciosamente “Nós fazemos SEXO. Do puro. Eu abro-me para ele e ele come-me e vai bem fundo, como se a vida fosse esse único sopro, entre um cigarro ou dois”. E as luzes apagavam e eu acordava e sorria. Controlada, demasiadamente controlada, inexplicavelmente controlada.


“Não vais dizer nada? Gostava que continuássemos amigos”.
Não te respondi. Sempre falaste por mim, sempre advinhas-te o que eu queria, pois agora atravessa-me como antes e faz o que puderes, mas fica.

Silêncio.
A minha janela para o mundo eras tu. Era através dela que idealizava as pequenas sensações que a terra me trazia, que sem ti, nunca fizeram sentido.


SILÊNCIO.
Ás vezes o coração dói-me.

Tuesday, August 03, 2010

Instrumento


Agarro-me a esses olhos e sei bem que não é este o meu papel.
Sento-me defronte do piano, enquanto balanças, ora para trás, ora para a frente.
São tantas as vezes, em que imagino que te deitas sobre mim, enquanto deixo que a música me leve para bem longe e consigamos perceber, por fim, que somos livres, sem planos ou materializações de ideias imaginárias, a rebentar, por dentro da boca que se esquenta e se funde.
Nessa espuma baça, enquanto deslizo os dedos e me imagino a engolir-te num só sopro, bem por dentro dessa pele que se rasga, enquanto me revejo a apertá-la. Não é a música que me faz levitar, é a possibilidade de acreditar que um dia, ainda te posso tocar.
Não tenho mais nada sobre mim e tu não consegues imaginar a imensidão de sonhos que construi a pensar na tua essência, grossa, fraudulenta, eterna em mim.
Desejar-te é imaginar-te. Querer-te seria pensar em calar-te, finalmente e encostar-me sobre ti.
Ninguém sabe de nós, na minha consciência. Aprendi a reprimir essa excitação, bem por dentro das calças, por detrás da imensidão deste instrumento, que é o piano.
Às vezes, imagino que toco sobre ti, que te possuo dedo a dedo, por entre as tuas costas , até chegar ao pescoço e completo-te nua, nessa exclusividade que é poder sonhar contigo, acordado.
Olha para mim e diz-me o que vês. Larga esse copo e abraça-me, acalma todos os desafios que sei que a idade não me permite atingir. Leva-me para onde pertences e finge que sou teu. Como eu finjo que és minha.
O momento passa nesse instante derradeiro em que percebo que te vais e que só voltarás dentro de longos e imensos momentos. Um momento pode equivaler a uma semana, dependendo se me encontro contigo, nesta sala, de onde retiro cautelosamente as fotografias do corpo que adormece comigo, todas as noites, na esperança que te esqueças que já fui abençoado por Deus, noutra união.

Vens aqui para cantar, então canta para mim, deixa que te embale e que penetre nesses olhos verdes, que ainda hão-de ser a causa maior da minha existência. Deixa que desvende e encontre esses segredos, bem por dentro desse decote, que finjo não existir.
Como se fosse o Stevie Wonder e não me interessasse mais do que a porra do piano, à qual estou aprisionado. Tornou-se um fardo e no entanto é a única forma de me imaginar a reter-te, mais materialmente.
Todas as quartas, todos os sábados. Dois dias por semana, duas horas por dia, duas formas de me manter acordado.
Há dias em que sonho que destruo a porra deste instrumento, com um machado, com os dentes (sei lá), tal é ânsia de que tu me vejas, finalmente.
Tu e as tuas formas desajeitadas, o teu andar meio infantil, o teu sorriso meio falso.
Será que és feliz?
Imagino-te algumas vezes, a chegares a casa, a adormeceres, a ouvires qualquer coisa na rádio (as pessoas da tua idade ainda ouvem rádio?), pequenas coisas, que é disso que a minha paixão infantil é feita.
Pequenos sonhos molhados, o corpo a perguntar-me o que se passa, a querer que lhe toque e eu dentro de uma deambulação de pequenos estrabismos, a satisfazê-la, entediado a pensar que ainda é segunda-feira. A fechar os olhos, a esquecer-me quem fui, a ver se consigo renascer ao teu lado. A ver se não explodo, a não ser dentro de ti. A ver se adormeço dentro de ti.

Amanhã já é terça.

Tuesday, July 13, 2010

Fotografia


Agarro nas fotografias e escondo-as.


Já não há grande razão para as manter emolduradas, por entre as paredes que são visitadas cada vez menos. Corredores sem luz, repletos de portas que nos levam a lugares comuns, apenas.
Agarro nas fotografias e escondo-as, por dentro de mim, bem dentro de mim, onde é mais difícil alcançar, onde é mais difícil agarrar, onde é mais difícil conceber a que perspectiva foram retirados todos aqueles retratos que ficaram cravados, contidos, aprisionados.
Ninguém sabe muito bem, a sensibilidade colocada por detrás da óptica, em todas aquelas expressões. São minhas, pertencem-me e não pretendo partilhar mais, nunca mais, todas as memorias que a luz presente, declara.
Luz que trespassa, luz que engana, como se a verdadeira felicidade tivesse atingindo naquelas paisagens bucólicas, dentro de um quadro de Vivian Vidal, a ser um Guardador de Rebanhos, a imitar declaradamente Alberto Caeiro.

Eu também sou do tamanho daquilo que vejo, dentro da constante infiltração das perspectivas mais ou menos delineáveis, a escorrer senso comum, a vociferar palavras há muito gastas, como se alguém as compreendesse.
Desperdício. Desperdício de tempo e de energia vital, como se viver todos os dias não cansasse e não nos tivéssemos de resguardar para o verdadeiro golpe.
Fixei-me várias vezes nessa última hipótese e julguei-me inteligente. Esqueci a sensibilidade atroz que limita e resvala em idiotice. Esqueci-me que não sou eu que faço as leis pelas quais as pessoas se movem e por isso, deixei-me guiar.
E por isso, guardo as fotografias.
Não sei se por vergonha, ou por miséria, ninguém merece saber tanto quanto eu. Quão feliz eu fui.
Pensar isso, há-de ter sido um erro, com consequências que nem eu, matemático das emoções, consegui calcular.
Sei a verdade e sou feliz. E basta-me, por entre a erva que me segura e faz levitar, nesse silêncio que é permanecer inerte, rodeado daquilo que a vida oferece. Daquilo de que melhor a vida tem para oferecer.


Sinto-me a explodir por entre as estrelas que contei e que teimam em desaparecer um pouco, mais todos os dias. Por entre os punhos que cerrei e me custam a abrir, por entre a guerra que fiz minha e que teima em não cessar.
Concordância de ritmos vertiginosos, o amor à flor da pele e a adolescência tardia. Nada é como devia ser.

- Quem são estas pessoas?
- São pessoas.

Não há nada mais para explicar, para transmitir, para gritar. Ficamo-nos pela falta de justificação plausível, a incoerência absoluta que é explicar aquilo que nem Aristóteles compreenderia.
Fazemo-nos cães e gatos, lutamos contra a noite e somos bem sucedidos. Fazemos do fígado o nosso escudo e fazemos por perder, por cair, por levar bem longe a ansiedade desse desaparecimento proclamado, mas nunca executado.

Guardo as fotografias e levo-as comigo. Elas levam-me para longe e ensinam-me a amar, novamente. Elas falam comigo e dão-me liberdade, sem esse espectro que é sentirmo-nos um pouco mais sozinhos, quando de facto estamos acompanhados.
Elas transportam-me para essa imagem onde a dor e o prazer se misturam e não há diferença visível, possível, como referiria Susan Sontag, se ainda permanecesse entre nós.
Sontag reconhecia esse poder, curvava-se perante ele, e admitia-o. As fotografias são o reflexo de uma memória manipulável e intacta.
Sempre que as revemos, elas podem espelhar exactamente aquilo que queremos imaginar e tudo se transforma e recicla à nossa vontade.
Somos magnânimos e as memórias deixam de ser ponto máximo na equação. O que interessa, é aquilo que pode ser alvo de um interesse alheio, aquilo que pode aprisionado e claro está, julgado.
A realidade atrapalha, tantas vezes, que a paciência é esgotada por entre cidades nunca antes visitadas, nessa inconsciência que é viver à espera de um momento, que, sabemos bem, está longe, ainda.
A realidade é lenta, corrosiva, porca e aborrecida. A realidade é essa massa consistente de merda e carne viva, onde somos autistas emocionais e não aproveitamos o amor como energia sustentável. A realidade é um desperdício de anormalidade, onde tudo poderia ser bem mais motivante, diferente, aceitável se soubéssemos reconhecer o quão gratificante é caminharmos perante as incongruências e defeitos alheios e sentirmos a aceitação definitiva e ainda conseguirmos mostrar um sorriso que grita bem alto


SEI A VERDADE E SOU FELIZ.

Deficiências facilmente detectáveis, onde é preciso, demasiadas vezes, fechar os olhos e alcançar essa paz de espírito que é não conhecer nada nem ninguém. Não querer saber de nada nem de ninguém. Não importar nada, nem ninguém.
As fotografias, ao contrário das palavras, não se gastam e por isso colo-as em mim, por debaixo da roupa, junto do fundo de qualquer coisa que ainda não consegui perceber bem o quê, mas que julgo ser de difícil acesso.
As fotografias lembram-me que perco demasiado tempo em tornar eterno, aquilo que nem o tempo, muitas vezes, consegue. Contam-me, ao ouvido como se a PJ estivesse perto, que foi quando mais sorri, que elas mais brilharam, cheias de vida e de cor. Contam-me que me posso deixar ir, novamente, por entre as ondas de tudo aquilo que sonhei, enquanto pouco sabia, que é essa a maior alegria em permanecer vivo: sonhar.


Sonhar em acordar.
Sonhar em voltar a sonhar.
Sonhar.

Somos demasiado adultos para sonhar, mas quando se está feliz num sonho, isso pode fazer toda a diferença.
É por isso que os construo e não desisto nunca. Hei-de ser esse Guerreiro extasiado e esfomeado por mais um pouco de motivação em recriar um pouco mais do mundo perfeito, que tantas vezes imagino. Aquele que está gravado por entre as minhas fotografias e que deixei de partilhar, de forçar. Por entre as estrelas ela aparecerá. Por entre um poema da Sophia, perante a euforia que se transmite, quando a verdade não chega, quando a honestidade não é sinónimo de amor, na verdadeira concepção do conceito. Nunca foi.

Eu a derrapar, perante os sonhos que fui recriando.

Sei a verdade e sou feliz.

Wednesday, June 16, 2010

Vida Eterna



Quando eu morrer.


Quando eu morrer quero uma festa repleta de bom vinho, champanhe e sushi.
Quero que as pessoas me recordem como eu verdadeiramente fui e que espalhem a palavra por entre todos aqueles que aparecerem, apenas para apresentar as condolências e os pesares plastificados.
Quero que chorem, mas apenas de alegria a relembrar os momentos felizes passados entre os confins dos sentimentos que trocamos, bem por dentro da intimidade que fomos partilhando, como diria Eugénio "Passamos pelas coisas sem as ver, gastos, como animais envelhecidos: se alguém chama por nós não respondemos, se alguém nos pede amor não estremecemos, como frutos de sombra sem sabor, vamos caindo ao chão, apodrecidos."

A vida é feita de partilha nesse dia único que é hoje.
De partilha, de resmungões, de contradições, de massa cinzenta a deambular e tentar encontrar uma nova perspectiva, uma nova compreensão de tudo aquilo que não pode ser refeito, de tudo aquilo que não é passível de ser conduzido a um porto seguro, que é tudo aquilo que todos almejamos, embora não o admitamos.


Quando eu morrer,


Quero que se lembrem dos meus defeitos e na possibilidade de neles serem encontradas qualidades, que é disso que é feito o amor.
É urgente o amor
O amor que partilhamos, o amor que entregamos entre tantas contingências, entre tantos problemas de uma classe média que se submerge diariamente, mas não se afoga.
O mundo, é feito da classe média, é nela que residem os maiores sonhos e as maiores frustrações, o reflexo de uma sociedade neo-liberal que promete a vida eterna, entre revistas mais ao menos cor de rosa, e cirurgias à pele, que apenas nos envelhecem um pouco mais por dentro.

A classe média é o gume de uma sociedade em extinção, ela mesma em desaparecimento, abalada por crises económicas e promessas de uma nova Ordem Social. Entre empregos que não se compadecem com as suas aspirações ou competências sociais ou profissionais.
Ao mundo, pertence a cor das férias de Agosto, a Sócrates pertence os sonhos da classe média que receia não existir mais, dentro de alguns anos, dentro de um PEC que não conta com um futuro, dentro de programas executivos e comissões que se mostram desgastadas, dentro de dias e que apenas nos revelam os fracos governantes que temos, que possuímos, que elegemos e que, irremediavelmente, se esquecem de nós.
Esquecem-se dos 350 euros do crédito da habitação, dos 70 euros do LCD comprado a prestações na Rádio Poupular, apenas para não termos de gastar dinheiro a ir ao cinema e podermos ver o Avatar em HD.
Sócrates mata-nos diariamente. Ele e todos os pseudo-intelectuais que bebem chardonnay no Labirinto e depois seguem para o Twin’s da Foz.
Por isso, e por ser urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas e descobrir rosas e manhãs claras, citando Eugénio de Andrade, quando eu morrer, quero que vivam todo um momento rico em tudo aquilo que for merecido. Um momento único, um momento a ser partilhado com aqueles que gostavam de mim e que não se vão esquecer de continuar a sonhar, a pensar, a existir, perante todas as equações falsas que a vida nos apresenta.


A vida não é bonita, a rotina cansa, as relações desgastam.


A verdadeira beleza de estar vivo é a alienação de todos estes pequenos tudos e a concentração máxima e infinita e perpétua, nesses pequenos nadas que a vida nos vai deixando, sem que muitas vezes, nos dê mos conta.
A vida social não tem tendência a melhorar. Iremos todos submergir na total dependência externa e já o sabemos.
Não vamos poder contar com o subsídio de Natal para comprar mais presentes que não fazem falta nenhuma a ninguém e que são esquecidos durante todo o ano, não vamos poder passar mais 15 dias no Algarve com o subsídio de férias, porque será cortado.
Em vez disso, podemos todos aproveitar para dizermos aqueles que amamos, que gostamos de co-existir em conjunto e que é isso que vale realmente a pena, que é isso que deixamos para trás, quando desaparecemos.


Não podemos desaparecer enquanto cá estamos. Simplesmente não faz sentido, não tem lógica e o amor precisa de toda a razão possível. O amor, sempre o amor.
E não existe Poli-amor que possa arrebatar esse amor único e possível, que é gostarmos de estar vivos e amadurecermos e vivermos com as várias cicatrizes que a porra da vida nos traz, quando o que queremos é um abraço, quando o que queremos é que toda a gente de quem gostamos viva e viva bem.
E para isso, não precisamos de grande inteligência. Só precisamos de sentir.

Quando eu morrer, hei-de ser eterno no coração de quem amo. A ti, a ti, a ti e a ti. E a ti.
Amo-te.
"É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,ódio, solidão e crueldade,alguns lamentos,
muitas espadas."
Eugénio de Andrade

Friday, May 28, 2010

Treinador de Bancada

Às vezes acredito que ficarei sozinho, como se do futuro não tivesse medo.
Como se o amanhã não me trouxesse nada de novo e pudesse respirar novamente. Deixei de estar agoniado com essa pressa de viver, deixar de repousar nessa falsa conveniência, que a segurança falsa nos traz.


As palavras servem, essencialmente, para isso. Para nos descansarem durante aqueles períodos em que tudo é escuro e nos sentimos um pouco mais do que sozinhos.
As palavras servem, essencialmente para nos calar. Para deixarmos de realizar longas-metragens, bem nas nossas consciências repletas de casos que envolvem o drama, às vezes o terror, e que muitas vezes, até foram protagonizadas pelo reflexo que nos perspectiva.
Às vezes, acredito que ficarei sozinho, e não me importo. Às vezes acredito, que a vida não trará mais, nunca mais, aquilo que eu achei que não era meu por direito, mas que através da aplicação de determinadas normas, expressas num artigo qualquer que regulamenta a vida das pessoas, eu haveria de o conseguir alcançar.

Haveríamos todos, embora alguns de nós, não tenhamos um talento nato, ou uma queda especial.
Mas acabaríamos todos, se o quiséssemos, alcançar.
Deixei de fazer planos, equações, deixei de fazer estudos de caso a ver se conseguia evitar o erro.
Às vezes, acredito que ficarei sozinho e não tenho medo. Às vezes, lutamos tanto, durante tanto tempo, que precisamos de nos encolher no sofá e fecharmos os olhos, a ver se encontramos a porta mágica para esse País das Maravilhas.
Corremos tantos metros seguidos, suámos, saltamos os obstáculos, para nos segurarmos no mesmo local, que no final, apenas nos apetece adormecer nesse relvado que bem poderia ser a nossa auto-consciencia.


Não tenho medo ficar sozinho, apenas tenho medo de viver sem amor.


E esse pode existir das mais váriadas formas.

Tenho medo de viver sem amar, que há-de ser essa a grande vantagem de estar vivo.De em sentir pessoa, de acordar bem disposto e de gostar da pessoa que sou.

De Amar quem acorda ao meu lado, de amar o emprego que todos os dias me tenta frustrar apenas um bocadinho mais.
De deixar de amar aquele calor que se sente no Alentejo de Verão, o mar da praia de Árvore, de todas aquelas pessoas que distribuem amor de cada vez que estou com elas e me completam, um bocadinho mais. Todos os dias. De todas aquelas pessoas que contribuiram para o meu crescimento. Todas.

Apetece-me sentar na bancada e ficar apenas a admirar a beleza que não quero esquecer, dos sorrisos do Brasil, da Vodka da Polónia, de todos os relacionamentos amorosos que me ensinaram tudo aquilo que eu sei hoje e que fazem de mim, uma pessoa mais feliz e mais determinada.
Apetece-me deixar de jogar e ficar apenas a ver. Ser um treinador de bancada e abraçar quem vem ter comigo e não me levantar durante algum tempo. Não responder, apenas sorrir. Apetece-me contemplar essa alegria que é estar vivo e esperar que o mundo chegue, que me complete. Ser enfim, um pouco mais normal. Só mais um bocadinho.
Só mais um bocadinho de passeios na praia, de risos em frente ao computador, da neve nas montanhas, da erva a crescer bem entre a cumplicidade.
Estou cansado de me tentar proteger. Ninguém consegue segurar todos os flancos e a consciência, muitas vezes, é a nossa principal inimiga.
Não é suposto fazer sentido, nem deverá ser considerado pessimista.
Confrontei-me com a realidade e tenho de aprender com ela e a idade serve para isso mesmo. Para termos um controle maior daquilo que dizemos e também, da pressão que fazemos daquilo que desejamos ouvir. E a idade, essa amiga que se reflecte nas rugas que me abraçam, ensinou-me, que devo parar uns segundos, uns minutos, o tempo que me apetecer, reflectir e depois agir, se realmente me apetecer (e apetece sempre).




Miguel Praia

Thursday, May 20, 2010

13.º Mês


Incrementos poéticos, falsas verdades que todos vamos repetindo, diariamente, como se compreendemos profundamente as regras e não atingíssemos a percepção máxima de que, no fundo, seremos seres autónomos e plenamente reconstruídos através da emissão de signos enviados por alguém, que, evidentemente, não é superior.
Tudo tem regras e fracções múltiplas e pelo meio, bem entre as várias linhas de subjugação, entre as prateleiras do Salazar e do neo-liberalismo de Sócrates, mostram-nos Marx e a política da prevalência de uma certa igualdade.
Lêem-nos excertos, uma frase, talvez um parágrafo e tudo fica decorado. Depois, acorrentam-nos ao falso moralismo, tradições cada vez mais confusas pela modernidade que não aguenta a pressão de não conseguir evoluir e vai buscar inspirações aos anos 80.
Tudo é reinventado e não há mais espaço para a originalidade.

A sociedade é diferenciada pelos múltiplos grupos sociais que alguém denominou e crescemos nessa diferenciação. Os paradigmas parecem outros, mas são os mesmos, apenas com uma nova roupagem.
Evoluímos na procura de um ídnice que nos apresente valores sólidos de uma melhoria de vida, de uma esperança tardia em resultados, quando os problemas continuam a ser os mesmos.
Falta de liberdade. Falta de expressão individual, falta de autonomia.

Falam-nos da constante criação de PME’s e de apoios vindos de instâncias superiores, de facilidades a quem é empreendedor, mas todos os dias vemos as lojas a fecharem-se na rua do costume e alguém a regressar a casa mais cedo, apenas porque foi despedido.
Há uma desmotivação crescente de uma população habituada a viver às custas de outro alguém que deixou de existir, ou que pelo menos, que adormeceu e não consegue mais arcar com o peso sôfrego de milhares de pessoas que vivem nesta intensidade.



Por um lado, temos aqueles que vivem e subsistem pelo mínimo instituído. O RSI veio para clarificar que Portugal é um país repleto de bons parques públicos e bonitas praias, onde a droga abunda nas ruas daqueles que vivem às contas de um Estado que durante anos quis ser Paternal e agora quer que todos os seus educandos se tornem independentes à força.


Por outro lado, temos os milionários, donos de grandes empresas, políticos e futebolistas que pouco se apercebem do que vai acontecendo, a não ser o facto de existirem mais arrumadores às suas portas e as pilhas para o comando da piscina terem subido mais 20 cêntimos, este último mês.


A política está repleta de corrupção e ninguém sabe muito bem em que ponto Portugal realmente se encontra. Temos de aprender todos a viver na

Surpresa dos instantes como diria a Sophia.


Na surpresa de o salário ser desviado para o Estado – cada vez mais -, na surpresa de não recebermos o subsídio de férias, na surpresa de simplesmente não termos dinheiro suficiente para pagarmos o crédito de tudo aquilo que nos disseram que nos faria FELIZ.
O problema é que, continuam a enclausurar-nos entre preconceitos em relação a uma vida descolada e a incluírem-nos conscientemente, fantasias rocambolescas de ideias mais ao menos desenhadas por outra pessoa - de que ser feliz é ter um emprego estável! um bom ordenado! uma relação estável! e um grupo de amigos igualmente bem sucedido!.
Parece-me praticamente impossível conseguir conciliar todos estes factores, nesta época de crise e de cultura financeira-económica global.
Não sabemos onde estaremos a trabalhar amanhã, a fidelidade nas relações esqueceu-se como valor fundamental, há já algum tempo, e não há dinheiro para pagar as taxas de juro que nos pedem, mensalmente.

No meio desta ruptura de valores que deveria estar a acontecer, recebemos a bênção divina e focam-se questões chamadas “fracturantes”, como a homossexualidade e o aborto por uma personagem que não tem mais lugar na nossa história. Personsagem idolatrada como se fosse um membro dos U2 e os bilhetes esgotassem em 2 minutos. Personagem essa, que apenas consegue abarcar a verdadeira fraqueza de espírito, daqueles que por não terem agilidade mental auficiente, para conseguirem reflectir naquilo que é verdadeiramente humano, se agarram a concepções formatadas.
Como se o amor fosse difícil de compreender, mesmo que seja entre duas pessoas do mesmo sexo ou como se, de facto, o que cada um de nós faz com outro alguém, fosse realmente importante para um país (discutir (durante meses)), que está praticamente perto da ruptura.

As forças estão mal orientadas.
Deveríamos estar concentrados e unidos por aquilo que realmente faz falta a uma população que deveria fazer mais por si e importar-se menos com a intimidade de cada um. Que deveria saber o que fazer com a Liberdade, que deveria fazer manifestações para expulsar os autarcas que roubam consecutivamente ou os políticos que governam erroneamente, também consecutivamente.
E não é difícil, e é pena, mas parece que Agustina tinha razão quando sublinhava que “
pensar é sempre o mais difícil”.

É tão fácil governar quando se segue um sistema de consulta da vontade do povo e a única normativa é que todas as acções contribuam para o bem-estar do povo.

Ernesto Guevera de la Serna


Thursday, April 29, 2010

Liberdade é pouco. O que eu quero ainda não tem nome.


Sou um filho da mãe de um romântico racional.
Não entendo nada da vida e já lhe segui todos os cheiros, na esperança que ninguém me seguisse o rasto e eu conseguisse alcançar finalmente alcançar essa liberdade que tanto persigo.


E liberdade é pouco, o que eu quero ainda não tem nome (Clarice Lispector).


Percorri esse mundo encantado dos sonhos e da realidade inerte, da normalidade, das noites onde todos queremos parecer iguais, mas onde cada um de nós espera que alguém entenda que somos…especiais.
Replicadamente, culpei-me. Afinal, vivemos na sociedade em que lutamos diariamente contra essa corrente que se arrasta em culpa e auto-flagelo. Afoguei-me e tornei-me perfeito e acabei por colocar de parte todos os defeitos que me poderiam constrangir, impedir de chegar a esse sonho que racionalmente, não existe, nem para mim. E eu que, como Álvaro de Campos, tenho todos os sonhos do mundo em mim.


Eu que não entendi, como a Clarice, que “até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta o nosso edifício inteiro”. Nunca se sabe em que característica menos apetitosa, que a nossa personalidade inteira assenta. A necessidade de alcançar algo perfeito, inexistente, apresenta-me muitas vezes, como ridícula, patética, infantil.
Impossível de concretizar, impossível de sonhar, impossível mais de conter em mim e fazer de conta que não me perdi na minha própria construção de imperfeições curiosas, desvanecimentos adormecidos, em constante erupção.


Sou um filho da puta de um romântico racional.


É uma dualidade resfriada por pequenos contornos, dúvidas que já não cabem numa adultez cada vez mais firme.
Eu que já tentei encontrar-me nessa rotina envolvente e desgastante, conquistar-me através de definição de objectivos e planeamento de métodos e acções, para no fim compreender, que a essência, afinal, essa, nunca se perde. Apenas se transforma.
Eu não quero viver nessa falsa consciência de que a vida é mais do que isto que agarro.
A vida há-de ser surpresa e sorrisos despegados, encontrar a beleza no mais puro e simples dos objectos. Até porque a felicidade quer-se simples. Sem esquecimentos ou falsas omissões. Sem falsos entendimentos, como se as palavras não fossem muito daquilo que cá deixámos. Que nos fazem, que nos tornam eternos.

Por isso é que Fernando Pessoa se desdobrou em inúmeras personalidades, invento esquizofrénico, motivado pelo consumo de alucinogénicos que nos anestesiam e nos forram a realidade a azul.


Ele sabia que quantas mais palavras escrevesse, em nome de inúmeras personagens, mais facilmente elas deixariam uma marca, pela quantidade de sujeitos que poderiam estar implicados. Haverá mais capacidade de identificação do leitor com cada um dos heterónimos, haverá menos possibilidade de renúncia, já que cada um deles é suposto recriar uma terminologia diferente.
Algum há-de agradar a qualquer um. E assim foi.
Seja Álvaro de Campos, seja Alberto Caeiro, o confronto entre a cidade despedida de emoções, ou as emoções agarradas a paisagens bucólicas, algo nos fará sentido. Pessoa sozinho, jamais faria tanto sentido, jamais se faria entender com tanta graciosidade.


E ele sabia que a realidade era muitas vezes oca, podre demais, para ser retratada pela sua própria perspectiva. Precisava de um novo olhar.


Esse processo de transformação que falta, que é urgente acontecer. Eu quero, à semelhança de Clarice, uma verdade inventada por mim. Um mundo novo, como se tratasse de um verdadeiro autista e permanecesse submerso, talvez suspenso, na minha própria recriação da felicidade e onde não teria mais tempo, a não ser para valorizar aquilo que realmente possui determinação. Até porque ser feliz ocupa muito tempo. Só eu sei o tempo que perderia a fazer tudo aquilo que me dá realmente prazer, aquilo que me motiva e reforça positivamente. E tempo, é algo que escasseia, que luta contra nós, que me aborrece e me constrange.


O tempo é curto para tentarmos compreender todos os erros e eu não posso gastar mais um momento a tentar reparar todas as falhas que cometi na minha ânsia de acertar.
Sou um palerma de um romântico racional. Complexo demais para ideias concretas, simples demais para entendimentos equacionados ao cubo. Essa transposição fugaz de quem tem dificuldade em encaixar-se em qualquer parte do mundo, mas que ao mesmo tempo, encaixa-se perfeitamente em qualquer uma delas.


Bipolaridade não diagnosticada, infecção romântica de quem quer o amor imperfeito disfarçado. De quem já caminhou dos dois lados da estrada e não compreende muito bem, por vezes, muitas vezes, todas as partículas que nos completam. Como se tudo fosse passível de ser compreendido, calculado matematicamente, somando variáveis, utilizando testes t e o spss fosse a nossa melhor janela para o mundo.


“E se me achar esquisita, respeita também, até eu fui obrigada a me respeitar”.


Se a Clarice fosse viva, ela havia de me entender. Nasceu envolta pelos ventos gélidos da Ucrânia e teve as primeiras aspirações no meio do calor tropical do Brasil, agarrada a um coqueiro, imagino eu.
Alguém que cresce, inserida em duas realidades tão antagónicas, só poderia maturar num sujeito mais ao menos, digamos, perturbado. Irreal.
Chamemos-lhe anormal, que deveria ser esse sim, o verdadeiro padrão da normalidade.
Chamemos-lhe “impossível de aturar”, com grandes “limites emocionais”, alguém a quem nos referiríamos como "esse alguém que há-de acabar sozinha numa casa coberta de gatos, que terminarão um grande banquete no dia da sua morte, com uns ossos das suas pernas finas”.

Não, não morreu sozinha. Teve a coragem de admitir a sua verdadeira essência. Não se quebrou, apenas se vergou, algumas vezes, mas nunca morreu dentro de si. Quem faz isto, merece a vida eterna, bem dentro de nós. Quem faz isto, merece um grande amor. Ela sabia que “quando se ama, não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós”.


A Clarice também era uma cabra de uma romântica racional. Fazia de conta que compreendia o mundo, e quando não o compreendia, agarrava-o e fazia-o seu, disfarçava a fragilidade, em transparência pura.


É preciso ser-se forte para se viver com a honestidade, diariamente. É preciso amar o suficiente para aceitarmos as não verdades de quem nos rodeia. É preciso conquistar o mundo e ser-se eternamente feliz, para conseguir suportar a imperfeição. Nem que seja a nossa.
É preciso não compreender nada, como Alberto Caeiro, “porque eu sou do tamanho do que vejo”. É preciso reconhecer. É preciso amar.



“Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir.” C.L.

Thursday, April 22, 2010

Montanha-Russa

Justiça é “dar a cada qual o que é seu” (Kelsen)


Justiça.

Um conceito que me orienta, impregnado dentro das minhas próprias resoluções. Esse anseio pragmático que me torna racional, visceral e puramente incontrolável, na medida em que a realidade em que me alicerço, não compreende da mesma forma, a mesma equação.
Por justiça, entendo que um determinado comportamento deve ser igualitário. Dessa forma, as situações mais intrincadas deveriam ser mais facilmente compreendidas, de mais fácil resolução.

Tudo aponta para uma “des”complicação máxima. Um método de “troca-por-torca”, como se vivêssemos no feudalismo, ainda, e tudo fosse possível de ser medido.
Ninguém é igualmente justo nas suas atitudes, diferentes comportamentos, diferentes personalidades, empirismos subjacentemente opostos. Reconheço ser uma ilusão, uma exigência que nem eu, muitas vezes, estou à altura. Uma carga, que torna sim, os processos muito mais complicados, até porque já não me esqueço, não sei se pela maturidade adquirida, que “um homem que procura a verdade rigorosa deve-se lembrar o que significa cada palavra de que se serve, e então empregá-la de acordo” (Hobbes, Leviatã, 2003, p. 34).
De facto, só num mundo utópico isto se poderia verificar. E seria tudo fácil, preciso, objectivo, talvez um pouco mais frio, mas mais seguro. Este facto discorre essencialmente numa auto-perseguição que é cansativa, e por isso mesmo, posta de lado, muitas vezes.
A justiça, encaminha as minhas ilusões (ilusões essas que me acompanham diariamente), para esse porto seguro (uma ilusão, também ele). Temos que considerar que a justiça é uma característica até possível, mas não necessária de uma ordem social.

O mundo não é justo, sabemos bem. Constatamos quando ligamos o televisor e ouvimos as notícias através da Clara de Sousa, figura proeminente da sociedade de massas.
É ela que nos demonstra, através de imagens (poderosas), que nos acabam por limitar, confortar e acomodar. Verificamos também, no nosso emprego, num simples sorriso que não é retribuído, numa ascensão social que não existe, nem é controlável.
Alguém controla tudo isso, e por isso também, acomodamo-nos. Achamos muitas vezes que sim, que não há Justiça. Ouvimo-lo dizer demasiadas vezes, tantas que acabamos por repetir, tantas que acabamos por perspectivar.
O Primeiro-Ministro envolvido em escândalos há já prolongados meses, demasiados diria, para ser justo que continue a exercer um poder nas nossas vidas.Os gestores das empresas semi-públicas, também eles envolvidos em escândalos, que ganham mais com um prémio todos os meses, do que aquilo que o comum dos mortais consegue amealhar, durante vários anos de trabalho. O colega do lado que é despedido sem justa causa e não recebe indemnização..

Sabemos por A+B, que Portugal é um país de escândalos e por isso comentamos, falamos, esbracejamos, sempre com a consciência de que a corrupção é um factor adquirido, corre-nos nas veias de forma passiva e que nós, no fundo até conseguimos viver bem com esse facto.
De que outra maneira conseguiríamos explicar que José Sócrates se mantenha no Poder? Alguém o elegeu e fomos todos nós. Mesmo aqueles que diariamente se sentam num café, abrem a Visão e ficam estupefactos com todas as situações.

Não há ninguém melhor, ninguém mais justo. Impregnamos tanto esta ideia que nos tornamos cínicos e também nós, corruptos, pelo menos dos nossos valores, daquilo que efectivamente acreditamos.


Muitas vezes, temos apenas inveja. Quem de nós, que tivesse um cargo ultra-poderoso, não iria aceitar umas férias em Cuba de um sucateiro qualquer?
Nada é justo e esse é o problema de nos tornarmos adultos. Entramos nesse ciclo vicioso, em que acabamos por perder todas as ilusões criadas, numa adolescência cada vez mais precoce.
Não conseguimos alterar o sistema e por isso mesmo, aplicamos as regras impostas, já.
É mais seguro. Há falta de emprego, há falta de consciência política, há falta de esperança. Não esperança vadia, que acredita no primeiro senhor composto, de fato, que nos aparece, repleto de renovações e palavras como “mudar”, “alterar”, que nos fala ao ouvido e nos prende. “Menos desemprego” “Mais justiça”. E acabamos sempre, por cometer o mesmo erro, mudando de posição, como se tudo não passasse uma grande montanha-russa.

Justiça (“diferentes normas de justiça têm de entrar necessariamente em conflito umas com as outras”, Kelsen)


Os ex-alunos da Casa Pia, deverão saber exactamente que é isso que lhes falta. Páginas e páginas foram escritas, jornalistas empregados à custa de uma situação que não nos envolveu e que por isso, deixamos passar em branco. Neste circuito, criam-se grupos, formam-se manifestações em torno daquilo que realmente não interessa. As pessoas, por norma, compadecem-se demasiado com questões que não lhes dizem respeito e por isso mesmo, tudo cai em saco vazio.
Hobbes concebe a justiça como um valor presente na razão humana. Mas será isto, inteiramente verdade?

Há manifestações, grupos volumosos, a saírem da cama bem cedo, a um sábado, para desfilarem nas ruas contra os casamentos homossexuais, mas ninguém faz nada para perceber realmente os trâmites pelos quais, os nossos políticos verdadeiramente seguem. Não sublinho o papel das Comissões de Inquérito, não sublinho o papel da Polícia Judiciária, nem dos jornalistas.
Sublinho isso sim, o papel dos legisladores que deveriam orientar, como é função do Direito, a sociedade para uma amplitude justa e equilibrada. Chaïm Perelman refere mesmo que “o papel tradicional do direito é organizar, efectivamente e de diversas formas, a dialéctica entre vontades e razões humanas, logo imperfeitas”(Perelman, Ética e Direito, 2002, p. 364)
Kelsen referia que se o Estado é uma comunidade, é uma comunidade jurídica. Na condição de comunidade, ele é a ordem jurídica da qual dizemos, de maneira não perfeitamente correcta, que constitui a comunidade.(Direito, Estado e justiça na Teoria Pura do Direito”. In. O que é justiça?, 2001, p. 290).

Se isto realmente se verifica, como acredito aliás, pelo menos na teoria, onde está de facto o poder constituinte? Onde está o poder de cada um de nós, para tentarmos impor uma sociedade mais justa, em esquecermos o individualismo premente e avançarmos para novas ideologias, deixando de fazer uso do capitalismo. E a Clara Ferreira Alves tinha razão. O capitalismo não morreu. Reinventou-se.

Reflicto muito sobre este conceito e na ânsia de o aplicar e refazer a diferença, numa sociedade permissiva, e também devido às frustrantes burocracias de um sistema reformado para a impossibilidade de nos ocultar tudo aquilo que nos faz falta ter conhecimento, aplico-o na minha vida.
Pergunto-me: O que é, de facto Justiça?
De acordo com Hobbes, (Leviatã, 2003) “o bem e o mal são nomes que significam os nossos apetites e aversões, os quais são diferentes conforme os diferentes temperamentos, costumes e doutrinas dos homens”.
E Todos nós somos juízes.
Umas vezes decidimos erradamente, outras nem tanto, um pouco à semelhança do que se passa nos tribunais quando as leis são deixadas à consideração de um Juiz, também ele humano e com a capacidade de errar, bem assente.

Somos nós que decidimos o que fazemos, para onde vamos, pelo menos na teoria. O problema de sermos adultos, é que estamos condicionados com um sem número de factores, em que errar, pode ser muitas vezes desastroso. Há um, dois, três, muitas vezes quatro, de empréstimos que temos de pagar. Fixações desnecessárias e ainda temos que lidar com todas as aspirações emocionais que isso acarreta.
Celso Lafer observa que “não há direitos do indivíduo a não ser o direito à vida, que deriva da própria lógica do sistema por ele construído, pois o critério do justo e do injusto resulta das leis promulgadas pelo soberano”.

Ser justo, em todas estas situações é complicado. Muitas vezes, julgo, a melhor opção a tomar é não racionalizar, acomodar-me, deixar andar. Tudo se há-de resolver. E não se resolve.
Em suma, ser adulto é uma seca e não sei bem porquê, tinha outra perspectiva daquilo que poderia ou não fazer. Há muitos condicionalismos e respostas por responder, ilusões frustradas de uma realidade que não surpreende. Apenas é mais do mesmo. Não é justa.

Apesar desta consciência, sou determinado, gosto de lutar por aquilo em que acredito. Sinto-me bem e adormeço melhor, quando sei que apesar de, por qualquer variável, não consegui atingir determinado objectivo e ainda que sinta, muitas vezes, que não é justo, adormeço com a certeza de que mesmo que o mundo não seja justo (e talvez permaneça aí a minha enorme infantilidade ainda), não me sinto capaz de desistir.
E sinto-me bem por isso, por acreditar que o amanhã há-de ser diferente, que tudo é passível de ser mudado. Que a vida é mais do que um conjunto de puras repetições.
E que eu, enquanto individuo com uma série de competências adquiridas, assim como também possuidor de várias limitações, sou capaz de tudo.
Parece-me, mais do que tudo, justo.

Justiça é “não fazer aos outros o que não queres que te façam” (Kelsen)

Wednesday, April 07, 2010

Há muitas coisas que eu ainda quero ver

Parece que me roubaram parte de mim e agora, não entendo a melhor forma de a alcançar, novamente.
Na minha realidade, nada se cria, tudo se transforma. Parece-me, isso sim, por vezes, difícil de conseguir perspectivar as formas que assumem essa mesma transformação.
Pensamentos intrínsecos, de alguém que viveu mais do que era suposto.
Queria deitar-me e esquecer tantas vezes das partículas de que a minha memória é feita.
Às vezes nado, na esperança de chegar à tona e flutuo. Deixo-me ficar por ali algumas horas, até me esquecer de nadar, abrir os olhos e adormecer e deixa-me afogar lentamente.
Parece-me tantas vezes, ser uma luta contra algo que me domina, algo mais forte, como a corrente que me arrasta para uma vida meramente normal, que eu imaginei, mas nunca a havia provado e por isso mesmo, sonhei que a merecia e nunca me arrependeria.
O problema das experiências, é que se não forem consumadas com conta e medida dilaceram-nos, deixam-nos cicatrizes visíveis e permeáveis. E toda a gente tem as suas cicatrizes.
Umas à flor da pele, algumas causadas pela nossa própria essência. Não é o rancor que me guia, esse, foi esquecido há já algum tempo, mas a vontade de fazer melhor, de o amanhã ser ainda um pouco mais perfeito e poder descansar nessa paz bucólica que tantas vezes não consigo agarrar.
É como, tantas vezes, tivessem arrancado parte de mim e eu tivesse deixado, ainda que não me tivesse dado o mínimo prazer.
No fundo, sempre soube que isso aconteceria e é ao escrever estas palavras que constato o óbvio.
Fugi durante anos dessa falta de esperança, desse olhar que me engoliu, dessa concretização de um sonho, que sei bem, nunca se irá realizar. Já não sei se por culpa minha, se das contingências, se por falta de esforço, que isto de carregar o peso em cima dos ombros, enche-nos de idade, mas não de maturidade.
A linha ténue em saber o que é certo e errado, desapareceu. Durante tantos anos, fiz-me o senhor das ideias utópicas, das múltiplas coincidências e das certezas aparentemente, mas só aparentemente, refutáveis.
Sabia-o bem e acabei por não saber nada. Nunca.
Olho para trás e é tudo um pleno mar de incertezas. Tantas experiências e tantas vidas a prolongarem-me e fui apanhado despercebido, bem no ponto em que tinha alcançado, pensei eu, o cúmulo de um final de uma adolescência. É um processo prolongado e vejo-me a entrar no mundo dos adultos, em constante crise, também eu, a acompanhá-lo.
A tentar transformá-lo e a impor as minhas regras de criança mimada que não funcionam mais. Aqui, o jogo é outro e eu sei como o jogar. Apenas não me apetece. Apetece-me isso sim, fazer birra, chorar desalmadamente que o colega tem um gelado maior do que eu e puxar a saia da minha mãe “TAMBÉM QUERO”.
O que me apetece, é ter as coisas que serão minhas, conquistá-las e ser conquistado, mas o que fazer, quando tudo parece mais ao menos predestinado?
Sei lá, o que é isso, do destino, das cicatrizes. A vida surpreende-nos num dia, mostra-nos que muitas vezes não somos mais do que pó solto, pó agarrado, umas vezes monstruosos na simplicidade, outras sinistras na complexidade.
O facto de ter noção de todos estes trâmites, deixa-me perdido e confuso. Teimoso como sou, não me apetece fazer o que os outros querem que eu faça. Apetece-me criar um mundo só meu, ser autista durante alguns segundos e tentar deixar a minha marca num futuro.
As pessoas escrevem, para as ajudarem a racionalizarem o processo daquilo que sentem, embora as vezes os processos sejam tão confusos como uma equação quântica.

“Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido”.

Tudo se torna uma espera. Eu a confrontar-me com as cicatrizes que toda agente tem, a segurarem a certeza que é voltar a ter-te. Dizer que não, seria uma mentira imposta durante tempo demais e tentar compreender-me algo penoso demais, até para mim.
Eu finalmente a fazer aquilo que nunca deveria ter feito, porque há coisas que não se esquecem, há coisas que não se perdem, apenas se transformam.
Nunca ninguém sabe se realmente está a fazer o mais correcto, a proceder de forma mais objectiva e concisa, mas sabemos que não podemos perder o sentido de querermos, de forma envolvente, compreendermos o porquê de permanecermos cá, enquanto outros desaparecem.
Gostar não implica prender, implica libertar. E eu preciso de voltar a gostar um pouco mais de mim, para me libertar, também. E isso, é algo que ninguém poderá fazer por mim.
Nada se perderá, apenas se transformará.


“Há muitas coisas que eu quero ver”.

Tuesday, March 16, 2010

Amar é Viver

O amor é suposto fazermo-nos sentir magnânimos, superiores do resto dos mortais, pelo simples facto de existir alguém que nutre um interesse abismal, pela nossa essência e nos respeita tal e qual como somos.

No amor, não existem esquemas, nem falsos escorrimentos, é suposto dissertarmos sobre as qualidades do nosso parceiro e aceitarmos os seus defeitos, como características menos apetitosas, que em certos dias, nos são capazes de arrancar um verbo mal disposto, mas que noutros, também nos fará rir, até de nós próprios.
Não, no amor, não é suposto existir apenas e só amor. Até porque nele, converge todo um esquema desobstrutivo referente ao modelo cognitivo.
O problema é acharmos que amamos alguém pelas razões erradas. Não poderá existir amor, nunca, sem respeito pela pessoa de quem gostamos, sob pena de realmente não gostarmos verdadeiramente. O mesmo acontece, quando não somos respeitados. Não gostaremos verdadeiramente de alguém que não nos respeite, também, verdadeiramente.
O pior, é quando estes dois conceitos se misturam, quando nos esforçamos tanto ao ponto de nos perdermos na nossa própria de concepção de partilha e casal e quando nos perguntam “estás feliz?”, respondemos que sim, quando notoriamente o nosso reflexo responde um NÃO determinado e assertivo.


E já dizia o outro (seja ele quem for), “mais cego é aquele que não quer ver”. Mas então, porquê de continuarmos presos a alguém que não nos transmite calma, paz, harmonia ou simplesmente, vida?
É uma das grandes perguntas, que cada vez mais me coloco. A caminhar para a fase da adultez (cada vez mais perto), pergunto-me muitas vezes, porque é que alguns nós (não todos certamente), perdemos tanto tempo da nossa curta existência a encaminharmos algo que simplesmente nunca percorrerá caminho algum. Facto esse conhecido, até por nós mas mergulhado numa consciência que nos acorda apenas durante a noite e que de dia, envoltos numa rotina e num sonho moribundo, fazemos por esquecer.


Afinal, não queremos todos ser felizes? O medo de acabarmos sozinhos, numa cama de hospital, é capaz de ser uma das razões. Numa sociedade tão individualista como a nossa em que vemos a nossa vizinha do lado a ser assaltada e continuamos a fumar o cigarro, na esperança que o fumo tape a sinistra visão, é compreensível que tenhamos um certo receio em terminar num daqueles lares de indivíduos idade mais ( é assim que lhe chamam agora), onde nos dilaceram o corpo com jactos frios de água e as enfermeiras tiraram um bacharelato num daqueles politécnicos que ninguém sabe muito bem onde fica. Trás-os-Montes, guarda, talvez Felgueiras, ninguém sabe muito bem onde, até porque lhe atribuem sempre uma sigla.
Mas claro que, esta hipótese tem de ser infimamente pequena. Pelo menos para a maioria da população entre os 20 e os 40 anos. Então, as pessoas não têm a consciência que se morre muito mais cedo e que muitos de nós nunca chegarão a ir para um desses lares, onde a alma fica mais cinzenta? E o cancro da próstata, dos pulmões, a hepatite, a cirrose, os diabetes, os acidentes de carro, os violadores de telheiras e do Benfica, os AVC’s ou um ataque da ETA?!
Pois, deve ser por outro facto qualquer. Se perspectivarmos bem, podemos atribuir a culpa à crise económica que se vive no nosso Portugal. Os noticiários irrompem pela nossa casa a falarem de despedimentos, greves, função pública sem subsídio de férias e o IRS cada vez mais caro. Algumas pessoas devem pensar e ter em conta este facto, duas vezes, antes de se separarem, até porque a nossa sociedade é sobejamente capitalista.
“Então e se a firma amanhã falir? Como é que vou pagar a Telecine e as idas Jerry’s? E o Monte Velho e os cremes da Vichy?”.



Não duvido ( e certamente que vocês também não), que alguém pense desta forma, e dadas as circunstancias, não é de estranhar. Acredito que apenas os casados ou a viver em união de facto, imaginem esta realidade, o que nos deixa, novamente, com outra grande parcela da nossa amostra, de lado.
Haverá tantas razões. As novelas que diariamente somos obrigados a ver contrariados, até porque são muitas e polvilham o panorama televisivo, onde grandes amores vivem grandes dramas iniciais que se prolongam por infinitos meses, até.
E tudo acabar numa derradeira paz, já no último episódio. Claro está, que como é o último episódio, não chegámos a perceber realmente se a felicidade e o amor que vem com ela, se eternizou, realmente.
Amar é fodido, sim. E existem tantas razões para amar, e outras tantas para não o fazermos e na realidade, só quem permanece dentro deste tipo de relações é que sabe porque realmente permanece. Embora, na realidade, só o consigam fazer meses depois de se terem conseguido desprender. Amar não é fácil. Nem é para todos. É um processo diário de aceitação incondicional do outro e todos sabemos que hoje em dia, ninguém tem paciência para ninguém. Não faz parte das nossas competências da era pós-moderna, é cansativo e chato. E toda a gente quer ver gente perfeita, interiormente e, claro está, exteriormente. É muito mais chato terminar com alguém extremamente bonito, do que com alguém cuja beleza, vemos impressa nos olhares dos nossos amigos, deixa muito a desejar. Vivemos na era das aparências também e por isso mesmo, ninguém quer amar ninguém feio, gordo ou minimamente problemático.
Tem de ser tudo escorreito e perfeito. E se não for, tanto pior para outra pessoa. E se não for, muitas vezes, também não saberemos como o terminar. Ocorre-nos sempre o mesmo pensamento vergonhoso “mas eu já fiz tanta cosia com esta pessoa…”, como se a vida fosse um acto único e apenas isso.

Não nos ensinam nada, nem nós temos grande coisa para ensinar.

Haverá um dia, em que perceberei porque é que amamos como gente pequena, em vez de amarmos à altura da imagem da qual fomos criados e moldados.
É por isso mesmo que, algumas relações duram tão pouco tempo e outras tanto. As que duram pouco tempo, foram engolidas pelas aspectos a considerar, como o dinheiro que a pessoa tem no bolso, se não tem carro e me vai pedir boleia todos os dias, se tem amigos sociáveis, se veste Zara ou Levis ou se tem casa própria e um trabalho minimamente interessante.
Algumas que duram mais tempo (não serão todas felizmente, que há grandes e muitas excepções), são vitimas de um comodismo fácil, de uma razão muitas vezes inexplicável, de um mergulho sem respiração que nos deixa sem fôlego e adormecidos debaixo de água, à espera de encontrarmos uma justificação divina para deixarmos de nos deitar com aquela pessoa.

Amar são muitas vezes lágrimas, mas têm de ser ainda mais vezes, aquelas em que nos rimos a bandeiras despregadas, em que vamos ao Indiano e comemos com os olhos as mãos que nos tocam e nos envolvem. E quando nos deitamos, devemos dormir de consciência tranquila, apenas porque sabemos que estamos a fazer a coisa certa.
Amar deve ser, sempre, sinónimo de viver. Por isso, vivam.


Monday, February 22, 2010

Ilusionista

Jovem, repleto de conceitos imaginários, impregnados em ilusões criadas por uma realidade delicadamente baseada em noções que não me pertencem, na qual me perco, mergulho, me solto. Realidade essa, que facilmente se inaugura, se desvanece, se reconstroi.
Nessa realidade, repleta de ilusões, magias incandescentes, taxas impostas, cheiro a relva, comigo deitado, bem presente, a fugir da calamidade que é tentar enfrentar mais um dia sem perceber muito bem qual é a saída que se avizinha como mais

Segura.


Como se a vida não me tivesse mostrado, tantas vezes, que nada é eterno, que o nunca não existe, que o para sempre acabará inevitavelmente amanhã. Deveria deixar de elaborar esquemas futuros, expectativas equacionadas, melimetricamente, à altura dos meus desejos.
Expectativas, guardo-as para mim, -ao memso tempo que as tento esquecer- , de cada vez que me olho ao espelho e constato que não sou tão velho quantas vezes julgo ser. Que a vida não acabará inevitavelmente amanhã e que me posso continuar a abrigar no recanto só nosso.
Esta mania da colectividade, do pensamento duplo, nunca singular, uma tentativa frustrada de ser um pouco mais diferente do reflexo que é a nossa sociedade.

Individualista, grosseira, solidária, incongurente, corrompida.

Gostava de ser um artista e dar explicações apenas a mim. Viver com os meus falhanços e fazer de conta que o conteúdo a mim, unicamente pertence, nesta forma disforme de abarcar o mundo, que se torna, que se demonstra, através da matéria, que nos dificulta, limita. Que nos cega, principalmente.

Um minuto de silêncio.

Sozinho.

Numa rua qualquer, cheia de personagens dantescas, dignas de um filme do Allen. E eu a sentar-me num café qualquer, acender mais um cigarro e apenas observar. Observar, beber um pouco mais dessa energia que não me tem chegado, que me tem prendido um pouco mais, que tantas vezes não me deixa respirar. Não percebi ainda muito bem (temo não perceber nunca) do que é feita essa glória que tão facilmente se transforma em tristeza, bem diante da minha perspectiva, inacabada por um horizonte longínquo.
Passa por mim uma criança qualquer,a mascar uma chiclet. Inquieta, impossível de calcular o terror que será chegar a casa e encontrar o pai mais uma vez ( e quando pára?), a segurar a garrafa, o amor a destilar, a ser sorvido e ela a precisar de um pouco mais de atenção.
Precisamos todos de conforto, alguém que nos ampare, que nos torne menos frios, que nos ensine a verdadeira natureza dos objectos imóveis, para que se transformem em formas maleáveis e revigorantes. Para que possamos aprender com eles, que a vida é movimento, alteração de paradigams constantes, mas que no final, sabe tudo ao mesmo.
As certezas concebidas, essas não existem e isso, de certeza que esta miuda já aprendeu. Uma, duas,três, algumas vezes, puxou o pai. Pediu-lhe “amor”. É assim que na escola lhe ensinam.

“Os pais amam os filhos”, dizia a professor e repetia, “Os pais amam os filhos. Qual é o substantivo?”
Ensinam-nos tantas coisas, que nos acabam por ensinar a amar, também. E mesmo assim, nunca conheci ninguém que amasse de uma forma completa e fidigna. Mas toda a gente nos ensina a amar, treinadores de bancada. E estão por todo o lado. Gritam, expelem, forjam conquistas e intrigas. Ensinam-nos tudo.

Talvez o amor seja um acto incompleto, inacabado, perpétuo num tempo que não nos pertence. Que por isso mesmo, talvez nunca nos pertença.
Gostava de dizer à miúda tantas coisas. Mas não o faço. Acendo mais um cigarro e ela brinca com o fumo que sai da minha cabeça. Ingénua, não pensa na morte, como se o fumo fosse mais um aliado alado, disposto a fazê-la sorrir. É nessa loucura premente que reajo, me debato e me acabo por levantar, nessa rotina que me fustiga, mas que tantas vezes eu agradeço.
Fecho os olhos e a menina já usa mini-saia, fuma um cigarro ao meu lado. Quer um Martini.
O tempo passou e eu continuei a observar. Conta-me que saiu de casa cedo, que não percebe nada de amor, mas que a vida lhe ensinou que o verdadeiro drama, é aquele que não queremos resolver, tolhidos que somos e ficamos, pelas nossas próprias ilusões em algo que nunca existiu. Que talvez nunca existirá.
Não lhe respondo. Não sei se transformou em mais um treinador de bacanda ou apenas um eco da minha própria consciência. Sou o senhor dos papeis e da escrita, dos bastidores e dos discursos formatados por uma felicidade que absorvo, dos que por mim passam e ela não percebe.
Talvez nunca perceberá.
As expectativas criam-se, no preciso momento em que se deseja alguém que complete a nossa distração, que nos preenche as veias de oxigénio, necessário para alcançarmos alguma paz, durante esse longo período inúlti, que é a noite.
Deveriamos poder adormecer em conjunto, nunca singularmente, na certeza que é dessa partilha de acordares mútuos, que se acrescenta um pouco mais de vida ao nosso coração. Que é disso que ele vive. Com o passar dos anos, sentado neste mesmo banco compreendo que
“És um lamexas”


Sim, ela acertou, cortou-me o pensamento e deixou-me em carne viva, transparente e permeável.
E ela nem me conhecia.

Wednesday, January 13, 2010

Amor

24/12/2009

Este ano, ano, volto a reconquistar o amor, bem perto do final, onde pensava que já o tinha perdido, bem perante a visualização de alguém que não conheço, que não identifico, que não procuro mais. Eu
Eu volto a amar, bem perto do final, a redescobrir essa doçura encantada, essa fugacidade perante as palavras, essa nobreza envolta nos actos. Este ano não é o único. Nunca será. As quedas, as desilusões, sonhos desfeitos servem para entendermos que nem sempre tudo terá um grande propósito, mas que mesmo assim, bem no final, tudo poderá não estar perdido.
Tudo merece mais, um pouco mais, do que mentiras enlameadas em merda. Merda terna, merda que nos aquece, mas que só nos empurra um pouco mais para fora da realidade.
Este ano, bem no final, redescubro o amor que há em mim e há minha volta. Que a vida é feita de amor, de sorte, de felicidade, de vitórias e de perdas, com um sorriso na cara, apenas porque estamos felizes, entre beijos e abraços, epítetos que nos deixam enternecidos, amizades que valem mais do que aquilo que alguma vez poderíamos possuir, materialmente, nesta extensiva época que atravessamos.


Este ano, volto a reconquistar o amor. Por entre o Luís Miguel que se enrola por entre o piano e a guitarra, o que se deixa surpreender pela praia que se tornou sua, só sua. Por entre a vontade de retribuir o amor genuíno de todos aqueles que nunca deixaram de acreditar que tudo seria possível, um dia. Por entre a fidelidade, a lealdade, a paixão que é viver a vida, como se tudo fosse irremediavelmente imperfeito, mas fosse mesmo aí, no centro de uma anormalidade constante, que consistisse a verdadeira natureza dos dias que passámos por cá.


“O amor que criamos, o amor que entregamos, é o que de melhor cá deixamos”.

Como se bastasse apenas isso. Compreender que a consciência está incólume. Compreender que é nas adversidades que nos tornamos uma força em potência. Que estar feliz num sonho pode não importar, profundamente, mas que é essa a força matriz que nos pode fazer acordar, de manhã e enfrentar um dia carregado, pesado, inútil, se no final, chegarmos a casa e tivermos a certeza que nos amam, como somos, genuinamente, sem cobranças ou preceitos.
Não, este não é um texto supostamente eloquente. Mas é genuíno, como o amor deve ser. E bem no final, redescubro o valor do amor, da vigência que se altera, da falta de compreensão e empenhamento. Da negligência, tantas vezes oferecida, do afastamento pronunciado, mas não concludente.
Se há algo em que deposito todas as minhas forças, constantemente, é naqueles que amo, naqueles que me amam a mim, verdadeiramente. Sem Luís Miguel com aspas, sem Luís Miguel pré-concebido. Sem Luís Miguel fruto de uma concepção irrealista. Mas com um Luís Miguel feliz, triste, compreensivo, carinhoso, histriónico, estridente, lutador, impossivelmente difícil de aturar de manhã, mas real, verdadeiro.
O luís Miguel que lutei tanto para ser e que, num ápice, quase quase desaparecia. Mas a identidade cada um de nós, tem de ser mais forte do que isso. Tem de ser feita de amor.
Não tivéssemos nós no Natal, onde tudo é feito de alarmismos consumistas, agregações de crise, quando a única que existe é a emocional.
O Natal, feito de amor.
É o meu maior presente, este ano, bem perto do fim.
“Presentes? Tenho-vos! Estou viva!”

Best friend . whitney i look to you