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Tuesday, April 11, 2006

Instituições - A Família

Safámo-nos sempre bem, a enclausurar os sentimentos, arremessados por entre os espartilhos da nossa própria condição física e de toda a vida contida num só gesto.
Aprendi – e talvez mal – que todas as instituições que se apresentam ao longo da nossa vida, nos dão algo, tirando-nos muito. Crescemos por entre sonhos irrealizáveis e uma educação magnífica em que tudo tem um lugar certo na prateleira, a fim de não racionalizarmos sobre o objecto em sim mesmo, que não é mais do que essa capacidade de introspecção a que os poetas chamaram um dia, enganados e iludidos, de melancolia.
Respeitamos tudo e esquecemos o quão humanos podemos ainda ser. Iludimo-nos com questões de sangue e de parentesco, árvores genealógicas feitas por cavaleiros andantes e espadas armadas que um dia mancharam a espada com sangue do seu próprio sangue. Vivemos nessa ilusão de que temos de gostar das pessoas que se incubem nessa trama que é a Família e que tudo aquilo que circunda essa redoma inquebrável, pode sim, estar à mercê do nosso julgamento abusivo.
A facilidade está em percebermos que nem todos gostámos da mesma maneira uns dos outros e que tal não pode ser obrigado, seja por sangue ou nome, caminho ou tradição. Então um filho adoptivo, se não souber que a figura feminina que apelidou de mãe toda a sua vida tecnicamente não o for, não continuará a gostar dela como se de uma mãe se tratasse, verdadeiramente?


Isto levanta necessariamente outra questão. A questão da posse e do título.
Mãe, pai, são títulos que aprendemos a usar para alguém que era suposto gostar de nós, assegurar-nos um futuro e protecção, de igual forma, que aprendemos a usar um embrulho de presente, quando nem sequer este é algo útil ou prático. È apenas uma forma de aprendizagem, de esquematização das emoções e das funções. Não é suposto gostarmos todas da mesma maneira uns dos outros, nem sequer que uma mãe não goste mais de um dos filhos, ainda que não admita, do que de outro.
Fomos ensinados que os pais são imparciais, que fazem tudo que estiver ao alcance deles para nos fazerem felizes e gostarem de nós, independentemente dos obstáculos à sua forma de encarar o mundo, mas desconhecemos porém, que a humanidade que os esconde é de facto palpável, que o fardo que carregam é muitas vezes demasiado grande, que são imperfeitos e que por isso, nunca hão-de gostar, nas mais variadas das vezes, de nós, tanto quanto gostaríamos, apenas porque não temos de gostar e não gostamos de toda a gente da mesma forma. È inalterável. É aliás isso que nos distingue, pois mais nenhum animal tem essa capacidade de eleger, de escolher entre o bom, o mau, o menos bom e um infindável número de géneros que adquirem forma humana.Nenhum pai deveria receber tal título, porque são raros os que o cumprem na totalidade da sua significação e só é injusto pensarmos que isso não se deveria passar.


Passei então a compreender a forma justificada de gostar tantos de alguns amigos que me rodeiam, de ter criado um pouco e ao meu gosto a família de que gosto. Família, na minha trémula maneira de compreensão, é um determinado grupo de pessoas de quem gostámos e do qual sentimos imensas saudades, com as quais chorámos e confiámos, onde a justificação não existe, deixando livre o lugar para a tautologia ser instaurada.
Compreendi mal este conceito várias vezes. Bati com a cabeça em espaços ocos, que acabaram por criar uma saliência firme que me permitiu desmistificar alguns processos que sempre julguei inatos. O melhor será mesmo que acabemos por gostar das pessoas, que mal abrimos os olhos conseguimos perspectivar, sem contudo avançarmos sem uma garantia fiel de que ninguém nos garanta que isso aconteça, assim como nunca ninguém explicou o porquê do nosso rei Afonso ter feito à sua mãe, aquilo que faria a qualquer inimigo seu. E porque não, se era mesmo um inimigo?