Followers

Tuesday, April 26, 2005

O Segredo III

Ouve vozes, ouve ruídos que a marcam de uma forma esmagadora e simples. Houve alturas em que apenas ouvia a música que durante tempos a seguiu por entre um caminho que nunca esperou percorrer, mas que inevitavelmente gostou. Ouve, agora, vozes que a seguem por entre paredes habitadas, fantasmas que tal como ela sangram e esperam apenas uma opurtunidade para se livarem dela.
São corredores imensos de uma angûstia incontrolável, cobertos outrora por sangue, agora encobertos por um segredo. Segredo que a há-de matar. E já começou...

O Olhar esconde
A Palavra interrompe

Ela já não percebe qual o caminho a seguir, onde permanece o sonho que um dia quase segurou, nem porque é que as palavras lhe fogem, como se não lhe pertencessem. Não percebe porque é que o dia nunca mais esteve tão azul, azul como a alegria que vivera, como a vida que sustentara. Não percebe porque é que os olhos se fecham perante um estremecimento dão duro, tão forte. tão cáustico.
Quer livrar-se do segredo e surpreendemente não consegue. Este fardo é demasiado grande.
Grande como a casa que habita, Grande como o coração que já não precisa, porque já nada sente.
Grande como os monstros que aterrorizavam os velhos marinheiros, Grande como a tristeza que todos carregamos quando somos postos de lado.
Grande como os prédios que tentam alcançar o céu, ao invés de o tentaram refazer cá em baixo.
Este arrependimento delicera-a facilmente. É uma espécie de dor este falso esperar de algo que nunca virá, apenas porque já não existe. Por isso ela fecha os olhos, à espera de encontrar essa réstia de vida que ainda sustenta. À espera que tudo regresse e as mãos que outrora foram suas nunca mais desapareçam.

"Porque quem muito fornica, acaba fornicado"

Tornou-se apenas um parágrafo deste sistema. Os cabelos loiros que lhe caem no ombro são uma réstia de dignidade. Apenas ouve o que lhe referem da realidade lá fora. E ela espera, sentada, na cadeira, que a trasparência regresse, que o amor lhe devolva o que já teve, que esta vida fugidia não lhe escape. Dizem-lhe que se cuide, que se vista, que se lave. Dizem isto sem a olharem nos seus Grandes olhos azuis, porque sabem que ela reconheceria " a alma de quem nunca viu maior riqueza do que a que sentiu". E por isso a dor nunca a abandona, nem quando repete o segredo frente a gravuras que estão por toda a casa, que são as únicas faces em quem confia.

A palavra há-de nos levar
a um qualquer lugar
onde o olhar há-de esconder
quem nos quer amar.

De vez em quando, passeia livremente pelo jardim. Aí sente-se mais viva, mais presente e menos estranha a este mundo que muitas vezes nos atraiçoa. Passeia e desmaia de tantas recordações, de tanta passividade, de tanta melancolia. Pergunta-se para que precisa daquelas pessoas que a atormentam com perguntas infindáveis acerca da sua situação. Pessoas que lhe querem tudo, apenas porque já têm muito. Pessoas que a servem e que nem por isso lhe obedecem. Pessoas que aparecem e não voltam mais. Pessoas, pensa ela.
Há vezes em que se pica nas rosas que circundam todo aquele verde que apenas lhe trazem a solidão de volta. Há vezes em que sonha estar em frente à casa com que tantas vezes idealizou e acaba por se picar outra vez acabando por não repetir a saudade que sente, a espécie de dor que tanta a persegue. E por isso permanece em silêncio, concentrando-se. De quando a quando ainda ouve o seu nome, lá no fundo. E é sempre a mesma voz. De quando a quando pensa que é esse o seu destino, o porquê do seu caminho.

"Talvez viver nesta aglomeração
sem sequer procurar uma razão"
Quando entra de novo em casa, não vem sozinha. Olhos que a seguem, múrmurios que a percorrem, uma tristeza tão grande quanto a sua casa. Enquanto sobe as longas escadas, sente-se cansada e espera em Deus uma razão para não se deixar levar de uma forma inerte e fria.

Ela está a morrer.
Ela está perdida
Ela só queria viver.

Enterra-se levemente na cama onde já esteve acompanhada, mas que como tudo, lhe escapou, mesmo por entre um olhar e uma impotência amarga, que lhe deixou um nó intransigente, incapaz de a deixar encontrar uma tradução para o seu próprio silêncio.

"Fujo do meu segredo
como se dele tivesse medo
longe do mundo, longe das coisas
a ver se não me arrependo
Como se a vida se me extinguisse..."
A Joana está a morrer, por entre um céu mais azul, por entre um amor que já foi seu, por entre uma saudade que há-de voltar sempre. " E nem o tempo há-de chegar" para ela dizer o quanto esta espécie de dor a torna tão frágil, nem o tempo há-de matar a sua saudade e fazer com que reviva de uma forma mais límpida tudo que outrora rejeitou.
Há coisas que nunca serão nossas.


Morrer é ser iniciado. in Antologia Grega