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Tuesday, July 05, 2005

Segredo VI

Ela anda às voltas, perdida no vácuo de uma morte na qual cravou a sua própria identidade.
Ainda assim – e talvez mesmo por isso – continua a tentar alcancá-lo, a fugir dos seres que a perseguem e a guardam com delicadeza, tentando romper-se e esvaziar o sangue que em si corre. Continua a fugir dos seres que a perseguem na sua cabeça e que tentam inevitavelmente compreender, o porquê de começarmos e terminarmos (quase) todos da mesma forma.
É o amor que nos estilhaça, nos torna incompreensíveis aos olhos dos que nos rodeiam, humanos que somos, falhados que nos tornamos.
Por entre tanto espaço desencontrado, memórias de um infinito recuado, Joana sente-se vigiada. Não a deixam encontrar o perdão que tanto anseia. Acredita por virtude que ele está por ali a fim de a desencontrar e fazer com que se sinta ainda mais perdida. Não percebe e talvez nunca venha a perceber que o amor é a arte do branquear, da ilusão por detrás da óptica, a música posta no gira-discos do avô com o propósito de nos fazer chorar.
A Joana perdeu-se entre uma rotina que a desgastou e cujo caminho que encontrou para sentir que esta realidade ainda lhe pertencia, a fizeram tornar num sintoma daquilo que já foi.

Queremos todos tanto

O mundo de Joana haveria de mudar, assim como a sua vida e de todos que a rodeavam. Deixou de se queixar da situação débil do país em que o país sempre estivera mergulhado, deixou de se queixar que ele nunca tivera tempo para mais do que duas horas de bom sexo seguido, deixou de se queixar do quanto estava farta de aturar pseudo-artistas, carregados de ideias neo-liberais, para quem um traço no escuro haveria de originar o Big-Bang. Deixou de ser a Joana, apenas porque são todos estes detalhes íntimos e banais que fazem parte integrante do que somos, do que sentimos, do que vivemos e queremos todos tanto...
E Joana também queria. Queria mais do que uma casa carregada de estátuas que a serviam, de quadros que a seguiam, de histórias sobre o desaparecimento da justiça. Queria sentir-se viva, mergulhar nessa fome que é sonhar, sentir o sexo a arder por detrás do telefone, por detrás da sombra que se haveria de tornar, vítima do caminho que viria a escolher.
E por entre isso, Joana ainda se perde em adorações a um Deus que sempre seguiu, que sempre acreditou, mas que passou a temer.
"Quanto pecado", dizia-lhe ao ouvido o padre escolhido para a salvar da perdição. E os padres sabem tudo sobre pecado, sobre os erros e as virtudes, apesar de nada sobre isso poderem saber a não ser julgar aqueles que os tornam credíveis e sábios.


"O amor dita o início do fim"

Joana queria voltar atrás, morrer primeiro, fugir desta angustia constante, deste sono que não cessa, deste olhar recriminatório que vê por onde passa, mesmo quando não está mais ninguém presente. Ela quer voltar atrás, apagar as memórias e encontrar a luz que tanto buscou, mas que acabou confusa nesse longo prazer que é o da carne e do fugidio, da luta dos corpos e do proibido. Agora, não finaliza os pensamentos nem se agarra mais aos momentos.
Joana nunca amou. E por isso, não percebe que ele sempre soubera que ela passara a ser território de múltiplas visões – e porque não – penetrações. Joana, por não ter percorrido a estrada que é o amor, não percebe porque é ele nunca a odiou, mesmo quando ela lhe pediu, o porquê de não a ter tentado matar, sabendo que acabaria por morrer primeiro. Continuou então, a morrer lentamente, agarrada às longas melodias dos companheiros de ambos, Everything but the Girl, aguardando sentar-se a seu lado. E continua a aguardar.


"My head is my house unless it rains" Everything but the girl