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Wednesday, June 29, 2005

Segredo V

No silêncio da música, encontro-te arranhada, emaranhada nesses longos cabelos loiros que atraíram a minha existência, como uma traça que busca a luz, como uma criança perdida numa praia, como um gato que perdeu a noite.
Tu sempre foste a minha luz, luz incandescente, que acabaria por me cegar. Luz preciosa, vital, esmagadora, bela, que mais tarde me haveria de encaminhar para uma morte contínua e rápida.
Certa vez, tentei matar-te, consciente que seria levado primeiro do que tu. E mesmo enquanto te observo por entre estas paredes cheias de sonho e poeira, não há uma única parte de mim que te consiga realmente odiar.

“E és tu que me eleva
E és tu que és urgente
És tu a quem eu canto
És tu a chama que sempre mente”



Amar-te sempre foi como morrer lentamente, anunciadamente, perdidamente. E assim continuei a adormecer a teu lado, a cheirar o teu perfume evitando reconhecê-lo, ler os teus lábios mesmo sabendo que eram também eles que te denunciavam.. Ninguém, nunca, percebeu as razões do meu auto-deliceramento, como se o amor pudesse ser compreendido, como se algum de nós o quisesse compreender.
És fogo em mim, luz que evoca, carne que provoca. Quis ser teu e acabei por ser suor que desaparecera, monotonia que se arrastara, rotina que esmagou implacavelmente a nossa cumplicidade.
Diziam-me todos os teus passos, todos os teus sorrisos largados das nuvens, quantos quadros vendias e o preço que lhes estipulavas e ainda assim importei-me pouco. Queria-te assim, como diria Eugénio de Andrade, “cheia de doçura/sentada olhando as rosas/ e tão alheia/nem dás por mim.
Vejo-te então cheia de remorsos, a lutares contra a tua própria existência, a justificares a morte com o nada que é a tua alma.

“A alma é um vício”.

De início, não reparava como deixavas de tentar não acordar, quando fugias e desaparecias absorta nesse teu emprego que muitas vezes imploravas que cessasse, no qual te debatias com os múltiplos pseudo-intelectuais que te sobrecarregavam com extravagâncias dignas de uma diva de ópera italiana, sempre italiana. Em vez disso, passaste a saborear cada torrada como se fosse a última, mesmo quando ta serviam queimada, a olhar os empregados, que sempre te fizeram sentir um certo tédio, com alguma bondade. Tinhas finalmente percebido o teu lugar no grande panteão dos seres que não pertencem a esta nossa pequena perspectiva. E eu não me importei.
Quis-te minha e queria-te plena, por isso fechava os olhos e sonhava em agarrar-te nesses longos cabelos loiros e despir-te o fato preto que acabarias por deixar de usar, mais tarde, e acariciava-te os seios mesmo ali em cima da secretária, enquanto algum milionário me jurava que estaria sempre inocente a fim de me convencer a defende-lo, mesmo quando a própria justiça se encarrega desse fácil papel. E era sempre mais, entre frágeis mãos que muitas vezes não eram minhas. Antes de vir para a este sítio, onde dizem que estou morto, enquanto tu adormeces ao som da cidade que raramente se ouve, imaginava corpos a suar, o sexo de outro a roçar no teu, tu a sentires o prazer por entre paredes e molduras que ninguém desvendava e sempre uma mão a segurar o teu cabelo que me levara até ti, fonte da tua luz.
A verdade é que nunca quis morrer, mas nunca tentei sequer despistá-la. Permanecer a teu lado foi sempre tentar encontrar uma tradução sem fim para essa procura por uma satisfação, para as saudades que sentiria quando aqui me encontrasse.
Não te odeio. Estou apenas à tua espera.

For you, i´ll be your plastic toy - coldplay