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Monday, December 11, 2006

Orgia Comportamental

Como se perdurasse em mim essa grandeza de não compreender o que a realidade me anuncia. Para essa leviandade não tenho mais solução de desejar o certo, sabendo que não é a impotência consuladora que me fará elevar ainda mais esse grito contido.
Então, deleito-me nessa emoção estrangeira que é não pertencer a lugar algum, de me deixar levar pelas náuseas constantes daqueles que por mim passam, do pedido encarecido, do primeiro toque e por fim, sempre no fim, a consulução dos corpos, quando já só há prazer.
Ainda há sentido para correr, na esperança que me persigas, que me faças flutuar, em que o amanhã voltará a ser o meu, quando poderia ser o nosso. Não compreendo de facto esta desnecessária tortura intelectual, em que revejo todas as causas prováveis, em que me transponho e me projecto para fora deste corpo que me pertence a maior parte das vezes, para que a reflexão possa ser menos parcial.

“A mim, só me falto eu”, foi o que eu repeti ao som daquelas palavras. Eu ali, rodeado de todas aquelas pessoas, à procura de alguém que sentisse a verdadeira busca pela incerteza do perdão, a conquista da vontade, a entrega irracional. Invariavelmente, toda a gente mantinha o olhar prostrado no palco. Era a banda sonora de todos aqueles que ali estavam, porque afinal todos nos sentíamos sós, como ela.
Ela era a materialização das nossas fraquezas, do dó que tínhamos e sentíamos por cada um de nós, no contraste que era ver-nos ao espelho e odiarmos o mundo que nos pedia um pouco mais. Havia pessoas que não a olhavam, que se mantinham intactas, conscientes de que o silêncio não existia, mas ela continuava, com o “coração cansado”, dizia.
Era algo parecido que sentia, nessa orgia comportamental, em que partilhávamos a graça de não nos contermos nesse egoísmo que era guardarmos tudo aquilo que bate cá dentro, para a nossa consciência. Esse altruísmo de quem não compreende nada de tecnologia, mas acha-se com a capacidade plena para ser livre e independente.
A filosofia, entendi ali, deixou de interessar e Hipócrates é que tinha razão. Por isso abandonei aquele coliseu, obra cultural máxima, de uma cidade cada vez mais empobrecida intelectualmente por patrimónios privados e deixei-me estar. As montras eram tudo aquilo que eu queria observar : a realidade intacta, a realidade estática, a venda da matéria, ao invés da procura da alma.
Não entrei em lado algum. Conduzi-me pela rua que já fora minha. Ainda ouvi alguém a sussurrar “só o teu amor é tão real”, mas eu já tinha ouvido democraticamente todos os valores e conceitos que queria introduzir, todos os esquemas contidos nessas palavras que eu sempre quisera sentir. Fora por elas que me havia perdido, nesse chão que acabou por ser meu, cada vez que não encontrei aquilo que me haviam prometido. A adolescência tem de ser mais do que isto no final, alguém me disse. Entre um brandy e um gin, tudo se diz, de facto. Mas se foram essas as palavras que sempre me guiaram, deviam ser essas também, aquelas que me salvariam.
Nesse momento de intrépida conclusão lembrei-me de sorrir, apenas porque devia. A nobreza de se ser alguém consiste em sorrir e tirar o partido da realidade que nos convida a viver e ultrapassar aquela que nos faz querer morrer. Pensei que o significado para a impotência e a frustração tinham mais do que ver com um gira-discos, do que com um método interiormente alimentado dentro de mim. Conscientemente, tudo há de voltar ao que era. Não existem explicações forçadas, apenas hipótese experienciada.

Tuesday, November 14, 2006

Alma Cara

Pensar que temos todos os mesmos objectivos é a solução para a nossa perda constante. Essa luta perdida por entre esse riso escondido e pouco inocente.
E é por isso que nos entregamos ao culto do corpo, nada mais do que masturbação subjacente e negra a pedir parceiro, quando a nossa própria fome por si só é capaz de nos saciar, já.
Talvez nunca venhas a ser essa parede que me venha anunciar que o meu lugar é este que piso e não o que nunca conseguirei perspectivar.
Aos poucos, a música entoada contorna uma nova batida, um novo gesto, uma nova memória. Fico preso por entre a varanda que foi esse anunciar de um dia melhor, dessa coragem que não se haveria de esvair por entre os dedos que já foram meus. Escrevo para que toda a gente leia, anuncio para que toda a gente reconheça, crio equações e soluções para que toda a gente depreenda que estou livre dessas imposições infantis de querer alguém que simplesmente não existe.
È nessa noite, nessa cor, nessa procura aclamada que compreendo que há-de ser o tempo, novamente, a deixar que tudo se esclareça, cá por dentro. Que não é maturidade controlada que corre cá por dentro, apenas frieza disfarçada de medo. Saber que podia mostrar esse lugar que haveria de ser só teu, deixa-me nessa consequente e triste apatia de quem procura ser e não consegue, seja o que for. Na realidade, a batida tornou-se frustração odiosa, onde não há lugar para a piada prometida, apenas um grande buraco inconsciente no plano por mim arquitectado. É que não há melhor do que o prazer indesejado, a leveza de não assumir o controlo, a capacidade de dizer bem alto que não precisamos de ninguém, quando tínhamos a certeza que haveria de ser ali que o mais certo fora oferecido, seja das mãos que nunca haveriam de construir um futuro, seja de lugares comuns, gestos imitados, força de quem foi e não voltou mais.
Lógica na sensibilidade, prazer no silêncio, recordação de cada minuto enredado no sono filmado, segundo a segundo.
Perguntei-me onde estava o sol e o sentimento de culpa, o filme da minha vida diante daqueles olhos, a luz escondida por entre o tripé e eu que nunca saberia aproveitar o momento concedido. É tudo um aviso, do primeiro olhar à segunda palavra. Sentei-me porque achei que devia, a ver se a inspiração mudava de intenção e se transformava em solidificação teórica. A prática, como sempre, pouco me diz, em que tudo muda de noção e conceito. Perdi tanto até aqui chegar, que nem isso fui capaz de guardar. Esses ensinamentos que vêem dos antepassados, que corre nestas veias onde a vodka se distingue facilmente do resto e onde as memórias não nos trazem um apaziguamento da alma. Fujo então para o começo de uma vida, de uma partilha, de uma casa que julguei estar a ser minha. Não foi isso que prometi a mim mesmo, por entre o caminho da sedução adulta, que aprendi com a mestria de um sábio. Foi a clareza de sentimento e o bastar da leviandade.
Então, danço ao som da batida urbana, essa que nos transporta para o caminho da solidão alheia, que nos remete para o céu aberto, perdido entre prédios e janelas inabitáveis, pontes que nos separam, cores que nos entristecem.
A coreografia, essa, esqueci-a no ponto mais fulcral da minha próspera existência. Não há continuidade no inatingível, mas tu poderias significar o contraste da luminosidade cara. Como a minha alma.

Monday, November 06, 2006

Mais

Pensei que a loucura nunca regressaria, que a imposição do momento ficaria sempre, para sempre, estagnada nessa ternura resplandescente e cínica. E é assim que esqueço tudo, entre a fragilidade de saber que nada é aquilo que realmente toco e possuo, que a carne é gorda e feita de matéria impura e que por isso mesmo não respeita nada, muito menos a minha humanidade.
Criei o meu próprio ciclo, fazendo publicidade à individualidade, à independência e à falta de expectativas e por isso tudo se desenrolou nessa irrealidade intemporal. Perdi o sentido daquele negro luminoso que eram os meus olhos perspectivando o futuro que era já amanhã, essa batida lenta em compasso de espera, pronta para me atacar e dilacerar. Guardei a inspiração nessa corrida contra o medo de me cansar rápido, de não querer mais, de ser próprio o realizador, segurar a câmara com a minha própria força e filmar o mais alto e longe possível, a fim de não me incomodar, nem que fosse por um segundo.
É por isso que não sou simpático para com a realidade e o dia que ela traz. De noite tudo é feito desse nojo disfarçado, onde os esgotos dão lugar a esse sofá negociável e onde tudo é perfeitamente perfeito. Olhámos para o Martini e percebemos porque é que Baudelaire diria para nos embriagarmos, porque o fim estava mesmo ali à mão, na distância de um fechar de olhos, onde a morte não seria mais algo encantado, quando acordássemos.
A droga que ingeri soube-me a pouco, talvez porque eu assim o quis. Deixei-me envolver no histerismo de ter aquilo que não esperava, quando afinal ainda mereço mais. E mais. E mais.
Criei assim esse lugar fechado, para que encontrasses outro onde pudesses permanecer. Calei a comunicação, que afinal não fora minha, não me pertencera desta vez – e eu habituado que estava a comandar os passos e os sorrisos, perdi-me na contigência desse fado entoado lá ao fundo, por cima dessa colina onde nunca chegarei para percepcionar realmente tudo aquilo que ouço, com parsimónia. Sempre com parsimónia.
Passo então a perseguir esses carros que me deixam em lugar nenhum. Deveria perceber que estas brincadeiras envolvidas em juras são tudo menos fiáveis. Quem possui alma de criança sabe perspectivar e identificar o falso sorriso por detrás da objectiva, a procura da materialidade e da sedução.
Talvez por isso, e de certeza por isso, não provei esse doce que tanto me foi oferecido e deixe-me estar no silêncio dessa carnalidade descarada, aparentemente disfarçada por essa idade avultada, quase deprimente.
Viajei então, conquistei África, fui ao fim do cabo Bojador e regressei vitorioso de que nada me derrotaria. E por fim, descansei. Deixei-me estar nessa solidão permanente, por ter percebido que nada me traz a paz que jurei que um dia alcançaria.
Esse piano que um dia alguém me jurou que acabaria por tocar tudo aquilo que eu quisesse é agora afinado por mim, acarinhado por mim, embevecido por mim, onde me esqueço da existência do próprio mundo e da batida que me atraia. Esse piano que tantas vezes comandou a harmonia, é agora dirigido por mim, nessa estrada sem rumo, apenas conhecido por mim.
Pensámos todos demasiado, é por isso que me rio cada vez mais, por mim e por todos vocês, porque é aí que me esqueço da minha própria limitação. Desse momento guardo o eterno e não o sabor, a cor e a imagem estática. Fico-me pela noção da ilusão, apreciada por mim, até ao último minuto, na certeza de que irei conseguir mais.
É tudo uma questão de vontade, porque as melhores coisas na vida são de facto as mais simples.
Snow Patrol – Chasing Cars

Monday, October 09, 2006

Falência

Deixei de pensar e passei a sorrir, por entre todos aqueles ínfimos momentos em que não me lembro da ausência do teu ser que transbordava sempre que estavas ao meu lado.
Pensei em não escrever, em guardar para mim a sede da inocência perdida, da idade adolescente que achei que nunca chegaria a terminar. Tudo foi elevado, em determinado momento. É o cão que faz demasiado barulho lá fora, no meio da noite escura e crua que se tem revelado a melhor aliada na luta infinita contra as insónias aclamadas.
Falámos do nome que demos, do nome que teríamos, da cor que nunca perderíamos. Ensinei-te a natureza morta do olhar recíproco, a luz vaga da chama quando cessa, o final do cessar desse enjoo matinal que é a mentira chapada por entre o pão que nos torna um pouco mais do que bimbos.
Pensei em escrever sobre o início e sobre a música que nos guiava, a minha decisão sempre suprema, a minha voz sempre mais alta. Desafiei-te a seres mais e perdi nessa frustração banhada em dor que nos traz pouco mais do que a solidão nobre e orgulhosa. Tudo acabaria por ser um fim, um negócio à parte para o qual pouco tivemos a negociar. Havia o fio, havia o verbo e havia o segredo de que sempre seriamos mais para nós do que para quem viesse. Morremos abraçados e foi aí que acordei, por entre esse assobio que anunciava que há data para tudo aquilo que é sobejamente bom acabar.
A amizade, essa, é algo de muito mais macabro para ter lugar. Baseada na falta de sexo e tesão, é pouco mais do que paixão amargurada, risco no limite sensorial nunca escutado.
Tento não me perder nessa lembrança vã daquilo que já consegui sonhar que pudéssemos ser, quando estava envolto no gelo e na vodka e só a tua imagem me sustinha a respiração e para me acordar desse ultimato. Afinal havia uma razão grandiosa para voltar e investir, algo que renderia tempo e afecto, noção de confiança e calibre económico.
Tínhamos um nome, demos um nome a tudo. Ao mundo construído sobre a base da minha vida e das pessoas que me rodeavam, um nome para aquilo que nos segurava e acompanhava, que me fazia voltar sempre que achava que não era a minha voz,. De facto, que escutavas. Essa paixão turbulenta deixou-me mais apagado do que nunca, a precisar do carinho dos outros, apenas porque me habituei ao teu.
Esqueci-me do nome. Do nosso nome, aquele que sempre juraste em manter.

“Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens”

in Livro das Evidências

Friday, September 08, 2006

Apatia


Queria conseguir deixar-te ficar entre as palavras que dizes e a verdade inatingível, por entre essa confusão plena em contradição que é o sorriso que carregas em ti, cada vez que me vês.
Usámos tanto esse eufemismo, essa alucinação embriagada, essa provocação da dor a que todos chamámos amor, que acabámos por esvaziar o sentido que carrega e transporta em si. Afinal, fomos mais do que conseguíamos ser, sem que por isso nos déssemos conta, mostrando o que nunca alcançaríamos.
Ainda tentas negociar com a mão que nunca te fugiu, mas que como tudo, não te abraça mais. A solidão a que remeteste a nossa fuga é algo inalterável, porque a confiança é essa cor que se esvazia, cada vez que se borrata com a cor esbaça que é o fim.
Dizer que o tempo, esse animal faminto que sempre levou a melhor, não volta atrás é esgotar-me em pensamentos pouco concretos, repetições que simplesmente hão-de acontecer sempre que o egoísmo falar mais alto.
Gostámos sempre tanto um do outro, que a dor refeita residiu sempre nesse facto. A verdade é que a culpa foca-se no facto de as pessoas estabelecerem hierarquias diferentes de valores e padrões que se chocam de cada vez que se unem. O amor para ti era a palavra proferida, o volante que guiava sozinho, essa boleia para uma tarde refeita de silêncios e mimos inusitados. Era esse brilhosinho nos olhos que dizias ser teu, esse embaciar reflectido no vermelho da camisola que sempre usei. Percebo agora que as palavras sempre foram mais importantes para ti, do que o sentimento que elas carregam e que por isso, só por isso, a sinceridade nunca fez parte delas, apenas porque não as sentias e se transformavam de repente em ouro sobre azul, preciosas demais para serem exploradas e refinadas.
Essa dor ausente de ruído acabou a partir daquele segundo em que o café me impede de sonhar contigo. Perdi-me na noite e na luz, na música estridente, na rua e no martini para não deixar que o amor se mostre na sua plenitude fielmente encarcerada dentro de mim. Mesmo que esta mão queira, não tem como, nem porquê voltar a conseguir libertar-se desses preconceitos e memórias que acabam por me sufocar por entre essa repetição que haveria de acabar por ser todos os oristos por ti escondidos, inexplicavelmente.
A certeza de que o erro não poderá ser novamente cometido não é certo, por entre esta apatia súbita em que o meu corpo se remete de cada vez que vejo o teu rosto reflectido, lá longe, de cada vez que perspectivo por entre a janela que outrora serviu para entrar e que agora, mesmo assim, continua aberta, apenas para que seja eu a sair.
Vejo-te nesse futuro que sempre acreditamos, ingénuos e tontos, ser nosso, porque nunca acreditarmos que amar traz consigo essa inexperiência da dor inexplicável e incurável. A manipulação da absorção, da vontade sóbria, da loucura embriagada que foi quando nos vimos, sempre que nos víamos.
Talvez seja verdade, essa narração por ti contada vezes a fio. Por vezes em que fechei os olhos e calei os ouvidos, fui feliz na minha grande essência, que é querer e poder, fazer e ter. Gostei tanto de tudo aquilo, que nunca achei que não pudesse mais. A apatia deu lugar à impaciência de não poder estar ao teu lado, dessa incapacidade racional.
Precisei sempre tanto daquilo que descreveste, no livro de instruções que trazias, que esperei sempre que a combinação fosse acertada. Despreocupei-me por achar que gostar fosse suficiente para a imortalização da vontade e do desejo.
A apatia regressa. Pelo menos até à inconsciência voltar e eu voltar a perder-me na areia que me consome e regressa vezes sem conta, nessa incapacidade de possuir, quando ainda se quer.
Nunca te conheci e talvez por isso me conheceste sempre tão bem.

Skye – Love Show

Friday, September 01, 2006

Para Sempre

Para sempre, foi para sempre que tudo foi feito, num plano montado e elaborado por mim, confiante nas minhas plenas capacidades de controlador obsessivo e que por isso, tudo resultaria numa acção impressiva. Por isso, deixei de ouvir e calei-me por dentro para que as palavras não inflamassem esse sentido contagiado e errante da percepção da própria vida. Enquanto isso, deleitei-me com a tua tentativa de me contares como é o mundo através dos teus olhos e como é que eu sou moldado a partir dos mesmos. Talvez por isso a irrealização da minha fantasia nunca me pareceu embriagada de mais, por parte de ilusões ou sonhos inconquistáveis. Lutei sempre, por tudo e por nada, que tudo me parecia fácil de mais.
Enquanto fechei os olhos, percebi que gostava tanto do escuro como da luz enegrecida sempre pelas tuas palavras, que ainda me haveriam de provar que fora tudo um momento escasso e em vão.
Escrevi sempre, na tentativa de te alcançar por detrás desse “eu” que dizias ser tu. Nunca acreditei na validade de toda essa camada inatingível e sobranceira, religiosamente esculpida para que eu acreditasse que a perfeição haveria chegado.
Acabo de comer e pouco o café, aquele que durante muito tempo foi essencial para que durante essa bebedeira de amor e sexo eu continuasse acordado a fantasiar com o teu cheiro. Deixaste-me assim, a querer mais, a exigir mais, a correr atrás de mais, mas haveria de ser sempre outro alguém que o receberia o sempre que eu nunca consegui conter em mim, nessa lágrima deslavada que haverias sempre de guardar para mim.
É esse o valor da promessa, o valor que dás à tua vida escorreita e cheia de inocência translúcida. É essa vergonha que sentes quando não há volta a dar e me dizes “não”, quando é o sim que interessa.
O tempo escolheu-me para me deixar levar por ele. Incrivelmente, não me deixa esquecer essa perda corrente, esse eterno amar empobrecido, tal como a alma que carregas e que julgas que é especial, apenas porque o carro que trazes contigo, faz de ti mais do que és.
A força que não sinto, agora, há-de voltar para prolongar este eterno adeus.
Para sempre.

Kt Tunstall – False Alarm

Monday, August 28, 2006

Tudo

A realidade dura e crua, como nunca a tinha presenciado antes. A pobreza da alma reflectida nos meus olhos, a cor do sonho desvanecido, espalhado em todos os poros irreflectidamente ansiosos por não me conhecer mais.
Gostamos todos de maneiras diferentes, de formas estranhas, negras, obscuras. Somos influenciados na forma de amar pela forma como previamente havíamos recebido. È esse ciclo preparatório do qual, poucos nós conseguimos sair e nos faz ter as atitudes menos sobranceiras. E se a mentira é tudo, uma boa mentira pode ser ainda melhor para fazer esquecer qualquer desentendimento que o tempo não deixa curar de maneira nenhuma, nesse cessar de entrega que sempre esperamos acontecer e tarda em chegar. Esse grito contido que há-de chegar e nós sabemos, apenas não quando sempre queríamos.
Já não sei conjugar os verbos nessa atitude reflectida dias a fio, embrenhado num calendário feito à medida de quem não vive numa contingência limitada. Fiz disso a minha principal alavanca e agora concluo que a dor há-de ser o único repouso conseguido.
E se as promessas são o ponto de partida, as lágrimas hão-de ser sempre o ponto final de qualquer tentativa de ultrapassar a realidade transparente e verdadeira.
Não tinha que ser assim, esse desencontro arriscado e desmedido, nessa cura anunciada, nessa carga pesada demais para ser inocente.
Confio no final, na leveza, nesse nome que decorei. Confio em mim e na natureza das palavras, na cor da música e na falta de sexo que sinto, cada vez que estás perto. Foi a falta de discernimento que me permitiu prolongar este estranho jeito de amar. A realidade é crua, mas uma boa mentira pode significar tudo. Tudo.

Friday, August 18, 2006

Facilidade

Cada vez mais, a conclusão precipita-se nessa convulsões de narrações infindáveis. Esse corredor eternecedor que nos apazigua ,só para nos cortar essa cor que sempre quisemos ter nos nossos olhos reflectida.
Voltámos sempre ao mesmo, à frustração enaltecida, resultado de uma sociedade que não se consegue conter, de um corpo que nos persegue, de uma voz que nos dita sempre para onde vamos.
Desisti de procurar por tudo e agradecer esse vazio que se instalou eternamente. Como todos, fiquei preso à ilusão materializada em imagens sequenciais de um filme no qual eu nunca participei. Fugi sempre à salvação obstinada, á carícia matreira, para me encontrar entre esse escuro que é o poder de decidir.
Essa responsabilidade que poucos aguentam, e que só alguns têm o discernimento para admitir que não conseguem furar a própria realidade. È de facto, um acto difícil, capaz de nos extorquir uma variável gama de noções completamente estranhas. Estamos todos habituados a sermos comandados, a amar sem saber porquê, a beber sem ter sede, a comer sem ter prazer. É essa roda viciosa onde nos sentámos e na qual escutámos o destino que há-de ser nosso, partilhado por pessoas que raras as vezes trarão a sensação pretendida.
E é verdade, nunca haveremos de saber quais os nossos limites sensoriais, enquanto preferirmos viver neste campo semântico de lugares-comuns. Temos muito pouco na realidade, desconfiados e exaltados, para apenas nos entregarmos a quem nunca teve a graça de nos suportar, de nos compreender, de nos sentir. Pensámos sempre, e acreditámos ainda, que o amor é a chave para qualquer falha de felicidade, quando na realidade é ele que nos desequilibra, que nos faz temer e morrer, onde e por quem trazemos o drama e o riso do fundo do baú esquecido do sotão que sempre nos aterrorizou, que é a alma de cada um de nós.

Katie Melua . "Closest thing to crazy"


O amor é apenas mais um degrau que poucos hão-de conseguir subir, envoltos nessa arrogância cega apenas porque não querem compreender que essa palavra aclamada não é suficiente para nos devolver a realidade pretendida e muito menos o amor-próprio que tantas vezes no faltou.
Parei apenas para continuar e perceber que não posso ter, pelo menos agora, o nunca alcançado.
É a facilidade de se amar. Nunca acaba.

Monday, August 07, 2006

Abrupto

Forcei-te a comer o que não querias. Essa tua lascividade enebriante que sempre me arrepiara deixou de me meter medo. Conquistei o que era meu por direito e agora, não há retorno possível ou imaginário.
Obriguei-te a beber o café para que não adormecesses enquanto te relato a pureza dos meus sentimentos, o tipo de inocência que sempre gostaste de ter, mas que nunca sentiste como tua. Querias que o álcool não te apagasse, mas foi o sexo que tomou conta de tudo.
Por isso, sem mais nada a proferir, cortei essa nobre intenção que nos ligava, esse fazer de conta amarrado a uma viola gasta e polida por canções que não fazem querer acordar amanhã. Esse amanhã que se torna hoje, sempre que te vejo por entre os olhos da depressão alheia. Reparei tanto nesse pormenor que era o desejar que tudo fosse diferente, que acabei longe desse meu sonho irrealizável, da noite quente e aconchegante, da vodka pura como tu nunca foste. Passei a olhar para ti, como o retrato que nunca tive, a vítima anunciada que nunca quis ser, o falhado que sou quando não consigo salvar a profecia anunciada.
Não consigo nem quero mais adormecer ao teu lado. O teu cheiro nauseabundo de corpos espalhados e fotografias espelhadas faz-me ter asco da própria carne que como. Em carne viva fico, em carne viva me transformo, carne viva de que sou feito. Pisarei sempre a intencionalidade com que dizes que nada foi feito.
Visonei tantas vezes essa foto-novela que me tornei espectador da minha própria morte. É assim que tudo se quer. Abrupto.

Wednesday, August 02, 2006

Busca

È uma ilusão ter a imagem de que alguém possa ser capaz e ter aquilo que é necessário para me libertar. Perdi essa leveza quando oscultei a natureza morta que há em ti, quando descobri que não restava nada dentro de nós, dentro deste corpo moribundo que há-de ser sempre teu. Rendo-me à evidência de a ternura se ter tornado flácida e do carinho ter passado o limite imposto. Quis tanto ser livre, que me encontrei agarrado a lugar nenhum.
Por isso fiz-me adulto, negociei com o fundo e com a batida a ver se conseguia arrancar algum sabor à vida, uma gargalhada perdida, algo mais do que isto que agarro diariamente.
A verdade, é que todos precisamos mais do que temos, do que conseguimos ter, do que alguma vez teremos. Poderia dizer que não estou completamente perdido neste sentimento obscuro de não querer mais, mesmo não conseguindo travar, de o acelerar ser descontrolado, da precisão não existir mais.
Das minhas mãos recebo a inexperiência da carne, de me deixar agarrado por algo maior do que eu, pela droga que é não saber por onde se vai, nem sequer se é nesta realidade que se deseja ir. È assim que vamos, na ingenuidade proclamada, na falta de reminiscência ou estilo, calor ou sexo.
Esta falta da existência de mais qualquer coisa sublime trespassa-me e corta-me, nesta busca sempre consciente de garantia nenhuma. Nenhuma é a cor dos meus olhos quando não te revejo em mim, quando me faltas e me pedes para que volte a ser eu, mesmo quando eu já não sei quem fui.
Há pessoas há minha volta que buscam alguém, um objecto, um prazer. Eu busco a ignorância nas palavras, o olhar que não se atrai, a dificuldade impressionante e impressiva de quem não sabe onde me vai levar, nem quer. Fugi tanto deste princípio, abracei tanto o stress urbano e novo que me esqueci do que foi feito o tempo que se fez nosso. A segurança deixa-me mais cansado que a insónia que vem quando não estás. E não há mais nada que mude esse facto.
Facto que se faz perigo, quando pressinto que te perco por entre a sinceridade com que te falo. E se é verdade que poucos são honestos, também é verdade que todos preferimos a mentira obscura, desde que esta nunca seja desmascarada. E somos todos mentirosos ao ponto de apontarmos a verdade como a saída mais certa para nós, quando nunca é aquilo que queremos.
O que odiamos todos de facto, é a mentira mal construída, aquela que não tem efeito, recheada de floreados imperfeitos e citações pouco prováveis, aquela que se denota que não foi pensada nem sequer retirada de qualquer manual. O que odiámos não é a mentira, mas sim o pouco tempo que se investe a pensar nela.
E pensar sempre há-de ser esse emprego rejeitado pela população nacional, no qual há sempre vagas nunca completamente cheias.
A busca por algo de eterno é essa demagogia que preferi sempre acreditar e inocentemente complementar com a noção de que o chão que piso há-de ser sempre meu. Não querer que tudo seja assim, faz parte da trivialidade do meu pensamento, um pouco envelhecido e retrógrado em que o amor é essa arma esculpida e jamais abandonada.
Poderíamos todos significar tudo para cada um de nós. Nestas cidades onde a velocidade é premiada, queremos sempre encontrar o máximo do nosso reflexo translúcido, mesmo que não saibamos o que fazer com ele. Desisti e dou-me por vencido nesse longa corrida contra o tempo, tempo que dispus a tentar encontrar o melhor de mim, o melhor que haveria para mim. Não será preciso encontrar a sensação do maldito desespero. Basta-me falhar quando estou contigo.


Say it right - Nelly Furtado

Monday, July 17, 2006

Espera

Esperei sempre pela vontade de saber que a eternidade nunca chegaria. Paguei sempre mais esperando receber a vontade em troco, a alegria em retorno, a leveza numa cerveja.
Tenho pressa de viver, é um facto que se avizinha sempre como uma tormenta irreversível e uniforme que várias vezes me causa pequenos arrepios e calosidades por mim impostas. A vontade de correr sem rumo é um paraíso tão resplandecedor que nem eu saberei bem explicar o porquê de tanto encanto. È a arte de não saber ficar agarrado, mesmo quando se sabe que seria o mais seguro.
Experimentei a sensação de se pertencer completamente, da intimidade rotineira, da paixão avassaladora, da perversidade encarnada em desejo que nunca esperei que o fim estivesse próximo. Neguei sempre e constantemente a cor da minha raiva, a razão do meu irritante comportamento, da felicidade mórbida, da natureza das cores vivas que se tornaram mortas.
Expliquei a razão da minha preguiça, gritei nesse silêncio onde não fui ouvido, onde fiquei invariavelmente sozinho. Era bom perceber que a luz desses olhos me transmitem mais do que um futuro pacífico, mais do que lado fixo nesse teu coração. E mesmo assim, sinto-me muito mais próximo de ti agora que não existem amarras constitucionais ou obsessões erradamente características de alguém que sabe que o amor não é para sempre.
A primeira vez é sempre a pior das mentiras que nos foram impostas. Falam desse número como se fosse único, como se fosse possível criar e recriar. Lembro-me muito pouco da primeira vez contigo, seja de que género for, mas lembro-me muito mais das vezes posteriores onde existia a cumplicidade da inocência que nenhum de nós tem, teve ou terá. Afinal, essa chama haveria de ser apagada pela podridão da esperança que acaba por chegar sempre.
O respeito é algo que precisa sempre de ser arregaçado e agarrado, para que as vezes que me ri da tua modéstia sejam guardadas com o mesmo carinho com que o fiz das vezes anteriores. E se é verdade que nada é esquecido, também o é que nada é para sempre. Amar nunca acaba, apenas desvanece.

Monday, July 03, 2006

Promiscuidade

Estava lá tudo. As campainhas intermináveis, a dor de cabeça que se fez maldita, a chuva que nunca limpa a alma, apenas a evoca a fim de a transformar em pó. O sexo parou para se tornar nesse pecado banhado na culpa de se sentir adormecido, onde o café não é ajuda para aquilo que nunca se soube fazer.
A promiscuidade é a forma mais material do sentimento adverso e real, da humanidade resplandecente, da conseguida loucura pela sedução audiovisual e do fingimento dos olhares. È o fechar de olhos por entre a luminosidade e esse brilhosinho nos olhos que faz saltar essa carga adormecida de roupas rasgadas e sexo contra a parede, esse enrodilhar de dedos e unhas que nunca souberam ser inocentes, mas sempre o desejaram. Criaram-nos na culpa da consciência, da vida para o pecado com o inferno quente sempre em mente.
Quente são os corpos durante essas incursões vadias, por entre essa corrente que arrasta e nos atrasa. O melhor é negar aquilo que somos e continuar essa longa dança que nos há-de deixar magicamente tontos e desfeitos, para que a entrega seja mais fácil e permeável.
E depois, restam-nos as tarde de uma semana qualquer passada num banco de jardim, a pensar na solidão que nos aquece, mesmo quando foi convidada por nós. Queríamos o mar ali, ao lado, a fim de repousarmos. Queríamos que a viagem à lua fosse nossa, o jantar se transformasse em missão cumprida, a canção nunca deixasse de ser tocada e que a lágrima fosse mútua.
A frieza que advém da falta deste processo é de facto inalterável. Nunca deixámos de conseguir escapar dessa tristeza impossível, de perspectivar nesse grande livro sem páginas em branco.
Somos nós perdidos nesse lamento, nessa perda nunca conseguida, nesse sexo nunca concretizado. Queremos a viagem ao imaginário a fim de perdermos o rasto a esta realidade onde tudo é feito à imagem de quem está ao nosso lado. Somos comandados por outros e esses outros somos nós também.
A promiscuidade não existe. Só o desejo de sermos quem nunca fomos.

Tuesday, June 27, 2006

Amanhã

Continuo sem perceber a conjectura que me arrastou neste infindável número de repetidas e velhas questões. Sento-me por entre as notas desse cheiro que não cessa, dessa luz ínfima que pede por um minuto de silêncio, por entre o escuro a fim de poder recussitar, de se reencontrar nesse modelo fingido de se ter medo da realidade que nos envolve.
Perdi-me na porra dos sentimentos e da moral que julguei minha, sempre. Afinal nada é certo, contínuo, conciso e deslumbrante...para sempre, nessa chama que nos ajuda a salvar a alma É nesse corredor das coerências imposta que me acabo e recomeço, onde o sofrimento é elevado e a procura por uma solução será eternamente julgada.
Na verdade, se é que ela existe, nunca tive uma guitarra, mas sempre desejei que me tocassem a fim de encontrar o balanço seguro e adormecer, por fim.
Vivémos na era da comunicação digital, do sexo das palavras e do acasalamento dos teclados, do fim da liberdade e da continuação da vida privada seja de que espécie for. Por isso é que peço sempre que o disco volte ao início, como um ciclo que não pára, como a nota que não descai, a voz que não esmurece. E eu permaneço prostrado a tentar encontrar o caminho que me remeta de volta à confiança das palavras.
É disso que sinto falta, do reencontrar com um sorriso que sempre pensei que me pertenceria e que quereria como meu, como se eu não fosse seu, como se o mar que nos inunda não nos apaziguasse, como se alguém pudesse salvar alguém.
Vivi sempre nessa agonia da página alcançada, do tempo incontrolável. Quanto mais tenho , menos quero mas mais peço. Esta razão de existir um destino que ultrapassa a razão da luta proclamada, da angûstia de ouvir dizer que as coisas hão-de mudar, amanhã, sempre amanhã.
Amanhã não sei se acordarei ao teu lado, ainda a bocejar de uma noite mais do que perfeita, com os teus olhos pousados na beleza sensorial dos nossos corpos. Que o futuro é ditado pelo questionável erro de não sabermos optar por entre a mancha de não entendermos a questão principal, seja ela qual for.
Amanhã, o piano há-de ser fechado, as nossas mãos hão-de continuar seladas e o medo de te perder será abandonado, Amanhã, tudo será melhor.

Flutuo Susana Félix

Wednesday, June 21, 2006

Verdade

È incrível como é que a nossa percepção é capaz de limitar em campos tão díspares. Conhecemos o que queremos, dentro de uma escolha inconscientemente seleccionada. Não ponho em causa que a difinição de Jeans não esteja correcta, de facto. Para este a percepção era constituída pelas crenças incutidas pelos nossos malogrados encarregados de educação (palavra rara esta), pela cultura em que nos reproduzimos e pela educação que recebemos. A partir daqui é fácil compreendermos que a nossa realidade não é mais do que uma forma análoga de um processo consternação por parte de todas as estruturas que visionamos diariamente. Nunca vemos o que queremos ver, mas evitamos sempre o que nunca haveremos de perspectivar. È assim que a realidade se constrói, através de imagens constituídas pela parcialidade da nossa objectiva.
È a partir deste processo de experienciação que toda a realidade que julgámos verdadeira se constrói. E será também por isso que muitas vezes não damos a verdadeira e única hipótese a algo ou alguém para mostrar o que vale e se realmente esse algo vai de encontro aos nossos objectivos. È por isso que nunca daremos hipótese à fracassada(o) do nosso grupo de conhecidos que nos convide para um café ou aos filmes portugueses, a fim de eles poderem mostrar que o cinema nacional não se faz só de sexo e de argumentos pseudo-intelectuais(desta também duvido).
Aliás, é de facto o cinema quem mais tem de conviver com esta dura insegurança. Um filme nunca poderá ser levado a sério se o Tom Hanks não estiver presente nos créditos principais ou se a Júlia Roberts não nos fizer sorrir. Se nos mostrarem um filme em formato de animação ou baseado nessa contra-corrente que é a banda desenhada, teremos sempre a sensação e o sentimento inscrito de que estaremos inevitavelmente a regressar à idade infantil. E temos todos tanto medo que isso aconteça...
Será talvez por isso que filmes cruciais como “V de Vingança” nunca terão o reconhecimento massivo que outros filmes têm e escrevo isto numa altura em que este facto é dado assente. Primeiro por ser um filme inspirado numa banda-desenhada o que reporta a audiência ignorante para uma obra infantil e segundo porque como nem sequer se trata desse tipo de manifestação artística, não servirá sequer para comer umas quantas pipocas caramelizadas.
É então que perdemos uma das obras mais importantes dos últimos anos e que no futuro se tornará em mais um objecto de culto incorporado numa elite que pouco poderá fazer com tanta informação.
Começando por iniciar toda esta conjectura, importa saber que a banda-desenhada “V for Vendetta” no seu título original foi iniciada em 1982 por David Lloyd. A primeira característica, é que não existe um herói, mas sim uma personagem central, que apesar de parecer inicialmente mais uma personagem atormentada, é antes o ponto fulcral de uma profunda discussão sobre os limites da humanidade e da escolha pessoal, num cenário cinzento e sombrio muito distante das outras personagens normalmente recriadas. Esta personagem é ainda e citando a revista de cinema Premiere “retrato de um mundo negro, refracção distorcida da conservadora Inglaterra Tatcheriana”, não passando de um suposto herói do qual nunca vemos o rosto e que acaba por se apresentar mais próximo do conceito que todos nós temos de terrorista.
Signo esse que é bom de ser iniciado antes de qualquer análise. Terrorista é aquele que segundo o dicionário português “é o uso de violência, física ou psicológica, por indivíduos, ou grupos políticos, contra a ordem estabelecida. Entende-se, no entanto, que uma dada ordem pública também possa ser terrorista na medida em que faça uso dos mesmos meios, a violência, para atingir seus fins”. Constatámos portanto que o mundo a que chamamos de ocidental é pleno em terroristas, já que as principais potências agem exactamente como aqui o terrorismo é descrito.


Regressando à obra cinematográfica, esta age de maneira independente da proposta apresentada na banda-desenhada. Aqui, o pano de fundo será certamente a Grâ-Bretanha, embora num futuro alternativa, onde esta é governada por fascistas, sendo uma alusão directa ao regime americano. Aqui também o poder se instítuiu por força a implementar o medo na sociedade, numa corrente de mentiras a fim de darem a entender às massas, sedentas de medo e ingenuidade, que aquelas forças que apostam na violência são a única forma de levar o país a bom porto. O que vemos ao longo do filme, para além da visível dicotomia entre democracia/anarquismo, é uma tentativa de um homem, pelo uso da violência tentar acordar uma população adormecida e frágil. Para compreendermos melhor todo o contexto desta personagem importa referir que antes de ser tornar numa arma do anarquismo e daquilo que acredita, foi alvo de grandes experiências científicas e trabalhos forçados. Em “flashback”, numa introspecção pelas suas memórias constatamos como é que pessoas eram recolhidas à força das suas casas, apenas por terem crenças religiosas diferentes da instítuidas, ou por gostarem de pessoas do mesmo sexo.
Outra das razões por este filme ser tão importante, é pelo facto de exibir no sofrimento da personagem principal feminina, Natalie Portman, uma possibilidade única de encontrarmos a força e o discernimento tantas vezes pretendido, para conseguirmos perspectivar os problemas de uma forma mais eficaz.
Mesmo filmes aparentemente tão lineares e básicos como X-Men transportam a mensagem de que a diferença deveria ser aceite e que não há cura para problemas que não existem, a não ser na falsa consciência de cada um de nós.Deveríamos ser capazes, todos, de conseguir encontrar uma moral em produtos como a banda-desenhada que acabam por ser muito mais sérios e politicamente activos do que xaropadas inventadas como o “Código da Vinci”, que só nos pretendem alienar para a dura realidade.

A verdade nem sempre é o que deveria ser.

"Be Yourself/No Matter what they say" Sting

Monday, May 08, 2006

Solução

Gostava muito de repetir infinitamente a decisão dessa agonia persistente que embate nesse lamento intransponível sempre que me debruço com a situação dessa própria incerteza do sucesso.
Talvez encontre a parede inquebrável nessa comédia dos meus loucos anos. É a lágrima que cai sempre que não há evidência que a segure, a mágoa sentida sempre que nos sentimos pesados e pisados múltiplas vezes. São aqueles que por mais próximos nos levam essa benção de sofrer e nem sequer saber porquê. Isso facilita sempre a etapa em que havemos de ser levados a essa viagem interior que tantas vezes negamos em fazer.


A chuva já não cai, as ruas continuarão sujas de poeira que se levanta sempre que a alma adoece, sempre que o amor se quebra. Preferia saltar deste estado de nudez inusitada, mas torna-se quase impossível quando sabemos que não há solução para o problema colocado, a barra largada, o sono que se confunde com a incompreensão de uma comunicação que sempre se fez por entre gritos de quem não se ouve.
Novamente, a benção do sofrimento anunciado há-de ser espalhado a fim de nos revestirmos numa próxima investida.


É por isso que não há escolha a partir deste ponto de estagnação, deste papel não cumprido por entre a falta de tradução existente. A fuga faz-se a partir das palavras que explodem no momento incerto, mesmo quando nunca sabendo que um beijo não cura essa falta de independência que possuo por parte das imagens colocadas no interior dos meus sonhos inabitáveis. Faço sinais em direcção à infinitude da recordação a ver se finalmente são esquecidos todos os pormenores claros que se apresentam e se representam por si só.
Dizer que tudo está bem quando tudo acaba mal não chega. A culpa não existe a menos que não se reconheça o erro cometido. A vodka apresenta-se sempre como a melhor solução para a falta de sono numa casa tão cheia de “coisa” nenhuma.


Cito a lei do desconhecido para enumerar o fracasso que tem sido este novo caminho em que o apoio já foi maior e o suporte perde-se por entre a moldura. As fotografias que outrora conheciam de cor o sabor da minha língua parecem-me já um pouco polidas demais para serem reais.
Não conheço nada, nesta humanidade inalterável que se debate dia-a-dia. É o prazer de desconhecer a forma humana e a sua consequente inerência. É sempre assim.
Não é difícil crescer assim, quando pouco se sabe.

Thursday, April 20, 2006

Sono Surdo

Já passei por ti infinitas vezes, arremessei-te questões pagãs, lancei jogos de medo e sedução, cravei em ti as minhas unhas para que no fim tudo se fizesse pó.
Questiono-me a tua existência ao longo das horas mortas. A televisão apagada, reflecte a tua imagem, agora que me absorveste. Anda por aí e u estou aqui, a dormir dentro do meu nome, à espera que ouças a castração da tua imposição. Fiz-te lugar constante e agora não paras mais em mim. Lutei sempre pelo infinito e agora resta-me apenas o eterno.


A timidez, profeta de sabedoria, recicla-se para dar lugar a ignorância e ingenuidade, rastos de uma calça de ganga mal rasgada numa rua sem carros, onde permaneço sozinho confiante de que ainda me voltarás a dar boleia. È a cor da magnificência, da luminosidade transcendente que abarca este sofá e a qual me faz sonhar com esse mundo comum que todos partilhámos. Pequeno, frágil e bonito, é como me sinto, nessa quantidade de sabores que esperei sempre não provar. Esta raiva sentida de que não concebes o significado da terminologia por mim usada, faz-me esquecer que estarei prostrado neste sofá durante horas, sem que por isso faça conta ou cálculo.

Levo um, faço dois, crio três, arranco quatro e por fim não há mais pizza para ser repartida. Tinha pensado em comida chinesa, mas sempre me pareceu pálida de mais, a fazer-me relembrar o teu envergonhado sorriso, sempre que me vias.
Abanei-te uma, duas, três, um infindável número de vezes. Dei-te dicas para funcionar com o meu debilitado sistema emocional e nem por isso me fizeste caso, Crias-te tudo aquilo que agora recebes, apesar de a ternura por ti concedida se ter desvanecido. Louvo-te as camas feitas e a louça lavada, mas entristece-me profundamente a falta de coragem primitiva que sempre julguei possuíres, Criei-te no meio de lençóis e sonhos que pensei irrealizáveis e no fim dei-me conta de que tinha voltado ao transporte ligeiro individual, como se não houvesse linha que me separasse de um passado nada enaltecido. Querias amar e tiveste-me a mim. E eu queria o rock e não o encontrei dentro de ti. Forcei a lei que a natureza impunha, fiz de mim ilusionista e tudo que encontrei no fim, foi a cartola vazia.

Lost in my own memories
I was never found
Creating my dream
Was always my goal
Chasing a lifetime name
But in the end, it seems only the same…

Dói-me a garganta, não sei se de tanto gritar por ti, antes que adormecesses, nesse escuro surdo que tens dentro de ti. Por ti, era por ti, sempre por ti. E agora?

Tuesday, April 11, 2006

Instituições - A Família

Safámo-nos sempre bem, a enclausurar os sentimentos, arremessados por entre os espartilhos da nossa própria condição física e de toda a vida contida num só gesto.
Aprendi – e talvez mal – que todas as instituições que se apresentam ao longo da nossa vida, nos dão algo, tirando-nos muito. Crescemos por entre sonhos irrealizáveis e uma educação magnífica em que tudo tem um lugar certo na prateleira, a fim de não racionalizarmos sobre o objecto em sim mesmo, que não é mais do que essa capacidade de introspecção a que os poetas chamaram um dia, enganados e iludidos, de melancolia.
Respeitamos tudo e esquecemos o quão humanos podemos ainda ser. Iludimo-nos com questões de sangue e de parentesco, árvores genealógicas feitas por cavaleiros andantes e espadas armadas que um dia mancharam a espada com sangue do seu próprio sangue. Vivemos nessa ilusão de que temos de gostar das pessoas que se incubem nessa trama que é a Família e que tudo aquilo que circunda essa redoma inquebrável, pode sim, estar à mercê do nosso julgamento abusivo.
A facilidade está em percebermos que nem todos gostámos da mesma maneira uns dos outros e que tal não pode ser obrigado, seja por sangue ou nome, caminho ou tradição. Então um filho adoptivo, se não souber que a figura feminina que apelidou de mãe toda a sua vida tecnicamente não o for, não continuará a gostar dela como se de uma mãe se tratasse, verdadeiramente?


Isto levanta necessariamente outra questão. A questão da posse e do título.
Mãe, pai, são títulos que aprendemos a usar para alguém que era suposto gostar de nós, assegurar-nos um futuro e protecção, de igual forma, que aprendemos a usar um embrulho de presente, quando nem sequer este é algo útil ou prático. È apenas uma forma de aprendizagem, de esquematização das emoções e das funções. Não é suposto gostarmos todas da mesma maneira uns dos outros, nem sequer que uma mãe não goste mais de um dos filhos, ainda que não admita, do que de outro.
Fomos ensinados que os pais são imparciais, que fazem tudo que estiver ao alcance deles para nos fazerem felizes e gostarem de nós, independentemente dos obstáculos à sua forma de encarar o mundo, mas desconhecemos porém, que a humanidade que os esconde é de facto palpável, que o fardo que carregam é muitas vezes demasiado grande, que são imperfeitos e que por isso, nunca hão-de gostar, nas mais variadas das vezes, de nós, tanto quanto gostaríamos, apenas porque não temos de gostar e não gostamos de toda a gente da mesma forma. È inalterável. É aliás isso que nos distingue, pois mais nenhum animal tem essa capacidade de eleger, de escolher entre o bom, o mau, o menos bom e um infindável número de géneros que adquirem forma humana.Nenhum pai deveria receber tal título, porque são raros os que o cumprem na totalidade da sua significação e só é injusto pensarmos que isso não se deveria passar.


Passei então a compreender a forma justificada de gostar tantos de alguns amigos que me rodeiam, de ter criado um pouco e ao meu gosto a família de que gosto. Família, na minha trémula maneira de compreensão, é um determinado grupo de pessoas de quem gostámos e do qual sentimos imensas saudades, com as quais chorámos e confiámos, onde a justificação não existe, deixando livre o lugar para a tautologia ser instaurada.
Compreendi mal este conceito várias vezes. Bati com a cabeça em espaços ocos, que acabaram por criar uma saliência firme que me permitiu desmistificar alguns processos que sempre julguei inatos. O melhor será mesmo que acabemos por gostar das pessoas, que mal abrimos os olhos conseguimos perspectivar, sem contudo avançarmos sem uma garantia fiel de que ninguém nos garanta que isso aconteça, assim como nunca ninguém explicou o porquê do nosso rei Afonso ter feito à sua mãe, aquilo que faria a qualquer inimigo seu. E porque não, se era mesmo um inimigo?

Wednesday, March 29, 2006

Cegueira Cordial

A decisão de tomar as rédeas da situação, de ser a personagem intermitente numa música que se desenrola por cima da mesa, onde tudo se passava e de onde nada saía. Eram aqueles momentos interrompidos pela tecnologia do saber que se precisa necessitadamente de uma mão, apenas para nos sentirmos seguros o suficiente para nos deixarmos cair nessa prova que é o querer desesperadamente, quando o envolvente que nos rodeia nos tenta impedir de alcançar esse verbo inalterável.

È assim que tudo começa, essa necessidade de nos sentirmos livres dentro de algo que nos controla os movimentos, de precisarmos de alguém que não precise de nós, de querermos algo que não nos merece, apenas se funde na ilusão daquilo que sempre quisemos, embrenhado nessa confusão manipulada por cafés e luzes mais ao menos coloridas.

É esta ponte entre o querer e o ter, o possuir e o nunca desfazer pela inconsequência da visão que a maior parte de nós não tem, - porque cegos uma vez , para sempre cegos – nessa ausência que é o Universo e a existência de algo mais transcendente, quando embrenhados no nosso egoísmo e prepotência, nos julgávamos sozinhos, nesse espaço onde se reflecte o alcance daquilo que aprendemos e sonhámos.

Somos todos o mesmo, o sentimento de massas que advém desde os primórdios, de esquerda ou de direita, o caminho há-de ser sempre o mesmo, continuamente, mesmo que a televisão nos continue a tentar deturpar o que acontece nas relações inter-pessoais de cada um de nós, mesmo que a imensidão desta grandeza seja de difícil conexão, com o mundo que respira lá fora.


O convite que se faz, à espera de ser recebido, a conversa de treta que se mantém apenas para se ser aceite, a piada que se manda apenas para se ser superior, a música que se ouve para se ser duro. È tudo uma questão de códigos sociais transmissíveis, através de pais para filhos, numa educação democrata-cristã, onde a diferença é repudiada e a serenidade nunca há-de ser encontrada.

É por isso fundamentalmente que se quer tudo, tem de se ter tudo, conquistar tudo, alcançar tudo, verbalizar infinitamente tudo, até a engrenagem parar e por fim, pudermos respirar.
Caminhamos todos por entre as mesmas quezílias e “estórias” cruzadas, quereres de que tudo se torne perfeito, de que as imagens negativas se apaguem do passado mal alicerçado e que principalmente, tudo desapareça sorrateiramente, embora todos tenhamos passado um requerimento a concordar com tal conjectura de factos.
É isto o querer. O nunca ter.

Tuesday, March 21, 2006

Controle



Já não sei mais o que perseguir, neste desenfrear de portas que nunca esperei tão constantemente difíceis de (re)desenhar, entre palavras criadas por essa atitude armada, traduzida pela cegueira constante em que permaneço, agora que regresso ao local onde nunca encontrei o que outrora julguei meu.
Nunca, a minha capacidade de redução à minha própria contingência emocional, onde a memória flutua, foi tão testada, tão maquinalmente racionalizada. Fiz de mim, a máquina que nunca soube ser, o projecto desse acto senhorial, composto por décadas de flacidez inerente à minha própria pele, onde me escondi, agora mais do que nunca, onde agora me afundo perante a minha própria incapacidade – não de recriar- mas sim de esquecer.
O esquecimento, esse acto falhado, para o qual não fui – injustamente - talhado, onde a minha fragilidade vem à tona e eu passo a ser a onda leviana de toda uma “estória” que não me pertence, mas que eu agarro com a ilucidez de qualquer plagiador barato e obcecado pela obra alheia, pelo esplendor adorado, pela carne que não me pertence.
Criador de mitos e observações, deixei-me cair na tentação do julgamento e agora, a esquerda já não me pertence, não há corrente que me arraste noutra direcção ou ciúme que atrase a viagem descomunal e pouco intrigante.
Aqui não há neve onde toda a minha intencionalidade fique transparente. Aqui apenas há pó e areia, que ocultam um pouco da verdade anunciada, onde o calor se torna inconfortável e me aliena um pouco mais.


Quero-te abrir a porta, da qual temo ter perdido a chave há já algum tempo, quero manter essa sintonia horizontal prolongada, eternizada por essas águas que são nossas, onde todos se naufragaram, ou apenas nunca tentaram. A quezília entre o valor máximo que criei e a patente na qual tu te registras-te criam-se e recriam-me, fazem-me perder na equação da palavra, onde nem a bússola me consegue indicar o caminho de volta à segurança prometida.
Ninguém é completamente certo.
A porta nunca esteve fechada.

Coldplay - Talk

Friday, February 10, 2006

Lugar Comum

Afinal onde moras, onde fica esse sítio inacabado, onde te afogas e te revoltas contra este tempo pequeno, onde nada existe por uma razão concreta e desconcertante.
Elaborei um plano, como se fosse possível conquistar essa partilha obscura sem nada que possa recear, sem impedimentos distorcidos ou compromissos inequívocos. Esse sacrifício de me largar e alargar esta pele maciça que se constrói à medida das tuas veias, como se nada o fizesse esperar, como se eu já não o tivesse adivinhado.
Não há nada. É o lugar da destreza emocional, do panteão da servidão por algo em que se acredita, em que se espera pertencer sob um contrato de promessa feito em segredo. Um lugar que alcanço por contraste com esse carisma pertencente e tão teu, tão meu agora que essa comunhão foi (re)feita.
Pensei em começar neste lugar vazio, perto de ti, onde nada me encontra e posso por isso, dormir sem que nada ou ninguém se importe com o câmbio que o teu amor provoca no meu humor. È esse sintoma de algo desaparecido, de algo que se morre e se descontrai, onde os intelectuais pensam que se movem, mas onde apenas se fundem com o ambiente que acaba por os envolver.
O entendimento está muito para além da razão. São os relacionamentos sem linha concreta, inter-laçada nessa cidade repleta de luzes que nos guiam a lugar nenhum, nesse fingimento de quem não compreende porque se entrega.


Pensa. Pensa.
Quem achas que vai salvar essa tua alma foragida que ninguém quer, a não ser esses sem-abrigo necessitados de carinho e bênção cristã. É uma afirmação, que ultrapassa essa pergunta nunca colocada, essa mancha colada que se torna quando não te avisto por cima do pedestal onde me colocaste e onde eu sempre quis permanecer aos olhos de alguém.


“Choro”.

Ri-te por ti e por mim, cresce pelo que há-de vir, salta e torna-me superior nessa corrida que enlaço, desvia a minha atenção desses putos que colam a fotografia, desse peso que nos altera a imagem nessa contradição que é a nossa imagem reflectida nos olhos de alguém. E disse eu como diria Saramago, “nunca te olharei por dentro”, como se eu fosse perfeito o suficiente para de facto, o intentar a fim de o conseguir, a fim de me calar, a fim de parar.

É sem esforço que não contesto essa corrente que me arrasta até ti, nesse dia só meu do qual te tornaste telemóvel imprescindível da criação desse meu pequeno mundo repleto de coisas, também elas tuas.
Não contesto que as manhãs hão-de saber sempre mais a Verão, enquanto fores tu que me desperta.

Friday, January 27, 2006

Sozinho

Procuro a inspiração no final desse olhar, nessa satisfação de estar presente em tudo aquilo que proferes, sem receio ou sentimento ressentido.
Fico por aqui, como se nada fosse ainda mais além e de novo permanecesse nessa órbita inaudível em que se foi formando de tudo um pouco, perfurando os sentidos de todos aqueles que mordem essa tentação que é tentar o que não se quer.
Andei sem saber como, com um total desapego por isto que piso, por entre o sexo que partilhámos, sem que nos déssemos conta, quando nada fazia sentido e que mesmo por isso – e só por isso – fez sentido. E continua a fazer.
È esse tema da controvérsia geral, da inquisição sempre atenta e disposta a deter-nos por entre palavras imperceptíveis. Essa nódoa na garganta que se forma, esse frio revoltante que sinto quando me sinto simplesmente abandonado, esse vapor que transpiro e respiro por entre variadíssimas cores, que nunca ninguém conseguiu decifrar. E foi aí que te pedi Por Favor Não Vás, e te foste sem que por isso desses razão à minha mão que acabou por ficar vazia. Foste-te assim, contente e indiferente como se nada o fizesse esperar, como se não tivesse eu já essa notícia reveladora que tudo se teria diluído.
Vou Porque Quero, e eu que nem ouvi a justificação, essa desculpa interiorizada e disfarçada pela pena que foi não te ter. Quando te pedi para que ficasses, foi na tentativa máxima de que partilhássemos todos as canções do Caetano Veloso que jurámos nunca cantar, pela saudade que sentiríamos um pelo outro.
Fiquei sozinho, longe de ti, para sempre perdido neste nunca eterno, celebrizado por este vento que não te traz. Tanta mágoa e tanto sonho e eu que só te pedi Fica. E foi aí que te foste.
Não te voltaria a pedir, nem a precisar de ti, se tal fosse concebível. Não tentaria de novo esse passo errado que é o de declamar a dependência negociada, essa chama negra que eu ganhei desde que atravessaste essa porta. Porta que sempre construiu um significado bipolar em tudo aquilo que não vivi, quando entravas, quando não saías, quando voltavas, mas nunca ficavas. È esta inspiração morta que eu sempre esperei alcançar, mas que por limitação humana, nunca me foi possível. Quando te agarrei e chorei, quando me bateste e ouvi És um fraco, o que nunca me ocorreu foi a visibilidade tão frágil dessa mesma fragilidade, dessa areia fina e transparente. Caramba, mas chegaste a entrar, ainda te agarrei, ainda te segurei, ainda tocámos na parede, para nunca mais voltares.
Fugiste e não voltaste. Deixaste me sozinho. Fugiste para nunca mais voltar.

Wednesday, January 25, 2006

Insónia

Afinal, não é ainda por aqui que vou ficar.
Hoje, deixei-me cair finalmente em mim, longe do estado de completa absorção em que me fui digerindo, perdido entre pensamentos e imagens que nunca consegui apagar totalmente desta corrida fugidia em direcção ao teu olhar.
Foi essa terra que me negou sempre aquilo que eu sempre julguei ter, por entre as mãos, que sempre me negou a verdadeira essência, acabando por me enganar nesse cálculo feito de intuição e cheio de falta de racionalização.

Hoje, ficava só por aqui, a fim de te sentir, encontrar a verdadeira resposta para tantos obstáculos por mim impostos, tanta falta de discernimento, que sempre julguei possuir e, mesmo acabando por ser mais tarde, acabou por me abarcar. Isto, mesmo sabendo que o que quis, foi sempre encontrar-te quando desço as escadas, me sento e te respiro, mesmo quando a neve insiste em deter-me. É este o débito que não consigo que seja cobrado no seu máximo, para que depressa adormeça, sem que disso tenha dando conta. O piano, esse, esteve toda a semana parado, por entre notas desafinas e palavras nunca pensadas e uma melodia que julguei por momentos ter esquecido. O problema é quando confiamos e nos deixamos levar, sabendo inicialmente, que não vamos conseguir arcar com esse peso que ainda há-de vir. E ainda no princípio em que não sabia onde te agarrar, acusava-te já dessa falta de perspectiva por um futuro que presenciasse mais o íntimo do que a carne que sempre entra em putrefacção, sem que por esta possamos fazer nada.

É o desencadeamento da linguagem na sua essência, essa causa para uma insónia excessiva, uma falta de carinho quase constante, essa rotina que já não possuo e que quase me levou quando para ela regressei, ainda que por escassos momentos.Vivi sempre para o prolongado, para a corrente de acontecimentos, para uma racionalização constante de qualquer problema metafísico, mas tudo se esvai quando sabemos que a razão finalmente deixa de nos pertencer por inteiro. Fui ainda mais errante na minha tentativa de apôs períodos contidos, em me segurar a algo que não existia e da qual eu assumidamente tinha notícia e informação. Não é o facto de ser desagradável e desonesto encetar toda uma mentira sobre alguém. É algo que apenas traz a questão de algo simplesmente não estar esquecido, algo não realizado.
Contigo, nunca me contive, nunca me senti com um grande nó na garganta, esse que desata e que comigo raras vezes ata. Enredei um romance em torno de algo que eu preferia que tivesse acontecido, apenas para eu não constatar o quanto tinha eu, na perseguição desse sonho fantasiado, falhado. Esse tumulto crescente, essa pedra no sapato que se apoderou, essa criação mental de tudo aquilo que nunca teria feito. E dizem que não nos devemos arrepender, que a tenacidade com que me puxaste é algo narrável e que talvez por isso eu te tenha agarrado bem cá por dentro, sem que faça intenções, mas sempre com condições.

A finalização que terá como consequência o descanso prometido pode não estar ainda a um alcance próximo, mas nunca mais estarei tão perto como o “agora” que se promete.Os “jeans” serão lavados, o relógio há-de me continuar a perseguir, mas finalmente hei-de adormecer e o sonho há-de ser contigo, finalmente. Parece que há sempre rasteiras que afluem a uma melhor posição.

The Grass is always green on the other side.

Há pessoas capazes de fazer o que ,indiscutivelmente, não se faz.

Monday, January 23, 2006

Realidade

Esta é a música preferencialmente entoada, facilmente esquecida, repleta de erros imperceptíveis a qualquer passagem que não alcance a verdadeira beleza sensorial da imagem em movimento. Contei-te e conto a minha vida, como quem conta um romance, onde a tua beleza me ofusca e me arranca toda a energia que encontro, a fim de poder compartilhar este conhecimento que é oferecer-me a algo tão grandioso como tu.
Tenho ainda de me deixar levar, como no início, por essa força transladada muitas vezes para uma timidez coerente e socialmente aceite. Fiz o que podia para parar com este movimento, no qual te foco e te retiro, onde me complemento em tudo aquilo que és, por entre os cheiros e por entre esta vontade de não te deixar ir, de não largar tua mão, como quem larga uma nota que se desloca pela profundidade que é ter a certeza que realmente te tenho aqui por dentro, onde ninguém nunca chegou a ser aquilo que sempre tentaram ser.Esta desintegração, esta redução do próprio “eu”, esta argola presa nestas memórias sempre um pouco perdidas.

Nesta roda gigantenão permaneço mais.
A inconsciência desapareceu, porque afinal
O problema nunca me pertenceu


È escusado perceber porque é que a minha fragilidade foi a escolhida para suportar esse sorriso que nunca me mentiu. Vi tanto e fugi a tanto, tornei-me portador da vontade de querer, mas nunca de ter, de saber que independentemente do que dissermos, as pessoas têm todos os mesmo sonhos e que por isso mesmo, partilham salvo raras excepções, as mesmas raízes, as mesmas bases e muitas vezes do mesmo sorriso.
E por isso tentei fugir, correr sem destino ou direcção, sem cor e sem brilho, quando percebi que nunca te voltaria a encontrar nessa predisposição directa e subjacente, nesse entoar de códigos metafísicos que não me deixam dormir, nesse recolhimento que é o de me deixar levar por tudo aquilo que o meu próprio sonho fez de mim, essa participação sem final que se avizinhe, sem tradição aparente, sem leveza transcendente, sem emoção pretendida que se irá desvanecer quando nunca mais tiver de imaginar que és tu que me carregas.
È este sentido sem início, essa notícia de que as calças que carregas formam a tua pele, que me escutas por entre horas a fim, precisamente por conheceres a cristandade comunicativa que habita em mim, não porque eu queira, apenas porque eu preciso. Preciso de ti e do teu sinal, da tua mágoa e da culpa que me fazes encontrar e que me ajuda a subsistir.
É o preço da racionalização, da mentalização que ser o que se é, ainda é pouco; que nada que tocamos pode ser suficientemente narrável, que nunca ninguém é transparente porque o deseja e talvez por isso me custe a acreditar que não tenha corrido o suficiente, que fui apanhado e não vejo outro encontro que me faça soltar, outra criatividade audível, outra melodia que me carregue tanto.
És a realidade que eu nunca imaginei ser real.

"Just bring me along
cause i got to see what you have to offer me"

Wednesday, January 18, 2006

22/01/2006

Existem pessoas que muito para além de se destacarem, criam sensações e tumultuam de uma maneira amplificadora a nossa perspectiva de certos e determinados aspectos. Manuel Alegre, por ter conseguido ser uma personagem reconciliadora nesse tão fumarento mundo político, onde se travam lutas sempre por debaixo da mesa, merece o meu profundo crédito.

Chamem-lhe escritor, poeta, revolucionário, ou simplesmente político, mas tudo acabará por ser impreciso. Afinal, o que pretende um candidato a Presidente da República quando faz valer o vocalista dos Da Weasel como Mandatário para a Juventude? É irrefutável que as ideologias e ideias de Manuel Alegre sempre caíram mal, mesmo dentro do seu partido, que sempre foi visto com algum desmerecimento por honrar e nunca adulterar valores mui nobres como o da amizade. Sejamos ou não de esquerda, Manuel Alegre é o único candidato capaz de retomar o passo a este andamento burocrático a que o país se submete diariamente e o único capaz de fazer frente aos fundadores da democracia e das suas bases que vigoram agora em Portugal.
Cavaco Silva e Mário Soares não fazem mais do que retomar os seus postos, as velhas guardas, a velha glória do povo ignorante que ainda não perguntou a Cavaco Silva para onde foram os milhares de contos que entraram aquando a sua tomada de posse como Primeiro-Ministro ou a Mário Soares que sempre foi um combatente do regime fascista, mas salvo raras vezes, do outro lado do mundo, sem que por isso tivesse experiênciado os verdadeiros tormentos que tanto diz ser contra.
Dia 22 – se não estou em erro – temos todos um pouco a oportunidade de dar um pequeno abanão neste cada vez mais inglorioso país e expulsar qualquer convicção de que quem cimentou as bases para tanta crise, volte com as suas velhas ideias a ver a Praça da Alegria num asilo de luxo qualquer. Talvez este exemplo se indique mais a Mário Soares, que de tão velho e senil que está, acabou por se esquecer quem foi o sempre amigo que lhe prestou apoio nas mais variadíssimas formas e acções.

Por último, é de registar que Manuel Alegre, para além de pessoa culta e informada dos valores vigentes europeus, associou-se a caras novas da cultura, da música e da literatura, numa busca por uma nova forma de governar Portugal, enfim o que precisamos. E vamos lá esquecer o “populismo” de Louçã.O senhor sabe evidentemente falar, mas nunca conseguirá mais do que fidelizar votos.

Friday, January 13, 2006

13

É então que me deito sem saber para onde vou, estirado, esgotado desta luta contra um relógio nunca acertado, por um tempo que se contradiz apenas porque não é pequeno, por este desejo imenso de alcançar a tua imagem, sem nunca te tocar.

Verdade é, que sempre gostei de algodão doce e por isso, tentei sempre caminhar entre a ilusão de que nunca amaria por completo e a repetição desses sabores tantas vezes facilmente identificáveis, que me arranham os sentidos e me deixam um pouco mais do que moribundo.
É esta a alegria de viver, por entre todas as marcas que sofro sem serem minhas, apenas porque sinto os sentimentos indefinidos, de uma forma ampliada que acabam por demonstrar o quão frágil posso ainda ser, mesmo quando permaneces ao meu lado. Levava-te para essa terra do nunca - onde o nunca seria o sempre - eternizando-nos nesse longo e vasto campo de sentidos, por entre os meses que quase desconfiei que tivesses esquecido.


Por isso, fecho os olhos na esperança que tudo se desvaneça, que estes sonhos, de não ter simplesmente, se criem na realidade, que utilizes o pensamento sempre como arma e que ao contrário de toda esta sociedade, não te deixes conformar pelo insurrecto e pouco palpável, porque as minhas palavras já foram gastas e polidas demasiadas vezes e o cansaço nunca vem só.


Imagino viagens tridimensionais, canais que nos hão-de levar a esse desconhecido que são as tuas acções, imitações de algo que reviste e nunca mais pudeste esquecer. Que te prefiro odiar, com sensatez, muitas das vezes, porque me sinto pequeno demais para arcar com tanta plenitude de sinceridade, porque sempre vive da argumentação fustigada e da desconfiança presente, e que só assim sei ser forte e conciso. Sem ti, nunca haveria de ter escrito as páginas deste jornal pouco mais do que íntimo sobre a verdadeira consciência que tenho da condição que agora assumo.
A paixão não é um estado que me faça corroer o interior, é antes esta grande trama elaborada pela minha necessidade de sentir a culpa interiormente, nesta cilada por mim feita, sempre que me sinto longe de ti. E de vez em quando, abano-te e fico a escutar, para onde foram todas as palavras que depositei em t, quando sei de antemão que simplesmente não estão lá. Acredito no que posso, nos objectos que não gosto de possuir, neste trajecto por mim enlaçado, nesses teus braços que me concretizam e me fazem acreditar na minha paranóica forma de estar.

Acredito em ti e acredito neste número que se faz à nossa imagem, do azar que foi nunca termos tido a coragem para nos agarrarmos antes.
Estou, secretamente, a contar todos os dias.

You were right
And i don´t wanna be here
If you gonna be there…
I wanna travel trough time
See your surprise
Hold you so tight
I´m counting down the days

Wednesday, January 11, 2006

Negação II

Não me estraguem a concentração, não me digam que o jogo de luzes que evoca a solidão é falso. Não me digam que não posso sobreviver da desilusão, não queiram colocar a dor como pano de fundo para a minha destreza emocional. O que faço é conseguir, tentar alcançar esse objecto sem cor ou roupa, esse lamentar sincero e promíscuo, essa gota sexual que escorre pelo umbigo e só pára no lençol onde eu nunca me deitei contigo.
Queria assim, por entre todos estes tecidos feitos para nos prenderem a situações nunca pretendidas, manter a minha invencibilidade, sem que por isso tenha de ser chamado de frio ou egoísta. É que o meu piano deixou de tocar, desde que não te encontrei mais, quando dizer adeus nunca foi o meu desejo. Não. Digam-me apenas que a lâmpada fundiu, mas que a esperança de que regresses novamente por entre o “meu olhar que só sorri quando te vê”, é tudo menos falsidade herege. Faz-me crer que tudo em ti é reluzente, que o passado é fantasia que arde quando me deixo ocultar por esses genes que transporto em mim e que sempre me hão-de desfazer em menos de pó e camurça.
És o nada que nunca se há-de transformar em manhã negra ou enfadonha, porque o silêncio do teu reflexo é magia constante para os meus ouvidos. Nunca consegui que me travassem neste sintoma perplexo, nesta correria abusada, neste paladar nauseabundo. Não, não me digam que nunca hei-de chegar a alcançar essa força que eu (minto?) juro que permanece escondida em ti e da qual eu denoto breves resquícios quando te abano violentamente e te faço sair desse estado de latência do qual vives e sobrevives. Não me digam sequer que me tornei abjecto, como tantas outras coisas que odeio. Acabarei sempre por eternizar a canção nunca antes entoada.
Farei assim minha e de quem quiser, a sombra que foi deixada para trás, essa rodada de uísque que nunca haveremos de beber os dois, completamente juntos, como se lá fora a neve não fosse branca.
Aqui e agora, a neve é sempre branca do outro lado, neste manto de inspiração que me sufoca e me faz descrer que o não foi apenas o que pronunciaste apenas para eu nunca largar a minha ilusão enegrecida, cada vez mais.
Devo dizer, que foram raras as vezes em que desisti, por isso não mo peçam para o fazer, porque a concretização da incompreensão é algo presente em mim, essa forma de “amar o amor” como diria Agostinho da Silva, essa recriação do meu sonho personalizado em ti. Eu que me tornei discípulo da irmandade dos amantes da paixão e quase da tesão, eu que fui cego, mas sempre alcançando a batota no jogo, eu que nunca fui surdo e que por isso abandonei sempre quem quis. Que não me digam, que não me escutem, que não me leiam. O não é apenas uma parte da minha comiseração de fugir ao que realmente encontro em cada espelho. Não. Amar não acaba.

Friday, January 06, 2006

Irresponsabilidade

Conseguido o portento de me manter ao teu lado, entre um número que não condiz com a sorte de te ter, nem preconiza uma vastidão de certezas inalienáveis, que me conduzem, sem que disso suspeite a um afogamento nessa tua beleza inalterável. Banalidade boçal que me fantasia e faz com que derrape nessa tua melodia, entoada num grego como nunca antes reconheci, nesse teu chão concebido só para me aquecer, numa cama qualquer. Poderia dizer-te que o vazio sentido é algo que não realizo mais. A justificação ficou encarregue de levar o futuro com ela e fiquei apenas com a areia que me trouxeste, quando entraste e nunca mais saís-te. Faço-me assim, à luz do que me tornei, sem que por isso permaneça no local onde não te encontrei. Acabei por te esperar como sempre quis. Lamentavelmente, tudo deu certo de mais e o meu pessimismo diagnosticado em várias cirurgias anteriores, concedidas por enfermidades que só por algum acaso de sorte não me levaram, fez com que eu sentisse apenas a tua leveza castanha, por onde me perco sem conseguir alcançar o fim de tanta magnitude. Volto com tudo o que tenho, carregado de presentes que nunca quis oferecer, com cadeiras que acabaram por ficar sozinhas, com palavras que nunca poderão ser ditas. Lutei por ti, como quem luta pela liberdade, sem saber na minha cumplicidade íntima de ser eu quem sou, que nunca mais te conseguiria largar, fazer-te desaparecer, como tantas vezes me foi possível. Sabia eu, ou então achava que sabia, na minha tola presunção, que seguirias outro caminho que não o da entrega, acabando por irresponsavelmente, me esquecer da tecnologia viciante que é o amor. Sim, és tu a senhoria revoltante na procura de um sentido profundo. Esta poesia cantada, esta dramaturgia inalcançável, essa beleza que duvido que venha a ser mim. “Alcançar o fim, Para sempre contigo” Por isso pego em ti, neste sentir agonizante, sem saber o que fazer, na mágoa que é falhar sem se perceber porquê, numa descrição de um poder que nunca foi meu. Se os olhares de outro alguém importassem, se as mãos que me agarram contra a minha fúnebre vontade me levassem, se este texto que escrevo fosse a mentira de quem sou, então seria tudo mais fácil. É uma irresponsabilidade infantil pensar que nunca serias tudo o que eu quero Mandalay_Beautiful

Wednesday, January 04, 2006

Fingimento Enrolado

Sei perfeitamente que este lugar de onde vim nunca mais vai acabar. Esta melancolia trespassada e sentimental de quem não aguenta esse jogo viciado. Não entendo e não concebo porque nos sujeitamos tanto a essa arte de persuasão e de engano fútil, dessa máscara que preferimos usar, ao invés de tentarmos ser aquilo que queremos. Tentamos todos decidir pelos outros todas aquelas coisas que nunca fomos capazes de escrever. Falta-nos a coragem para parar a fim de começar algo de novo.
Parar o sentimentalismo desafinado, um sorriso pegado e influenciado, essa piada que se forma na nossa boca como espuma cheia de falta de personalidade, parar com esse fingimento sem retorno, com essa procura pela sombra que nos foge, por esse olhar pequeno que de vez em quando possuímos a fim de começar com a verdade que não tem necessariamente de fazer ninguém sofrer, de nos rirmos colados ao chão, mesmo que os nossos dentes não façam de nós aquilo que vemos na televisão antes de nos deitarmos.
Estou cansado, no fundo, desta graça que se forma, deste aperto de mão cómodo, dessa vida monótona e pardacenta, de me sentar no sofá e constatar que são poucos aqueles que trabalham e muito menos aqueles que apontam soluções.
O país está completamente partido, estagnado, envolto em fantasmas que o transformaram neste pequeno paraíso fiscal e que retornam agora - como se de alzeimer sofressem - para nos voltarem a atormentar, alimentando essa tristeza passiva e democrática em que vivemos. Este fingimento que partilhámos agora mais do que nunca, apenas porque se torna num hábito, numa ordenação contínua, nessa necessidade de catalogar todos os objectos encontrados nesse sonho sem fim. Construímos uma mesa farta e cheia de fraternidade, para no dia seguinte passearmos juntamente com as nossas mágoas e voltarmos ao que somos. Fingimos que somos, que gostamos e muitas das vezes somos apenas isso.
Preguiça mental, falta de objectividade, falta de serões junto ao por do sol magnífico que poucos hão-de aprender a gostar. Fazemos o que podemos e fazemos ainda tão pouco…somos parte do que criticamos, sempre à espera de que alguém com o nível de vergonha mais baixo, se exponha, apenas para que nos possamos rir também e pertencer a esse pequeno núcleo de sobreviventes por via dessa técnica, desse homicídio anunciado.
Somos o mais desonestos possíveis, não suportamos as diferenças de ninguém, não concluímos um único pensamento, somos cansados pela nossa lenta emoção de percebermos que nunca haveremos de poder ser aquilo que outros já foram e por isso mesmo tornamo-nos desistentes dessa longa caminhada.
Falo por mim, por esta trama a que chamamos Natal e que cada vez mais me enfastia e me torna desprezível aos olhos de quem me acompanha. Falo dessas palavras tão feitas de ignorância social quanto desprezo pela vida de quem nos rodeia. Falo pelo fingimento por mim observado em que me tornei cúmplice, toda a minha vida. O nosso maior medo é o de ficarmos sozinhos, sem perceber a que lugar pertencemos, para que casa devemos correr quando o sino toca, a que olhos nos devemos entregar, quando todos eles são azuis. Não sabemos nada – e falo ainda mais por mim
- quando me esqueço que existo. Entre a voz do Jack Jonhson e esse mar que não pára. Ele que espera que tudo isto seja só uma fase e que por isso se deixa enrolar, como a maior parte de nós.
A chuva que caia, lá fora. Hoje, já alguém me trouxe para casa. E logo hoje que nem sequer foi preciso fingir.

Dreams be Dreams Jack J.
28, Dezembro, 04