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Thursday, April 29, 2010

Liberdade é pouco. O que eu quero ainda não tem nome.


Sou um filho da mãe de um romântico racional.
Não entendo nada da vida e já lhe segui todos os cheiros, na esperança que ninguém me seguisse o rasto e eu conseguisse alcançar finalmente alcançar essa liberdade que tanto persigo.


E liberdade é pouco, o que eu quero ainda não tem nome (Clarice Lispector).


Percorri esse mundo encantado dos sonhos e da realidade inerte, da normalidade, das noites onde todos queremos parecer iguais, mas onde cada um de nós espera que alguém entenda que somos…especiais.
Replicadamente, culpei-me. Afinal, vivemos na sociedade em que lutamos diariamente contra essa corrente que se arrasta em culpa e auto-flagelo. Afoguei-me e tornei-me perfeito e acabei por colocar de parte todos os defeitos que me poderiam constrangir, impedir de chegar a esse sonho que racionalmente, não existe, nem para mim. E eu que, como Álvaro de Campos, tenho todos os sonhos do mundo em mim.


Eu que não entendi, como a Clarice, que “até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta o nosso edifício inteiro”. Nunca se sabe em que característica menos apetitosa, que a nossa personalidade inteira assenta. A necessidade de alcançar algo perfeito, inexistente, apresenta-me muitas vezes, como ridícula, patética, infantil.
Impossível de concretizar, impossível de sonhar, impossível mais de conter em mim e fazer de conta que não me perdi na minha própria construção de imperfeições curiosas, desvanecimentos adormecidos, em constante erupção.


Sou um filho da puta de um romântico racional.


É uma dualidade resfriada por pequenos contornos, dúvidas que já não cabem numa adultez cada vez mais firme.
Eu que já tentei encontrar-me nessa rotina envolvente e desgastante, conquistar-me através de definição de objectivos e planeamento de métodos e acções, para no fim compreender, que a essência, afinal, essa, nunca se perde. Apenas se transforma.
Eu não quero viver nessa falsa consciência de que a vida é mais do que isto que agarro.
A vida há-de ser surpresa e sorrisos despegados, encontrar a beleza no mais puro e simples dos objectos. Até porque a felicidade quer-se simples. Sem esquecimentos ou falsas omissões. Sem falsos entendimentos, como se as palavras não fossem muito daquilo que cá deixámos. Que nos fazem, que nos tornam eternos.

Por isso é que Fernando Pessoa se desdobrou em inúmeras personalidades, invento esquizofrénico, motivado pelo consumo de alucinogénicos que nos anestesiam e nos forram a realidade a azul.


Ele sabia que quantas mais palavras escrevesse, em nome de inúmeras personagens, mais facilmente elas deixariam uma marca, pela quantidade de sujeitos que poderiam estar implicados. Haverá mais capacidade de identificação do leitor com cada um dos heterónimos, haverá menos possibilidade de renúncia, já que cada um deles é suposto recriar uma terminologia diferente.
Algum há-de agradar a qualquer um. E assim foi.
Seja Álvaro de Campos, seja Alberto Caeiro, o confronto entre a cidade despedida de emoções, ou as emoções agarradas a paisagens bucólicas, algo nos fará sentido. Pessoa sozinho, jamais faria tanto sentido, jamais se faria entender com tanta graciosidade.


E ele sabia que a realidade era muitas vezes oca, podre demais, para ser retratada pela sua própria perspectiva. Precisava de um novo olhar.


Esse processo de transformação que falta, que é urgente acontecer. Eu quero, à semelhança de Clarice, uma verdade inventada por mim. Um mundo novo, como se tratasse de um verdadeiro autista e permanecesse submerso, talvez suspenso, na minha própria recriação da felicidade e onde não teria mais tempo, a não ser para valorizar aquilo que realmente possui determinação. Até porque ser feliz ocupa muito tempo. Só eu sei o tempo que perderia a fazer tudo aquilo que me dá realmente prazer, aquilo que me motiva e reforça positivamente. E tempo, é algo que escasseia, que luta contra nós, que me aborrece e me constrange.


O tempo é curto para tentarmos compreender todos os erros e eu não posso gastar mais um momento a tentar reparar todas as falhas que cometi na minha ânsia de acertar.
Sou um palerma de um romântico racional. Complexo demais para ideias concretas, simples demais para entendimentos equacionados ao cubo. Essa transposição fugaz de quem tem dificuldade em encaixar-se em qualquer parte do mundo, mas que ao mesmo tempo, encaixa-se perfeitamente em qualquer uma delas.


Bipolaridade não diagnosticada, infecção romântica de quem quer o amor imperfeito disfarçado. De quem já caminhou dos dois lados da estrada e não compreende muito bem, por vezes, muitas vezes, todas as partículas que nos completam. Como se tudo fosse passível de ser compreendido, calculado matematicamente, somando variáveis, utilizando testes t e o spss fosse a nossa melhor janela para o mundo.


“E se me achar esquisita, respeita também, até eu fui obrigada a me respeitar”.


Se a Clarice fosse viva, ela havia de me entender. Nasceu envolta pelos ventos gélidos da Ucrânia e teve as primeiras aspirações no meio do calor tropical do Brasil, agarrada a um coqueiro, imagino eu.
Alguém que cresce, inserida em duas realidades tão antagónicas, só poderia maturar num sujeito mais ao menos, digamos, perturbado. Irreal.
Chamemos-lhe anormal, que deveria ser esse sim, o verdadeiro padrão da normalidade.
Chamemos-lhe “impossível de aturar”, com grandes “limites emocionais”, alguém a quem nos referiríamos como "esse alguém que há-de acabar sozinha numa casa coberta de gatos, que terminarão um grande banquete no dia da sua morte, com uns ossos das suas pernas finas”.

Não, não morreu sozinha. Teve a coragem de admitir a sua verdadeira essência. Não se quebrou, apenas se vergou, algumas vezes, mas nunca morreu dentro de si. Quem faz isto, merece a vida eterna, bem dentro de nós. Quem faz isto, merece um grande amor. Ela sabia que “quando se ama, não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós”.


A Clarice também era uma cabra de uma romântica racional. Fazia de conta que compreendia o mundo, e quando não o compreendia, agarrava-o e fazia-o seu, disfarçava a fragilidade, em transparência pura.


É preciso ser-se forte para se viver com a honestidade, diariamente. É preciso amar o suficiente para aceitarmos as não verdades de quem nos rodeia. É preciso conquistar o mundo e ser-se eternamente feliz, para conseguir suportar a imperfeição. Nem que seja a nossa.
É preciso não compreender nada, como Alberto Caeiro, “porque eu sou do tamanho do que vejo”. É preciso reconhecer. É preciso amar.



“Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir.” C.L.