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Wednesday, February 09, 2005

Condição

O Tempo é o controlador máximo das nossas pequenas vidas. É ele que determina o início e talvez o fim de cada poema, envolto numa paixão que nunca acaba. Queria eu ter tempo para reter em mim todas as memórias a que me proponho, tocar-lhes e conhecê-las, tornar-me, enfim, parte delas. O que fazemos com o Tempo que é concedido a cada um de nós determina aquilo que somos.
É engraçado como já tentei escrever este texto algumas vezes e nunca o consegui. Falar de nós próprios e dos medos que nos assaltam dia-a-dia parece ser cada vez mais uma tarefa árdua que só alguns parecem ter coragem suficiente para a concretizar. Muitas vezes queria eu esquecer o passado, torná-lo fruto dos meus pensamentos inexistentes, porque nunca permaneci nele, nem sei mais se existíu. Em vez disso debato-me com sonhos e imagens que talvez tenham sido criadas por mim, pessoas que povoam o meu tecto pintado com uma cor inconstante, tal e qual como eu. Vejo-me muitas vezes como a Sra. Fisher presa "nestas relíquias de uma vida que nunca existíu", mas que eu sempre idealizei. Tento fotografar dentro de mim os momentos mais sólidos de uma infância marcada por brinquedos que se desintegravam sem que eu lhes tocasse e responsabilidades que não tinham que ser minhas. Conceitos que me implementaram e que agora recordo com a mesma frustração com que sentia o algodão doce a escapar-se sorrateiramente dos meus lábios, sem que eu alguma vez lhe tivesse tocado.
No fundo, a vida continua a ser o maior enigma, a maior travessura de um Deus que nos tornou inesperadamente imperfeitos de mais e que se cansou de nos controlar. Agora, somos apenas marionetas, dispostas na mesinha-de-cabeceira à espera que alguém lhes indique o caminho de volta, de onde nunca deveriam ter saído, de onde nunca devíamos ter saído. Partimos assim, numa sociedade que se une e desintrega, comandada por políticos que se atacam de pijama, fazendo com que retomemos cada vez mais a uma sociedade envolta em teorias sebastianistas, período do qual parece muitas vezes nunca termos saído.
Eu tento absorver o Tempo e pousâ-lo em mim, talvez recolher-lhe a essência e conseguir respirar dentro dele, não controlá-lo, mas antes reconhecer-lhe o toque e o cheiro para que quando ele chegue, eu o reconheça. E é do Tempo que vivem as minhas recordações perdidas em construções e cenários pré-existentes de uma memória programada para me fazer acreditar que tudo valeu a pena, mesmo quando não vale.
"O que mais hei-de dizer sobre uma ruína?Acrescentar talvez que é impossível suster uma ruína só com a vontade" e eu mesmo consciente desse facto tentei sempre achar que o inalterável é sempre ultrapassável, que o olhar indecifrável há-de me levar a um porto seguro, que a cor que polvilha os meus sonhos é de facto azul e não apenas preto e branco, numa realidade sempre condicionada, numa visão sempre influênciada. Continuo a considerar que a capacidade de sonhar é a nossa maior fê e que a morte apenas o início do fim, porque nela tudo se concentra e é nela que todos nos encontramos.
Debato-me a fundo por imortalizar as imagens que criei de um país que resiste a uma colonização contemporânea, fruto do poder da burguesia capitalista e vejo-as a apagarem-se. Tento mantê-las, mas desaparecem, escapam-se um pouco como as soluções para um Portugal que parece não querer sentir o peso da mudança e do progresso, que nos envolve em imagens de relações produzidas em inúmeros takes de uma cultura que não a nossa, de modo a que consigamos perspectivar uma realidade perfeita, de modo a que consigamos idealizar para nós aquilo que tanto ansiamos que aconteça na grande tela. A perfeição continua assim, a ser uma das grandes metas de cada um de nós, onde tudo tem de ser perfeito, constante e dramático.
Construímos então, grandes projectos de uma vida a dois, contemplando um futuro sem passado ou alicerces para que no fim apenas restem ruínas daquilo que tentamos ser e não conseguimos e esquecemos, sedentos de ilusão, que é o Tempo que nos controla e que como Arundhati Roy refere, "tudo pode mudar num dia".
E mudou.

Tentei alcançar o que não tinha
Certo de que o conseguiria
Neguei a culpa que sentia
Apenas para me tornar seguro por mais um dia,
Feliz, dei por mim perdido
num mar de gente que se olha e se arrasa.
Tentei amar em vão
Consciente de que ainda sei onde é a minha casa.
A morte não me assusta pois sei onde acaba
a grande paz que a consome, a vida é que me interroga
Por isso peguei no Tempo e apaguei-o.
"Tudo pode mudar num dia", casas que destroem
palavras que se amam, cheiros que se confrontam
estrelas que se unem, traduções dentro do silêncio.
O Tempo que me leve que ao mar hei-de ser entregue
Como o murmúrio perdido no tempo e na mão de Lídia Jorge
Uma imagem que passa e não cansa, uma memória
memória de um tempo inacabado,
sentimentos que colidem num sonho ainda não concretizado.
Saudade é mais do que Aquilino Ribeiro
é "condensar o mundo num só grito",
é preparar o Homem para o futuro
e construír assim um novo mito.