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Monday, November 06, 2006

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Pensei que a loucura nunca regressaria, que a imposição do momento ficaria sempre, para sempre, estagnada nessa ternura resplandescente e cínica. E é assim que esqueço tudo, entre a fragilidade de saber que nada é aquilo que realmente toco e possuo, que a carne é gorda e feita de matéria impura e que por isso mesmo não respeita nada, muito menos a minha humanidade.
Criei o meu próprio ciclo, fazendo publicidade à individualidade, à independência e à falta de expectativas e por isso tudo se desenrolou nessa irrealidade intemporal. Perdi o sentido daquele negro luminoso que eram os meus olhos perspectivando o futuro que era já amanhã, essa batida lenta em compasso de espera, pronta para me atacar e dilacerar. Guardei a inspiração nessa corrida contra o medo de me cansar rápido, de não querer mais, de ser próprio o realizador, segurar a câmara com a minha própria força e filmar o mais alto e longe possível, a fim de não me incomodar, nem que fosse por um segundo.
É por isso que não sou simpático para com a realidade e o dia que ela traz. De noite tudo é feito desse nojo disfarçado, onde os esgotos dão lugar a esse sofá negociável e onde tudo é perfeitamente perfeito. Olhámos para o Martini e percebemos porque é que Baudelaire diria para nos embriagarmos, porque o fim estava mesmo ali à mão, na distância de um fechar de olhos, onde a morte não seria mais algo encantado, quando acordássemos.
A droga que ingeri soube-me a pouco, talvez porque eu assim o quis. Deixei-me envolver no histerismo de ter aquilo que não esperava, quando afinal ainda mereço mais. E mais. E mais.
Criei assim esse lugar fechado, para que encontrasses outro onde pudesses permanecer. Calei a comunicação, que afinal não fora minha, não me pertencera desta vez – e eu habituado que estava a comandar os passos e os sorrisos, perdi-me na contigência desse fado entoado lá ao fundo, por cima dessa colina onde nunca chegarei para percepcionar realmente tudo aquilo que ouço, com parsimónia. Sempre com parsimónia.
Passo então a perseguir esses carros que me deixam em lugar nenhum. Deveria perceber que estas brincadeiras envolvidas em juras são tudo menos fiáveis. Quem possui alma de criança sabe perspectivar e identificar o falso sorriso por detrás da objectiva, a procura da materialidade e da sedução.
Talvez por isso, e de certeza por isso, não provei esse doce que tanto me foi oferecido e deixe-me estar no silêncio dessa carnalidade descarada, aparentemente disfarçada por essa idade avultada, quase deprimente.
Viajei então, conquistei África, fui ao fim do cabo Bojador e regressei vitorioso de que nada me derrotaria. E por fim, descansei. Deixei-me estar nessa solidão permanente, por ter percebido que nada me traz a paz que jurei que um dia alcançaria.
Esse piano que um dia alguém me jurou que acabaria por tocar tudo aquilo que eu quisesse é agora afinado por mim, acarinhado por mim, embevecido por mim, onde me esqueço da existência do próprio mundo e da batida que me atraia. Esse piano que tantas vezes comandou a harmonia, é agora dirigido por mim, nessa estrada sem rumo, apenas conhecido por mim.
Pensámos todos demasiado, é por isso que me rio cada vez mais, por mim e por todos vocês, porque é aí que me esqueço da minha própria limitação. Desse momento guardo o eterno e não o sabor, a cor e a imagem estática. Fico-me pela noção da ilusão, apreciada por mim, até ao último minuto, na certeza de que irei conseguir mais.
É tudo uma questão de vontade, porque as melhores coisas na vida são de facto as mais simples.
Snow Patrol – Chasing Cars