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Tuesday, May 22, 2007

Ossos

Talvez tivesses razão e eu nunca me devesse ter cruzado contigo. A proeminência da nossa “estória”, como tantas outras resulta num mal conseguido arranjo musical. Não combinámos e por isso nem sequer chocámos. Perdemo-nos nos risos próprios e contínuos de quem não tem intimidade para discordar, pensado que era na ligeireza de uma relação sustentada nos postulados da idade moderna, que haveríamos de sobreviver, onde tantos pereceram.
Não estava preparado, ainda, para suportar que algo viesse acabar com a plenitude moribunda em que os meus dias haviam mergulhado. A serenidade era tanto, que a solidão parecia sempre mais confortável do que um sorriso afável. Deixei-me acomodar nessa inocência que é não precisar de ninguém, que quando chegaste, compreendi que realmente não era de ti precisava.

A verdade, é que não estavas vestida da melhor forma.
A maquilhagem parecia completamente irregular e a dança completamente instável. Com a tua soberba “vodka-martini” deleitei-me a ouvir te gritar “Don´t you wanna feel my bonnes?”. Eras o antídoto perfeito para a minha criação, a fuga para a intemporalidade dos amantes, o amor que nunca quis e que invariavelmente nunca possui.
Claro que queria sentir os teus ossos nos meus, a tua pele a forçar-se sobre mim, por entre os lençóis que acabavam por ser o reflexo da nossa sobrevivência diária.
Quando adormecias neles, julgava-me o homem concretizado que sempre quis ser, mas quando acordava e te perspectivava entre um raio de sol e uma fome insana, compreendia que só te queria o corpo, nunca a alma.
Perdi-me tanto em obstáculos impostos pelos outros, que acabei por me refugiar também eu neles. Pensei sempre que nunca te conheceria, que as tecnologias haveriam de nos enganar, que tu nunca te deixarias seduzir.
Foi um processo tão transparente e conciso que perdeu todo o encanto que sempre vira nele. Os teus gestos tornaram-se em exactidão obrigatória, a tua voz em rotina negligente. Por isso, nunca interiorizavas o que havia dito.
Falavas-me sempre da tese que haverias de completar sobre o comportamento humano, já que de facto sabias melhor do que ninguém como é que este se equacionava, que não viste em mim os desgastes próprios de quem assumiu o fim da dissertação e não está disposto a completar outra.

Antes que tudo estivesse terminado, sonhei, ainda, algumas vezes. Eras tu a sentir os meus ossos a arrastarem-se nos teus, os dois em carne viva repleta de puro prazer, como só tu me conseguias dar. Eras tu e o teu copo, inicialmente sinónimo de irreverência, para depois se tornar símbolo de alienação.
Talvez tivesses razão. Nunca me deveria ter cruzado contigo e colocado a tua imagem na minha recriação melancólica do mundo que criei. Vi-me forçado a combater a linha escorreita, em que se funda a perfeição e o desengano, acabando por retornar sempre às tuas mãos. Mesmo agora, não diria que não, para somente depois de me relembrar desse toque, o dizer em voz alta: Não!
Os corredores da imaginação assumem-se cada vez mais entre a culpa e o prazer, o egoísmo e a vontade de te ter, mesmo quando sei que não consigo.
“Alguma vez conseguirás?”. Foi aí que reflecti e compreendi que nunca te deveria ter oferecido aquilo que não posso dar. Se alguma vez tivesses compreendido a verdadeira essência da pessoa que estava a tua frente, saberias bem que o orgulho que me domina é por certo superior à vontade infantil em te ter.

Mandei-te embora várias vezes, na esperança que por iniciativa própria, não voltasses, que te fartasses do cheiro a lápis e a telas nunca acabadas e fugisses da melancolia que tantas vezes me abarcava.
Nunca tive no olhar o amor que tanto quiseste que te oferecesse. Ias buscar sempre onde achavas que era mais fácil retirar algum descanso. Sentia-te muitas vezes a raiva que te arrancava e te deixava solta, sem que por isso desses conta. Mas nunca me acusaste de ser incapacitado emocionalmente. Mesmo que o soubesses, nunca o dirias.
O resto não te importava. Preferias discutir horas a fio o problema dos estudantes oriundos dos países PALOP, do que correr para esses armazéns que embebedam os adolescentes e os fazem sentir vazios no dia seguinte.
Quando te disse finalmente que não te queria mais, não me chamaste covarde. Tinhas aprendido que a melhor maneira de me manter intacto era pareceres o mais equilibrada e adulta possível, como se fosse isso que significasse ser adulto.
Limitaste-te a dizer que já sabias e saíste. Em cima da mesa estava um texto do qual já só me lembro do final “não encontraste até agora alguém que me substitua. Nunca vais encontrar”.
Volvidos meses, acredito em ti.
Talvez tivesses razão. Por isso, fecho sempre os olhos de cada vez que por mim passas.


Eyes Open – Snow Patrol
The Killers - Bones