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Friday, September 08, 2006

Apatia


Queria conseguir deixar-te ficar entre as palavras que dizes e a verdade inatingível, por entre essa confusão plena em contradição que é o sorriso que carregas em ti, cada vez que me vês.
Usámos tanto esse eufemismo, essa alucinação embriagada, essa provocação da dor a que todos chamámos amor, que acabámos por esvaziar o sentido que carrega e transporta em si. Afinal, fomos mais do que conseguíamos ser, sem que por isso nos déssemos conta, mostrando o que nunca alcançaríamos.
Ainda tentas negociar com a mão que nunca te fugiu, mas que como tudo, não te abraça mais. A solidão a que remeteste a nossa fuga é algo inalterável, porque a confiança é essa cor que se esvazia, cada vez que se borrata com a cor esbaça que é o fim.
Dizer que o tempo, esse animal faminto que sempre levou a melhor, não volta atrás é esgotar-me em pensamentos pouco concretos, repetições que simplesmente hão-de acontecer sempre que o egoísmo falar mais alto.
Gostámos sempre tanto um do outro, que a dor refeita residiu sempre nesse facto. A verdade é que a culpa foca-se no facto de as pessoas estabelecerem hierarquias diferentes de valores e padrões que se chocam de cada vez que se unem. O amor para ti era a palavra proferida, o volante que guiava sozinho, essa boleia para uma tarde refeita de silêncios e mimos inusitados. Era esse brilhosinho nos olhos que dizias ser teu, esse embaciar reflectido no vermelho da camisola que sempre usei. Percebo agora que as palavras sempre foram mais importantes para ti, do que o sentimento que elas carregam e que por isso, só por isso, a sinceridade nunca fez parte delas, apenas porque não as sentias e se transformavam de repente em ouro sobre azul, preciosas demais para serem exploradas e refinadas.
Essa dor ausente de ruído acabou a partir daquele segundo em que o café me impede de sonhar contigo. Perdi-me na noite e na luz, na música estridente, na rua e no martini para não deixar que o amor se mostre na sua plenitude fielmente encarcerada dentro de mim. Mesmo que esta mão queira, não tem como, nem porquê voltar a conseguir libertar-se desses preconceitos e memórias que acabam por me sufocar por entre essa repetição que haveria de acabar por ser todos os oristos por ti escondidos, inexplicavelmente.
A certeza de que o erro não poderá ser novamente cometido não é certo, por entre esta apatia súbita em que o meu corpo se remete de cada vez que vejo o teu rosto reflectido, lá longe, de cada vez que perspectivo por entre a janela que outrora serviu para entrar e que agora, mesmo assim, continua aberta, apenas para que seja eu a sair.
Vejo-te nesse futuro que sempre acreditamos, ingénuos e tontos, ser nosso, porque nunca acreditarmos que amar traz consigo essa inexperiência da dor inexplicável e incurável. A manipulação da absorção, da vontade sóbria, da loucura embriagada que foi quando nos vimos, sempre que nos víamos.
Talvez seja verdade, essa narração por ti contada vezes a fio. Por vezes em que fechei os olhos e calei os ouvidos, fui feliz na minha grande essência, que é querer e poder, fazer e ter. Gostei tanto de tudo aquilo, que nunca achei que não pudesse mais. A apatia deu lugar à impaciência de não poder estar ao teu lado, dessa incapacidade racional.
Precisei sempre tanto daquilo que descreveste, no livro de instruções que trazias, que esperei sempre que a combinação fosse acertada. Despreocupei-me por achar que gostar fosse suficiente para a imortalização da vontade e do desejo.
A apatia regressa. Pelo menos até à inconsciência voltar e eu voltar a perder-me na areia que me consome e regressa vezes sem conta, nessa incapacidade de possuir, quando ainda se quer.
Nunca te conheci e talvez por isso me conheceste sempre tão bem.

Skye – Love Show