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Monday, November 08, 2004

...Porque sim

O Ricardinho diz-me que está farto de ser coitadinho. Quer ser tratado como gente grande, mas nunca encontrou o caminho entre a magia e a realidade que pisa todos os dias. Diz-me que está farto de ser fraco, mas que ainda não esqueceu quem o tornou num espectro de si próprio. Enquanto isso, vagueia pelos dias, tentando ao máximo construir uma enorme casa, onde possa permanecer, sem que ninguém note no imenso buraco estampado na sua cara. As estrelas deixaram de importar, o ar já não permanece, apenas se segura, a ele e às memórias. Gente de quem gostou, gente que nunca esqueceu, gente que amou.
O Ricardinho é assim, um lamentador nato, que por não conseguir ser igual a toda a gente, entregou-se à manipulação dos sentimentos e dos desejos, esquecendo-se que é deles que precisa para reeinventar a sua vida.
O amor tem destas coisas. Conhecê-lo não basta. É preciso tocar-lhe, fazer dele um grande drama, disfarçado de épico numa confusão de cores que despontam no vermelho. O vermelho é a cor do sangue, da dor, da fatalidade, do amor e são todos estes elementos e mais alguns que não me recordo, que constituem a alavanca e o combustível do coração, esse princípio de eternidade.
Quando o amor nos bate à porta, tudo é vermelho, tudo nos traz alegria e sentimentalismo. Somos levados a pensar que virámos daltónicos. Os campos são vermelhos, o céu é vermelho, a professora de matemática disfarçada de ensinadora, o motorista do autocarro apanhado no tráfego de uma cidade que não se compreende. O Ricardinho também viu tudo vermelho. Descobriu depois que os campos apenas são vermelhos para aqueles que amam e são amados. Para os outros, o amor nasce como uma doença incurável, onde só o chão nos segura.
-Há respostas humanas para aquilo que não é humano? perguntou-me o Ricardinho certa vez. De facto, há muito que me debato com esta questão, do seu princípio até ao seu seguimento. O Ricardinho não estuda, refugia-se na sua casa, de onde raramenta sai, cumprimenta todos com um olhar temente. Tornou-se temente. Quer fugir e não tem forças. Fugir de onde não sabe, mas quer. Já não o incomoda que saibam que é coitadinho, incomoda-o ainda o ser, porque o sentimento é tantas vezes posto de lado, mas raramente esquecido. Lembra-se de tudo ao pormenor, do bater do coração, das voltas na barriga, do toque, do sabor, do cruzamento dos olhos com a boca, numa interminável corrente de sentimentos que esperou nunca mais acabarem.
Gostava muito de responder-te Ricardinho, mas não sei. O que sei é que o amor faz parte das coisas não humanas e que por isso mesmo pode não ter resposta. Costumo dizer que a única maneira de saber se alguém gosta de nós, não é fazerem um inventário metódico e conciso de todas as nossas qualidade, que só raramente saltam à vista.Não há resposta mais coerente como a tautologia " Porque sim".
Talvez não haja realmente respostas humanas para aquilo que não é humano Ricardinho. O amor faz parte daqueles conceitos que não se explicam em palavras, gestos, desenhos, músicas, filmes. Eu já amei...porque sim.