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Thursday, December 09, 2004

Objecto - Romeu e Julieta II

Ela sorriu. Naquele dia era tudo tão estranho, tão cinzento, tão metafórico que se sentiu pequena e humilhada, ali mesmo frente a um sorriso que lhe prestava a negar toda a evidência da sua vida, baseada no amor. Ali mesmo, por entre uma mão que ele teimou em não tocar, num coração que recusou segurar.
Há diferentes formas de amar e também de demonstrar esse amor que sentimos por alguém próximo e pertencente. Sim, porque o amor transforma-nos em objectos instáveis e recorrentes, em que somos apenas aquilo que ele quiser que nós sejamos, porque não escolhemos quem amamos, porque não amamos quem queremos.
Ela sorriu. O sorriso pode também ele ser portador de uma carga incrivelmente paradoxal, carregada de falsidade ou de honestidade. Pode ser o bilhete de identidade de uma pessoa saudável, ou simplesmente impura, como as palavras que escrevo.
O sorriso queimava-a por dentro, porque ela não podia chorar, ela apenas queria chorar, ali, nos braços dele, perguntar-lhe porque não a queria, pedir-lhe para que ele a quisesse. Queria voltar atrás e deixar de existír e encontrar-se com ele antes dos treinos, pretexto básico para qualquer enontro, como são todos os encontros de alguém que está incrivelmente apaixonado, como ela.
Estava habituada a viver o papel que cabe a uma mulher como ela : ser amada e cortejada até à última sílaba, última ponta da saliva, último caracter na mensagem. Nunca ter de esperar, porque nunca foi habituada a tal, nunca ter de exigir, porque nunca precisou, nunca pedir, porque tudo lhe era oferecido, naturalmente.
"Não tornes as coisas mais difíceis".
É difícil negarem-nos a nossa fonte de sobrevivência máxima, onde de repente nada nos faz sentido e o quarto escuro parece ser o nosso melhor amigo. Ela queria apenas que tudo continuasse. Já não lhe interessava se era a única a manifestar os seus sentimentos, já não se importava se não recebia a mensagem portadora de uma carga sentimental capaz de a arrebatar, apenas queria estar com ele, como sempre havia estado : sozinha.
"Não tornes as coisas mais difíceis" e afastou-se, negando-lhe aquele beijo que a faria esquecer porque é que chora tanto e demasiado nos ombros de qualquer pessoa que a entenda e não lhe tente dizer aquilo que ela tanto deseja ouvir.
É estranho como o ser humano se envolve em contradições plenas e escorreitas no percursso da sua vida sentimental que desagua por todos os outros campos que a constituem. Ela, como tantas outras pessoas, já teve aquilo que agora reclama como seu. Alguém disposto a depositar em si todos os futuros de uma vida, repleta de sentimentalismo e alucinação como só o amor pode ser. Já teve alguém que a enjoou com tanta paixão e agora quer voltar a sentir o mesmo enjoo, só que ele não regressa, simplesmente porque as pessoas não são iguais, simplesmente porque o sentimento não é o mesmo, desde o início.
Procuramos tanto por um equilíbrio perfeito, que nos esquecemos que a perfeição é um mito, do qual não existem provas concretas e plenas de que alguma vez ele tenha existido. Tentamos procura-lo em todas as faces que por nós passam, mas esquecemo-nos que nem todos procuramos o mesmo.
Ela sorriu e só chorou quando ele saiu. Porque a lágrima era dela, apenas dela, quando caiu e não voltou mais. Ela sentiu-a a rastejar e a respirar pela sua cara, como se fosse a marca do fim, a marca da morte de algo que começou na altura errada, provavelmente com a pessoa errada.


"Aperfeiçou-o a focagem
Olho imagem por imagem
Numa comoção crescente.
Enchem-se-me os olhos de água!
Tanto sonho!Tanta mágoa!
Tanta coisa, tantas memórias!
Tantos sonhos e tantas aventuras
ou desventuras...
Tanta vontade de reviver o passado
Pensamento num tumulto permanente
Que não cansa nem descansa
Um rio que no mar se lança...
Pensamento em busca de uma justificação ou simplesmente perfeição
Para tanta dor e mágoa...provenientes do amor.
Que irónico é amar..."


Ela vivia numa ilha, protegida por um sonho desbastado dia a dia, em sonhos em que se ria sozinha, em sentimentos que permanecia sozinha. Não há uma razão válida para um fim tal como nunca houve para um começo. A vida é feita do acaso e é no acaso que podemos meter a responsabilidade permanente.
Ela vai ter de continuar a sorrir, se quiser voltar a sentir, porque todas as histórias de amor são trágicas, porque todo o amor é trágico, porque Romeu e Julieta podem ter de facto existido, mas o amor que os matou, também.

p.s. you are my shadow mary, just like i´m yours.