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Wednesday, June 16, 2010

Vida Eterna



Quando eu morrer.


Quando eu morrer quero uma festa repleta de bom vinho, champanhe e sushi.
Quero que as pessoas me recordem como eu verdadeiramente fui e que espalhem a palavra por entre todos aqueles que aparecerem, apenas para apresentar as condolências e os pesares plastificados.
Quero que chorem, mas apenas de alegria a relembrar os momentos felizes passados entre os confins dos sentimentos que trocamos, bem por dentro da intimidade que fomos partilhando, como diria Eugénio "Passamos pelas coisas sem as ver, gastos, como animais envelhecidos: se alguém chama por nós não respondemos, se alguém nos pede amor não estremecemos, como frutos de sombra sem sabor, vamos caindo ao chão, apodrecidos."

A vida é feita de partilha nesse dia único que é hoje.
De partilha, de resmungões, de contradições, de massa cinzenta a deambular e tentar encontrar uma nova perspectiva, uma nova compreensão de tudo aquilo que não pode ser refeito, de tudo aquilo que não é passível de ser conduzido a um porto seguro, que é tudo aquilo que todos almejamos, embora não o admitamos.


Quando eu morrer,


Quero que se lembrem dos meus defeitos e na possibilidade de neles serem encontradas qualidades, que é disso que é feito o amor.
É urgente o amor
O amor que partilhamos, o amor que entregamos entre tantas contingências, entre tantos problemas de uma classe média que se submerge diariamente, mas não se afoga.
O mundo, é feito da classe média, é nela que residem os maiores sonhos e as maiores frustrações, o reflexo de uma sociedade neo-liberal que promete a vida eterna, entre revistas mais ao menos cor de rosa, e cirurgias à pele, que apenas nos envelhecem um pouco mais por dentro.

A classe média é o gume de uma sociedade em extinção, ela mesma em desaparecimento, abalada por crises económicas e promessas de uma nova Ordem Social. Entre empregos que não se compadecem com as suas aspirações ou competências sociais ou profissionais.
Ao mundo, pertence a cor das férias de Agosto, a Sócrates pertence os sonhos da classe média que receia não existir mais, dentro de alguns anos, dentro de um PEC que não conta com um futuro, dentro de programas executivos e comissões que se mostram desgastadas, dentro de dias e que apenas nos revelam os fracos governantes que temos, que possuímos, que elegemos e que, irremediavelmente, se esquecem de nós.
Esquecem-se dos 350 euros do crédito da habitação, dos 70 euros do LCD comprado a prestações na Rádio Poupular, apenas para não termos de gastar dinheiro a ir ao cinema e podermos ver o Avatar em HD.
Sócrates mata-nos diariamente. Ele e todos os pseudo-intelectuais que bebem chardonnay no Labirinto e depois seguem para o Twin’s da Foz.
Por isso, e por ser urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas e descobrir rosas e manhãs claras, citando Eugénio de Andrade, quando eu morrer, quero que vivam todo um momento rico em tudo aquilo que for merecido. Um momento único, um momento a ser partilhado com aqueles que gostavam de mim e que não se vão esquecer de continuar a sonhar, a pensar, a existir, perante todas as equações falsas que a vida nos apresenta.


A vida não é bonita, a rotina cansa, as relações desgastam.


A verdadeira beleza de estar vivo é a alienação de todos estes pequenos tudos e a concentração máxima e infinita e perpétua, nesses pequenos nadas que a vida nos vai deixando, sem que muitas vezes, nos dê mos conta.
A vida social não tem tendência a melhorar. Iremos todos submergir na total dependência externa e já o sabemos.
Não vamos poder contar com o subsídio de Natal para comprar mais presentes que não fazem falta nenhuma a ninguém e que são esquecidos durante todo o ano, não vamos poder passar mais 15 dias no Algarve com o subsídio de férias, porque será cortado.
Em vez disso, podemos todos aproveitar para dizermos aqueles que amamos, que gostamos de co-existir em conjunto e que é isso que vale realmente a pena, que é isso que deixamos para trás, quando desaparecemos.


Não podemos desaparecer enquanto cá estamos. Simplesmente não faz sentido, não tem lógica e o amor precisa de toda a razão possível. O amor, sempre o amor.
E não existe Poli-amor que possa arrebatar esse amor único e possível, que é gostarmos de estar vivos e amadurecermos e vivermos com as várias cicatrizes que a porra da vida nos traz, quando o que queremos é um abraço, quando o que queremos é que toda a gente de quem gostamos viva e viva bem.
E para isso, não precisamos de grande inteligência. Só precisamos de sentir.

Quando eu morrer, hei-de ser eterno no coração de quem amo. A ti, a ti, a ti e a ti. E a ti.
Amo-te.
"É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,ódio, solidão e crueldade,alguns lamentos,
muitas espadas."
Eugénio de Andrade