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Saturday, October 02, 2004

A sobrevivência da tristeza

Já não sei escrever.
Durante este tempo que me submeti a uma hibernação forçada, apaguei da minha memória todos os processos de aprendizagem, para me fazer suficientemente insensível para não perceber aquilo que se passava à minha volta. Agora, considero aprendido todo o processo de sedução em que as pessoas normalmente se entregam, vítimas delas próprias e de uma sociedade em constante mutação que não dá tempo ao comum do indivíduo a fazer aquilo a que todos nos propomos, mas poucos conseguimos - a auto-superação.
Com o olhar, e há-de ser sempre com o olhar, aprendi a detectar as pessoas tristes, cuja sobrevivência buscam na crueldade, porque esqueceram-se da alegria que pode e deve ser a vida e por isso não conseguem ser felizes na imensa solidão que os abraça. Quando me prometeste fazer feliz, depois de tantas vezes me teres negado isso mesmo, e todas aquelas coisas que as pessoas precisam de dizer e ouvir para que não se sintam tão sozinhas e perdidas, acreditei para não deixar de acreditar em vão tudo aquilo que outrora havia eu sonhado para nós dois, quando apenas acordar ao teu lado era bom, apenas por isso. Talvez eu tivesse enganado, talvez nada fosse como eu suspeitava e todas as conjecturas estavam de facto erradas e não havia nada para além de ti, que me fizesse voltar atrás em todas as minhas convicções dignas de um promissor candidato a deixar a vida fantástica que é a adolescência, para concentrar-me no declínio que é para a maior parte de nós a vida adulta, que nos encerra em tudo menos em nós próprios, fazendo-nos esquecer que existe mais vida para além do nosso quarteirão e que no fundo, estamos todos a lutar por algo igual, algo único, algo universal.
Contigo vi-me sempre a ficar sozinho, numa relação onde eras apenas um espectro que de vez em quando se propunha a acompanhar-me e a ditar as fronteiras dos meus passos, como se eu nunca tivesse sido livre, como se eu alguma vez o pudesse deixar de o ser. Achavas sempre que me acabarias por dar a volta, mas esqueceste-te sempre que não me compreendias e que como não sabias onde era o meu princípio nunca poderias determinar um fim. Não houve um terminar violento e abrupto, mas ambos sabemos que não existe nada que nos ligue intrinsecamente e que por isso estamos confinados a separarmo-nos.
Quiseste-me fazer o teu amante, mas esqueceste-te que é nas palavras que confio mais, que apenas queria algo em que pudesse confiar, para me libertar, para confiar...Gostava que tivessemos sido amigos antes de amantes ou simplesmente namorados. Gostava que não achasses tanto de ti, como se a minha presença te diminuísse. Gostava que não te prendesses tanto aos corpos, ao sexo e à tesão, mas confesso que foram das únicas coisas que consegui arrancar de ti, independentemente de isso ser bom ou não.
Acho que no fundo, gostava que tudo tivesse acabado numa longa conversa, para que não ficassemos com mágoas infantis e infundadas acerca da nossa relação, mas para isso era preciso que gostasses, soubesses conversar e isso certamente não é apanágio das pessoas tristes. Que consigas ultrapassar, transformar, superar a ti, apenas a ti, para que a crueldade cesse e a alegria resista.