Followers

Thursday, December 15, 2005

AUSCHWITZ II - BIRKENAU

Apesar de ainda não possuir a grandeza para escrever o que sinto acerca dessa emoção estrangeira que habita por dentro desta entoação que é ver a destruição do mundo à minha frente, vou tentar transcender-me a fim de remeter no peso das palavras essa explicação canalizada através do meu olhar.

Faço parte deste mundo ocidental, que não raras as vezes, prefere pensar que o erro habita sempre do outro lado do mundo. Não temos tempo para nada. È tudo uma questão de escolha, de ter uma alma que se apoquenta com os pormenores do vizinho, com os horrores que se passam no piso por detrás do nosso, nas mais eternas variações da história.
Quando vemos alguém de pele escura, mergulhada nesse castanho que esperamos que no Verão seja nosso, pomo-nos atentos e desconfiados, apenas porque é sempre assim que nos querem, desconfiados, atentos e competitivos. Temos o preconceito contra toda a gente e mais agora, contra essa religião incompreendida, apenas para fazermos esquecer o quanto somos também perversos.
È essa maldade que vive em todos os seres humanos, que coabita lado a lado com as paredes e o choro de quem por lá passa. Pelos turistas que insistem em tirar fotografias, comprar poster’s para depois colocarem no quarto, onde dormem sem sequer pensarem que algo igual ao que assistiram através de imagens e objectos, se passa nesse preciso momento e com a sua inconsciente ajuda.
Somos todos culpados, uns mais do que os outros, pelo que se passa no mundo, por esta alienação constante. Se antigamente ser alemão consistia num derradeiro e eterno pecado, hoje o ser muçulmano consiste no mesmo conceito, não fosse este mundo uma estrutura de conceitos neuróticos, uma vontade irrepreensível em catalogar tudo e todos, apenas para nos sentirmos mais seguros.
Auschwitz consiste também, nessa alienação constante que é o sistema capitalista que nos cerca e abandona numa solidão angustiante. Mostram-nos imagens e desenhos, como se tudo se passasse há muito tempo. Deixam-nos andar por ali, duas eternas horas, em que vemos fotógrafos inusitados e irresponsáveis e desejosos de recontar a toda a gente que ali estiveram. Nesse mesmo local onde milhares de pessoas morreram, apenas porque lutaram pela liberdade de serem quem eram.
Auschwitz é um museu. Apenas isso. Uma memória pouco real do que se passou, em que tudo está colocado de maneira a que uma pessoa se esqueça, que chore e que respire de alívio, como se o que fosse ali representado não fosse o desmanchar desse sonho europeu em ser ideologicamente perfeito e irreal.
O pior, ainda está para chegar. O pacote turístico de que faz parte esta grande viagem onde acorrem multidões dispostas a viver um pouco daquilo que nem sonham que se viveu, contém ainda um bombom recheado de realidade e estremecimento. O campo onde tudo realmente se passou. Onde milhares de pessoas viviam, trabalhavam e morriam. Onde se pode ver as humilhantes condições em que estas pessoas acordavam, os quilómetros de habitações degradadas, as enfermarias onde eram mortas as crianças ou onde se faziam experiências médicas com as mesmas. Uma das maneiras mais usuais para se matar uma pessoa era levá-la a trabalhar sem cessar. Inevitavelmente, acabariam por morrer, estafados e cansados.
Não foi tanto o facto de poder ver o cabelo que era tirado às pessoas para depois serem tornados em colchas ou os vários métodos de tortura. Em Birkenau (Auschwitz II), o segundo campo de concentração, era uma realidade desmedida. Neste via-se a imensidão dessa tortura, um espaço que a visão não encontrava o fim, onde nada havia sido tirado do sitio, mas que em nada chocava os visitantes, não viessem estes já cansados e banhados em lágrimas do teatro que haviam visto durante duas horas.
O que me mete mais medo, são as pessoas que por lá passam e se perguntam como alguém pode ter tido a coragem para exercitar na prática um plano tão maquiavélico. São apenas vitimais do sistema neo-liberal que faz com que se esqueçam que hoje em dia, tudo se continua a passar, seja em África, seja no Egipto ou em Cuba. O que determina não é tanto a ideologia, mas antes o sentido de que não há vida para além desse mesmo pensamento castrador.E depois, continuamos ainda com essa mútua sensação do que o que ali se passou, foi algo contra os judeus, algo que nunca nos afectará a nós. E como nos enganamos!As principais vítimas foram sobretudo polacos e russos que lutaram contra a ocupação. O que ali se passou e continua a passar nos dias de hoje, foi uma luta contra os direitos e princípios humanos. Negros, deficientes, homossexuais, ciganos, franceses, ingleses, enfim, pessoas. O que importa é que eram pessoas cuja vida foi tirada, sem justificação. Toda a gente tem direito a escolher a sua identidade sexual, a sua religião, a sua nacionalidade ou de quem gosta. De cada vez que alguém é julgado por ser muçulmano, homossexual ou negro, estamos a reviver toda esta panóplia de sentimentos que julgamos não serem nossos.
Somos todos iguais e cada vez mais tenho a certeza disso mesmo. Aqui na Polónia ou em Portugal, encontro o mesmo tipo de pessoas. Pessoas que me atraem, pessoas que vomito de cada vez que falo com elas. Deveríamos ser todos sinceros e não precisar de exigir ou fazer aquilo que não queremos. Temos tão pouco tempo para fazermos e sentirmos aquilo que verdadeiramente nos faz feliz que nos deveríamos deixar de preocupar com o que realmente não nos acalenta o coração.
De livre vontade, reflictam se fizer algum sentido.