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Monday, April 07, 2008

Extinção VII


Apetecia-me matar-te, a fim de saber onde finalmente te encontrar, apetecia-me correr para não ter de me encontrar lá fora, para poder esconder a espera de uma cura que não existe, para o estado em que te encontras.
Há teorias que dizem que tu ouves e sentes em alguns momentos quem te rodeia, mas se isso fosse certo, já me terias respondido.

Em tudo o que somos
Em tudo que fazemos
Resta-nos a coragem de sermos.

A mim, resta-me a vontade de não te esquecer e continuar a seguir as encruzilhadas pelas quais te vou seguindo, sem nunca esquecer a memória dos teus actos. Como tu dizias, a “acção ultrapassa sempre a palavra”, por isso mesmo nunca te preocupaste em contemplar-me com um futuro, se o presente contigo conseguia superá-lo. Concordavamos os dois que esse infinito é confinado para as pessoas que vivem de uma forma metodica e perfeita demais, para ser incluída na nossa realidade e que por isso mesmo não podiam ser tão felizes, apenas porque se preocupavam com aquilo que não tinha garantias que haveria de chegar. A ilusão é sempre mais fácil de abraçar para cada um de nós, é por isso me agarro á veracidade do teu corpo que ainda posso apalpar.
Tenho tanto sono, que perdi o contexto das interacções. Como sou mecânica em tudo que faço, não causa grandes distúrbios a nível profissional, até porque sei que eles vigiam todos os meus passos.

Quem são eles, afinal?

Cometo sempre o mesmo erro. Imagino-me sempre numa realidade cruzada em que tu és mais do que uma memória que diariamente faço por manter dentro de mim. Dou por mim a dançar contigo, em pleno Rossio, envoltos nessa grande gargalhada que aprendi a saber soltar contigo.

Só comigo.

E rio-me sozinha, agarrada às minhas próprias conveniências, à solidão que instaurei entre mim e os fantasmas que diariamente convivem comigo e me fazem gritar bem alto, para que se calem e não me tentem dar escolhas, novamente. Por entre o orgão que ouço fascinada, mas sozinha.
Este é o único momento em que tenho medo de ter perder, o de nunca mais me lembrar da forma como olhavas o horizonte e me revias, na forma que te inserias no universo, na forma como me declaravas o lado bom que só existia quando sorrias, a forma como me acelaravas, só para poder seguir a tua insensatez de viver, realmente.
Tenho medo que te esqueças de mim e nunca mais me recordes como sempre me prometeste que o farias.
Planeavamos muitas vezes uma separação, o que fariamos e de que forma reagiriamos, mas nunca julguei que acabaria tão patética como me declaro agora. Eu, que sempre seria a independente e te comprimentaria com um novo vício agarrado à mão, eu que me esqueci de te dizer que te amava tantas vezes, eu que te menti vezes sem conta.
“Não suporto a ideia te ficar com o mesmo homem para o resto da eternidade” e tu compreendeste. “Eu também não, por isso quero ficar contigo” e eu ria-me novamente. A ideia de conseguir ter algo que deixou de ser suposto conseguir terl fazia-me mais forte do que as outras. Adorava chegar de mãos dadas contigo, para que toda a gente compreende-se que eu não me afogaria antes de começar a nadar.

A ideia de ter
A noção de querer
A fuga de morrer

Principalmente diante dele, que tinha sido o último e o mais pertinente, o que fazia questão de aparecer quando eu não estava e que continuava a tentar contrariar o que só tu querias.
Foste tu que quebraste as minhas crenças científicas, onde só assim tudo fazia sentido. Se a sexualidade é algo com que se nasce, uma convergência de factores x e y, onde é que está essa correspondência na contração dos músculos que tinhas, sempre que te vinhas comigo?
E onde é que eu coloco toda a suposta sabedoria e adoração pelos fornecedores de tantas teorias da treta?
È suposto que tudo corresponda como nos ensinam, que tudo corra certo, como daquela vez que me ensinaste a fumar e eu parecia uma criança rebelde que só aos trinta anos é que soube a que é sabia uma chiclete de mentol.

Sinto falta do teu sexo.

Em todas as coisas que acabaste por me mostrar, o sexo acabou por se tornar a mais lúcida e real. É surpreendente o que a idade ensina a um homem. Sabias perfeitamente onde me tocar, como me aliciar e acima de tudo, como me dominar.
Nós mulheres contemporâneas, vítimas de uma sociedade que cresceu em volta de um complexo ultra-machista, gostamos de mostrar que mesmo na cama somos nós que controlamos e determinamos as acções, para no fim, apenas termos a vontade inócua de sermos subjugadas e acariciadas, em todos aqueles pontos que só tu sabias alcançar.

Só eu.

O sexo, sempre me pareceu uma arte sem instrução e por isso mesmo, nunca me dediquei demasiado a ela.
Gosto da pesquisa acertiva, da combinação de células e placentas, de transfusões e operações que determinam a vida e muitas vezes apenas a sobrevivência. Por isso mesmo sempre me pareceu desinteressante algo que se aprende baseado unicamente no empirismo.

Onde estás?

Quando passo pela tua cama, tenho esse desejo irracional de te despir e tornar-me novamente livre, naquele mesmo local, para que toda a gente soubesse a capacidade de transcendencia que tu és capaz de criar e que eu nunca te disse.
Apetece-me anotar todas estas confidências atrasadas, apetece-me chorar a ver se voltas nem que seja por pena e me contas a que sabor sabem as estrelas, que tanto me ensinaste a amar.
Apetece-me que me leves contigo para que possa ver tudo aquilo que tens para me oferecer, ainda.

E ele?

Ele é a forma que tenho de conseguir perdurar-te através da raiva e da frustração, um pouco mais. E eu não me importo que ele seja impertinente e inconveniente, agora que não tem mais razão para não o ser.
Tenta brilhar sempre por cima de mim, mostrar o quanto foram felizes e que a culpa de tu não estares connosco é unicamente minha e da mania que tenho em transcender as regras impostas por alguém que eu não conheço e por isso mesmo, não devo respeito.
Conta-me ele da lua-de-mel, em que foram para essa terra de europeus perdidos, enquanto me oferece um pouco da cachaça que compraram por lá. Eu aceito e peço outra. Estou com sede e sem paciência para apreciar seja o que for.
No fundo, adoro este tormento. Faz-me destruir todas as certezas que algum dia julguei ter em relação a algo ser inalterável, que haja algo que não possa fazer, a menos que não o queira.
Tudo depende de nós e tu dependes de mim. E ele sabe.
É exactamente por isso, que não toca em nenhum aspecto sexual profundo, por muito que lhe apeteça. Eu sou uma espectadora assídua de tudo aquilo que ele diz e dos gestos que ele faz. Mostra-me a fotografia da filha, linda, com 15 anos na altura. Diz-me que te chamava de tio e que te respeitava, que te contava tudo, um pouco como toda a gente.
Essa tua forma de agradares e saberes sempre quando dizer as palavras certas, no momento em que as pessoas pareciam estar sofregas para as ouvir, só te trazia benefícios.
Enquanto ele me serve cachaça, sinto-me a beber-te e a respirar contigo e esquecer que sei demasiado. Imagino-vos na cama e não sei onde vos encaixar. Gostava de lhe perguntar em que posição faziam, como faziam, quando o faziam e mais do que tudo, quem o fazia.
A partir dos media, mostram-nos sempre que uma relação entre dois homens é composta por um que acaba por ser sempre mais do que outro e nada disso parecia fazer sentido, enquanto o olhava, enquanto o olho, ainda.
Pergnta-me se tenho sono, se me quero deitar e parece-se um pouco com a delicadeza com que tratavas todos os desconhecidos, mesmo aqueles de quem á partida não gostavas. Aceno com um não e ele continua. Viajo com ele.
Vou de Salvador até Porto Galinhas, mergulho no fundo do mar, mesmo com o medo que tinhas do inesperado do oceano que não dominavas e sinto-me tão mal que acabo por vomitar.
Garanto-lhe que estou bem e saio com a mesma velocidade com que tu o farias, se pudesses andar, sequer.
Apetece-me voltar e matá-lo também, mas tenho medo que assim, te encontre mais facilmente do que eu e por isso mesmo deixo-o estar. Sinto-me consumida por este tempo ameno que corre e apetece-me ouvir-te a sussurrar que eu tenho aquilo que é preciso para te libertar.
Não digo mais que não estou perdida, que gosto mais do escuro, porque é o único sítio onde não consigo perceber o quão sozinha estou e que não tenho formas de te mostrar tudo o que continuas a significar para mim.
Se o tempo fosse correcto, nunca me tinha deixado tanta fome de te querer, cá por dentro. O tempo contigo foi rápido,conciso, mas rápido e por isso mesmo, ninguém acredita que se algum dia acordares, queiras ficar comigo.
Acham que a verdade daquilo que queremos e que realmente sentimos como importante, vem quando temos a consciência que podemos morrer mais facilmente de um simples atropelamento enquanto tentámos passar para o outro lado da estrada, do que de doenças tão complexas e mortais como a sida ou cancro no cérebro.
Acabo por adormecer no táxi, a ver se por algum motivo o condutor me deixa ficar com ele e eu não tenho de constatar o vazio que é a casa onde habito. Onde tudo cheira a apatia, carregada de uma certa esperança mórbida em te encontrar.
Não sei se morra, ou se espere por ti.


Best Friend . Adele Chasing Pavements