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Wednesday, April 06, 2005

O Segredo II

Uma decisão é sempre algo de corruptível e efémero. Um conjunto de acções e motivos pelos quais nos podemos afundar mais tarde, sempre mais tarde. O arrependimento é algo que nos satura e nos persegue, sempre e todas as noites quando abrimos os olhos, apenas porque temos medo de os fechar.
Não, não é dos cada vez mais aclamados espectros de quem temos medo, nem das vozes que ecoam e riem por entre as paredes. É da Visão que nos atormenta, do tecto que não escapa, do mundo que se rende à forma mais enfadonha de passar por si próprio, sorrindo ao Tempo, deixando-se enlamear por ele, passando a ser apenas um apêndice da sua própria magnitude.
Joana tomou a decisão de procurar algo que não existia, de confiar profundamente em algo que simplesmente não aconteceu. Em algo que nunca aconteceria. Ela como muitos de nós, divide-se agora em conjecturas acerca de um futuro que não previu, rodeada por palavras que não se fixam no ar em que já viveu e que aspira a custo, muito custo.
"O que buscava Era, como qualquer, ter o que desejava."
E agora desejava impreterivelmente uma forma de não ser sugada pela decisão de tentar fugir ao tecto que lhe tentam determinar, a um conjunto de acções vazias, decorrentes de uma modernidade que é absorvida pelo Tempo, por um esquecimento que não compreende mas que se deixa rodear, por uma realidade que não concebe como um futuro, mas que a torna mais segura de que o que a rodeia pode ser a cura para uma infelicidade mais saudável.
Enquanto corre pelo imenso leque de sentimentos materializados em objectos que todos gostamos de possuir, é tentada a voltar atrás, quando não permanecia nem continha em si um Segredo, em que o desespero era não poder acordar e mentir para si própria que poderia ter muito mais do que alguma vez teria; que há certas coisas que nunca poderão não ser nossas.
Entrega-se assim ao vício da deambulação. Corredores que a sufocam e a fazem permanecer pequena e frágil, talvez gorda pela decisão que carrega dentro de si, mas sempre empenhada em desesperadamente excluír-se da sua própria vida.
Mete pena a coitada. Não passa de uma enorme sugestão das suas próprias conquistas. Procura ela - e afirmarei mais tarde- como todos nós, essa insustentável leveza do ser, para que apenas o mundo que a rodeia lhe volte a interessar, para que volte a ser aquilo que nunca quis ser. E nunca mais conseguiu ser.
"Amor, que insensatez"
E todos os segredos são actos de profunda paixão pelas palavras que não se fixam no ar, criando uma melodia que não nos convence. mas que nos acomoda em toda a sua magnitude, sem que ninguém nos desperte para a sua corrosiva essência. No fundo, todos os segredos são suicídios em série, porque é uma doença que nos degenera, nos faz combater com a nossa própria integridade e que mais tarde voltará para nos subjugar ao nosso próprio desespero. Desespero que não larga, que se torna a nossa mesa e a nossa cadeira. Que se tornou o olhar de Joana, que a dominou e faz parte já de si. Parte integrante do seu ventre, da sua carne, do seu cheiro. Cheiro putrefacto, daquele que nunca mais esqueceremos, daquele que não queremos ter opurtunidade para tal.
O segredo envenenou a Joana, tornou-a mercê da sua própria solidão e da Casa que agora habita, por entre animais e vozes que a ordenam, que a tentam, que a matam. E eles sabem...
"Amor, que insensatez"
Mas ela nunca previu que a diferença é algo que separa aquilo que queremos e aquilo que alguma vez obteremos.
"Porque o chão que pisamos pode ser nosso
Porque o mundo em que permanecemos pode ser nosso
Porque o coração que carregamos pode ser nosso
Mas há coisas que nunca serão nossas".
Não há definição possível para a total perda de sentidos. Quando ela cai, é erguida pelas próprias águas em que se afundou, rapidamente. Queria Ela voltar, perder-se nessa estética que tanto nos atrai e tanto nos falam, nessa igualdade que não existe, nessa liberdade criada, recriada. Inútil.
Agora, percebe que nunca será livre, que não passa de um vulto enclausurado nessa Casa que construíu e deixou morrer por entre a sua própria inocência coberta de prazeres que procurou.
Talvez os tenha encontrado.Mas agora
"Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!" pensa de si para si.
Porque o esquecimento é um acto de profunda vontade e o amor será sempre a mágoa mais patente em todas as caras que o alcançaram. Porque talvez existam coisas que nunca poderão ser nossas.
Coisas que erram, coisas que pairam. Coisas. Coisas que nos enlouquecem, coisas que não param. Coisas que nos fazem semicerrar os olhos e voltar para o aconhego do colo da nossa avó, quando cozinhava aquelas apetitosas folhoses de ouro, que fugazmente desapareciam, mas que rapidamente se digeriam.
Ah!, queria Joana voltar atrás, construir uma determinação mais encorajadora, dançar com a graça de permanecer, correr por entre a fome que tinha de viver.
Queria ela perceber se o Segredo que a torna cada vez mais pesada valeu de facto a pena, se o Deus que a cobre lhe renunciará o seu lugar devido a uma decisão, que a tornou imperfeita demais, perdida para sempre nos corredores da sua própria existência em que já não reconhece de que natureza é aquilo que a rodeia, em que sangra porque é consumida pelo sono que não a seduz. Em que sangra, tentando a todo o custo alcançar a luz que a alicia,a morte que nunca chegará, a vida que nunca mais voltará.
"Amor que insensatez"
A Joana perdeu-se na tradução do seu próprio segredo.