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Tuesday, June 09, 2009

Morte Clara - Sozinha II

Morri e ninguém me avisou.
Vivi depressa demais e ninguém quis saber. Ninguém interpretou os risos perdidos pelas madrugadas, as rugas a crescer e eu sem querer saber.
Morri sem saber como e agora já não consigo sentir o cheiro a erva por entre a luz Clara, perante a consciência de ter falhado perante a minha própria inconsciência e vontade de vencer. Chamavam-me princesa, mas isso acabou quando ouvi o som da porta a bater e cresci para o mundo perante a viagem vertiginosa que era sentir o teu calor junto ao meu corpo, de mãos dadas, na profusão da nossa cama.
Lá fora, ninguém sabia, mas toda a gente suspeitava. Nós não queríamos saber
Escreveste-me uma vez que o meu sorriso ainda haveria de ser o reflexo da palma da tua mão e enquanto te vejo novamente, talvez pela última vez, vejo-te a fitá-la na esperança de me perspectivares. Talvez nunca mais, talvez sempre. Voltarás a amar e eu serei sempre essa memória errante e vagabunda de um passado que não chega para nos fazer feliz.
Tens os cabelos claros como o teu nome, a efervescer de luminosidade, mesmo quando te preparas para me entregar na terra que eu tanto amava. Quando era pequena, costumava rebolar, sujar-me a ver se ainda estava a sonhar, sob o olhar atento do meu pai. A ver se deixava de ser a princesa perante uns momentos e o meu coração poderia simplesmente sossegar de tanta pressão ou contratempo.
O teu corpo no meu
O teu coração com o meu
A tua vida a acalmar o vazio da minha morte
Queria tocar-te uma última vez, esperar por ti no comboio como quando éramos mais novas e caminhar de S.Bento e rir-mos e sermos felizes, despreocupadas, perante a futilidade que é viver para tanta gente. Comer uma castanha no inverno, um gelado no verão, de mãos afastadas mas de olhares sempre entrelaçados
“Nunca me largues”
“Cais?”
“Sozinha.”
O que irás fazer a seguir? Acender um incenso e caminhar pelo jardim, sozinha? Eras a minha companheira e agora fui eu que te perdi. És forte demais para te esqueceres devido a tudo isto. Talvez não. As tuas lágrimas são luminosas, claras, como a luz que me trespassa.
Eu de olhos fechados, foste tu que me vestiste? Se foste, muita coisa mudou e és a melhor amiga da minha mãe. Não sinto nada, sinto-me um bocado perdida, até. Não era suposto tudo ter terminado depois de finalmente morrer? Se isto não tem fim, prefiro voltar a viver e permanecer com o teu bater de coração inoportuno e claro, os teus pelos eriçados, um Sábado de manhã atrasado para almoçarmos bolinhos de bacalhau com a tua irmã e uma felicidade jovial, eterna. Espuma no meu nariz, sonhos de adolescente concretizados, que foram nossos, agora só teus.
Quero viver para sempre contigo.