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Tuesday, July 13, 2010

Fotografia


Agarro nas fotografias e escondo-as.


Já não há grande razão para as manter emolduradas, por entre as paredes que são visitadas cada vez menos. Corredores sem luz, repletos de portas que nos levam a lugares comuns, apenas.
Agarro nas fotografias e escondo-as, por dentro de mim, bem dentro de mim, onde é mais difícil alcançar, onde é mais difícil agarrar, onde é mais difícil conceber a que perspectiva foram retirados todos aqueles retratos que ficaram cravados, contidos, aprisionados.
Ninguém sabe muito bem, a sensibilidade colocada por detrás da óptica, em todas aquelas expressões. São minhas, pertencem-me e não pretendo partilhar mais, nunca mais, todas as memorias que a luz presente, declara.
Luz que trespassa, luz que engana, como se a verdadeira felicidade tivesse atingindo naquelas paisagens bucólicas, dentro de um quadro de Vivian Vidal, a ser um Guardador de Rebanhos, a imitar declaradamente Alberto Caeiro.

Eu também sou do tamanho daquilo que vejo, dentro da constante infiltração das perspectivas mais ou menos delineáveis, a escorrer senso comum, a vociferar palavras há muito gastas, como se alguém as compreendesse.
Desperdício. Desperdício de tempo e de energia vital, como se viver todos os dias não cansasse e não nos tivéssemos de resguardar para o verdadeiro golpe.
Fixei-me várias vezes nessa última hipótese e julguei-me inteligente. Esqueci a sensibilidade atroz que limita e resvala em idiotice. Esqueci-me que não sou eu que faço as leis pelas quais as pessoas se movem e por isso, deixei-me guiar.
E por isso, guardo as fotografias.
Não sei se por vergonha, ou por miséria, ninguém merece saber tanto quanto eu. Quão feliz eu fui.
Pensar isso, há-de ter sido um erro, com consequências que nem eu, matemático das emoções, consegui calcular.
Sei a verdade e sou feliz. E basta-me, por entre a erva que me segura e faz levitar, nesse silêncio que é permanecer inerte, rodeado daquilo que a vida oferece. Daquilo de que melhor a vida tem para oferecer.


Sinto-me a explodir por entre as estrelas que contei e que teimam em desaparecer um pouco, mais todos os dias. Por entre os punhos que cerrei e me custam a abrir, por entre a guerra que fiz minha e que teima em não cessar.
Concordância de ritmos vertiginosos, o amor à flor da pele e a adolescência tardia. Nada é como devia ser.

- Quem são estas pessoas?
- São pessoas.

Não há nada mais para explicar, para transmitir, para gritar. Ficamo-nos pela falta de justificação plausível, a incoerência absoluta que é explicar aquilo que nem Aristóteles compreenderia.
Fazemo-nos cães e gatos, lutamos contra a noite e somos bem sucedidos. Fazemos do fígado o nosso escudo e fazemos por perder, por cair, por levar bem longe a ansiedade desse desaparecimento proclamado, mas nunca executado.

Guardo as fotografias e levo-as comigo. Elas levam-me para longe e ensinam-me a amar, novamente. Elas falam comigo e dão-me liberdade, sem esse espectro que é sentirmo-nos um pouco mais sozinhos, quando de facto estamos acompanhados.
Elas transportam-me para essa imagem onde a dor e o prazer se misturam e não há diferença visível, possível, como referiria Susan Sontag, se ainda permanecesse entre nós.
Sontag reconhecia esse poder, curvava-se perante ele, e admitia-o. As fotografias são o reflexo de uma memória manipulável e intacta.
Sempre que as revemos, elas podem espelhar exactamente aquilo que queremos imaginar e tudo se transforma e recicla à nossa vontade.
Somos magnânimos e as memórias deixam de ser ponto máximo na equação. O que interessa, é aquilo que pode ser alvo de um interesse alheio, aquilo que pode aprisionado e claro está, julgado.
A realidade atrapalha, tantas vezes, que a paciência é esgotada por entre cidades nunca antes visitadas, nessa inconsciência que é viver à espera de um momento, que, sabemos bem, está longe, ainda.
A realidade é lenta, corrosiva, porca e aborrecida. A realidade é essa massa consistente de merda e carne viva, onde somos autistas emocionais e não aproveitamos o amor como energia sustentável. A realidade é um desperdício de anormalidade, onde tudo poderia ser bem mais motivante, diferente, aceitável se soubéssemos reconhecer o quão gratificante é caminharmos perante as incongruências e defeitos alheios e sentirmos a aceitação definitiva e ainda conseguirmos mostrar um sorriso que grita bem alto


SEI A VERDADE E SOU FELIZ.

Deficiências facilmente detectáveis, onde é preciso, demasiadas vezes, fechar os olhos e alcançar essa paz de espírito que é não conhecer nada nem ninguém. Não querer saber de nada nem de ninguém. Não importar nada, nem ninguém.
As fotografias, ao contrário das palavras, não se gastam e por isso colo-as em mim, por debaixo da roupa, junto do fundo de qualquer coisa que ainda não consegui perceber bem o quê, mas que julgo ser de difícil acesso.
As fotografias lembram-me que perco demasiado tempo em tornar eterno, aquilo que nem o tempo, muitas vezes, consegue. Contam-me, ao ouvido como se a PJ estivesse perto, que foi quando mais sorri, que elas mais brilharam, cheias de vida e de cor. Contam-me que me posso deixar ir, novamente, por entre as ondas de tudo aquilo que sonhei, enquanto pouco sabia, que é essa a maior alegria em permanecer vivo: sonhar.


Sonhar em acordar.
Sonhar em voltar a sonhar.
Sonhar.

Somos demasiado adultos para sonhar, mas quando se está feliz num sonho, isso pode fazer toda a diferença.
É por isso que os construo e não desisto nunca. Hei-de ser esse Guerreiro extasiado e esfomeado por mais um pouco de motivação em recriar um pouco mais do mundo perfeito, que tantas vezes imagino. Aquele que está gravado por entre as minhas fotografias e que deixei de partilhar, de forçar. Por entre as estrelas ela aparecerá. Por entre um poema da Sophia, perante a euforia que se transmite, quando a verdade não chega, quando a honestidade não é sinónimo de amor, na verdadeira concepção do conceito. Nunca foi.

Eu a derrapar, perante os sonhos que fui recriando.

Sei a verdade e sou feliz.