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Friday, May 20, 2005

Segredo IV

São luzes que se movem lá ao longe. Luzes que escondem os verdadeiros desejos de quem quer esquecer tudo aquilo que já viveu, lentamente, por entre ruídos que a transfiguram e silêncios abafados.
È no silêncio que tudo se passa.
Em que arranha a sua própria realidade e onde a sua existência se compadece de tanta dor, por entre sombras que nunca deixam de trespassar a sua contigência, entre quadros bucólicos, repletos de prazer que nunca mais alcançará.

Querer agarrar o tempo
voltar atrás por mais do que um momento
aprender a morrer lentamente
esquecer que se é mortal
e conter em si algo mais do que carnal.
Viver num segredo sem tradução
tremer, sem encontrar a razão.
Noite que liberta
um olhar que quer esconder
Não nos basta querer,
temos de ter.

Estende-se na cama. Enrola-se por entre os lençois brancos e tudo lhe regeressa - uma espécie de dor que a atinge, que a torna mais pequena, fugaz e impaciente, sangue que jorra e não pára, saltos e confusões planeadas, gritos e um sexo que a havia de levar ao centro de si própria- como se nada se tivesse passado.
Fecha os olhos, mas ainda sente o sabor nauseabundo e leve que disseca numa segurança intransigível. Agarra-se à cama e a toda a sua coma transparente. Agarra-se aos lençois que escondem a sua própria vergonha. Agarra-se ao segredo que a faz querer não adormecer, segredo que esconde por entre os olhares que afasta mesmo quando se olha ao espelho, para provar que, lentamente, se extingue. Ciclicamente.

"Lentamente o processo evoluí
como se o mundo parasse."

Antes de acordar, imagina que ainda é de noite e tem uma vaga probabilidade de se encontrar, quando nunca teve opurtunidade para tal. Porque é de noite que todos nos perdemos, inconscientes de que a noite não nos encobre, apenas nos torna mais distantes de uma perspectiva mais nula.
Antes de acordar, Joana espera não acordar sozinha, talvez que alguém lhe agarre a mão, esse alguém que durante um Tempo indeterminado rejeitou e agora espera, com toda a força que ianda lhe resta, que russuscite e volte para onde nunca deveria ter saído.

"Ela está a morrer
L e n t a m e n t e"

Olha-na como se se perdessem na sua imagem. Viram-na passar diante deles durante tantos anos, carregando molduras e obras nunca compráveis à arte que, deliciada, depositava em cada passo que pretendia dar. Suportando uma carga imposta por um mundo moderno que a comprimia e a saturava. Que a fazia transbordar um tédio constante e uma angûstia delicerante - que nunca haveria de ser o seu - deixando um cheiro de sexo e sensualidade que nunca haveriam de provar.
E sempre que ela aparecia do cimo das escadas, desenhada e limitada pelos seus longos caracois loiros, algum deles haveria de começar o dia de uma maneira mais agradável. São olhos azuis carregados de um brilho que nos reflecte a paz do mundo, que por não existir, nunca acreditamos na sua possibilidade.

"Dizem que quem muito fornica, acaba fornicado. Talvez seja isso."

São olhos que a seguiram e continuarão a seguir, com uma competência atroz, de quem não faz perguntas, mas que sabe perfeitamente que o fim está próximo.
Que vivem daquilo que ela lhes proporciona. como formigas que nunca conseguem sobreviver sem o seu pólo central e a segurar um desespero que passou a ser deles, também. Vestem trajes de gala, como se os longos serões os esperassem todos os dias, porque eles sabem, que o fim está próximo.
São olhos que chegam para quatro seres, de dimensões não similares, com "estórias" inscritas no panteão dos escravos do prazer pertencente ao mundo dos sonhos. São olhos que efectuam as suas tarefas como se nada tivesse ocorrido e uma morte fosse apenas o fim de alguém que não eles.
Separados criam as suas versões cinematográficas de uma realidade que não compreendem, colectivamente, desenvolvem a sua capacidade de interpretação em que imaginam a projecção dos gritos de prazer que se haveriam de tornar de dor, um pouco mais tarde. Não têm sexo, apenas funções porgramadas. Funções integrantes numa casa que já não suporta um silêncio. Uma casa que se desgasta e pede, também ela para morrer.


L E N T A M E N T E

"Aprisiona-se no silêncio de quem já teve tudo
Talvez viver nesta aglomeração, sem sequer procurar uma razão"

Ainda é de noite, afinal, quando Joana acorda. Sente-se tentada a morrer diante do seu próprio desespero. Precisa de algo que a faça reviver, ali mesmo naquele momento. Dirige-se então, para a cozinha, onde de imediato um dos seres que a serve e que diariamente a rodeia, lhe deita o seu habitual "Martini Bianco", sem gelo e sempre com limão. Joana acha que o limão funciona como uma sinédoque para a vida que diariamente levara, onde pensara que conseguiura transformar o que de azedo a tormentava em algo de uso para si própria. Esqueceu-se que é mortal. Esqueceu-se de si própria.

"Ela fugiu, fugiu de si própria"
Joana não percebe porque é que o ser não a olha nos olhos como sempre se sentiu fascinado a fazer. Não se questiona, dirige-se apenas para a varanda, onde pelo frio que levemente começa a sentir, constanta que está nua. Talvez sempre tenha estado.
Lá fora luzes imensas aguardam o fim sua missão. Joana percebe agora, tarde de mais, que deveria ter fugido, quando nunca lhe pediriam uma justificação, quando ninguém a questionaria, quando o seu segredo seria ainda capaz de ser sustentável apenas com a dureza de um silêncio.

" E ela já não sabe qual o lado acertado,
Apenas que está a fugir, outra vez"
Lá fora, o seu silêncio torna-se perceptível, onde a sua dor se torna audível. Por isso grita para que todos a oiçam, grita para que a segurem e a detenham, grita para não ser a única a perceber uma morte da qual foi directamente responsável e nunca teve a coragem ou discernimento para o admitir. Grita para que a vistam, façam amor com ela, lhe mostrem de quantas cores é feito o arco-íris. Grita por amor.
A Joana ainda não perdeu tudo.

"And i don´t know wich way is left,
So i hold my breath till the morning, till i see the light
I´m on the run, i´m on the run again, from me." N. Imbruglia, On the run.