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Monday, December 01, 2008

Afinal


Vivemos todos como queremos, ao redor das nossas próprias experiências, embrenhados na burocracia que fomos construindo à nossa volta, apenas para que no fim, nos possamos sentir um pouco mais distantes daquilo que realmente importa.
E aquilo que realmente importa será difícil de distinguir. Ninguém sabe já definir o bem do mal, assim como já ninguém sabe se o PS é um partido de esquerda ou da direita.
Estamos na época da ruptura com os paradigmas impostos, em que aquilo que era ontem pode já não o ser amanhã.
Vemos pessoas respeitadas e vangloriadas pelos seus actos na RtpMemória, que hoje estão à espera de serem julgadas por crimes que apenas eles dizem não terem cometido. Já ninguém pode acreditar em nada, mesmo no certificado científico que dia após dia parece estar em constante mutação.
Afinal, há cura para a sida e o cancro do útero já não vai matar todos os dias uma portuguesa. Afinal, deve haver cura para tudo, basta pedir à indústria farmacêutica que divulgue os conhecimentos que tem pela comunidade mundial, principalmente pelos países de terceiro mundo, que famintos e porcos, vão sobrevivendo a custo, passando a gerações futuras todas as doenças que lhes deixamos nos genes.
E afinal, é tudo sobre os genes. Todas as perturbações, todas as irritações e até mesmo a infidelidade nos vem moldada pelos genes, segundo um desses estudos que se faz de boca cheia num país que mais parece ser uma ilha pertencente à América do que a grande potência que já foi e ainda pode voltar a ser.
Afinal, a Inglaterra é que sabe. Entrou na dita comunidade, mas não aceitou as regras, ao invés, impôs-se, rejeitou a moeda e fez-se grande, mas só entre os pequenos. É o país bonito, mas só entre os feios. O país rico, só entre os pobres.
E afinal é tudo feito desta forma. Educamos as crianças para elas aos 4 anos estarem aptas a trabalharem com computadores ao invés de as ajudarmos a cultivar o pensamento crítico e a liberdade de expressão.
“O povo quer-se anestesiado”, referia a Inês Pedrosa na sua crónica de 30/11/2008 e os jovens também. Ninguém quer tornar os acesso aos livros o mais democrático possível ( um livro do António L. Antunes custa 25 Euros), queremos é criar programas onde os jovens possam procurar um exemplo de autodestruição como os Morangos e não lhes dar chantilly no fim, porque engorda e ninguém gosta de jovens gordos e feios. Ninguém gosta de não-jovens. Por isso é que começam a saber usar os computadores tão cedo e a compreenderem para que serve um rato em vez de brincarem e de viverem, simplesmente. E por isso é que ninguém gosta de velhos.
Afinal, aos jovens podemos incutir todas as ideias que quisermos e quanto mais cedo, melhor. Os políticos sabem disso e é por isso que nunca apontam os seus grandiosos discursos para as pessoas de idade. Porque a estes já ninguém tem vontade ou paciência para lhes conseguir mudar as ideias que têm, já há muitos anos e também porque estão à espera que morram rápido e se esqueçam de ir ás urnas, até porque a segurança social começa a não chegar para toda a gente e a Santa Casa só tem misericórdia para alguns.
Não sou comunista, mas tento evitar a todo o custo esta ideia de que para sermos cultos temos de saber responder aos inquéritos da Lux ou saber que político é que está a ser parodiado nos domingos pelo Zé Carlos.
Ninguém nos pede para pensarmos livremente, pedem-nos sim para arranjarmos alguém que pense, que nos faça os discursos e crie alguma ideia que vingue. O mundo capitalista criou e cria uma fonte de rendimento em todos os lados possíveis e imaginários e por isso, pensou-se que nunca teria fim. E talvez não tenha, por agora.
O futuro o dirá, mas o certo é que os funcionários da Zara já chegaram à conclusão que por muitos presentes de natal que recebam da Inditex, serão sempre escravos deste mercado e que nunca serão suficientemente bem pagos.
O mundo capitalista tem como base a ignorância e a ingenuidade. Dizemos que criamos emprego para todos, mas só alguns é que ganham alguma coisa com isso e muito menos aqueles que têm tempo para gastar aquilo que ganham.
Afinal, o tempo escasseia e por isso é que temos assessores provados, empregadas domésticas, telemóveis ligados à Internet com a funcionalidade de abrirem power points ( sim, que sem power points não há mais ninguém que consiga fazer um discurso. Já ninguém sabe falar simplesmente?), cães robôs (porque já não há paciência para lhes darmos comida e porque o condomínio nos impede de os termos a ladrar depois das 10), personal trainers para nos porem em forma e podermos fazer boa figura numa dessas festas que todos os fins de semana elegem os mais bem vestidos e os mais bem compostos ( who cares?).
Afinal e no final perde-se a cultura e fica-se com informação desnecessária. Ficamos com as Nike, mas esquecemo-nos do preto que nos entra pelo noticiário descalço e à procura de um grão de arroz.
Esquecemo-nos de nós.
Afinal, andamos cá para quê?


Lutar com palavras é a luta mais vã
Enquanto lutamos, mal rompe a manhã

Carlos Drummond de Andrade