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Saturday, October 15, 2011

Oração




Vamos parar de ouvir o ruído.
O ruído da solidão que nos abraça de noite e nos faz viajar para longe do universo que ainda podemos criar. Onde podemos ser só um.
Penetrar nessa doce melodia que é a intensidade de um passeio de nós cortados, absortos com sabor de fruta mordida.

Vamos fugir do lugar mais bonito da cidade, porque saudade é para quem a tem.
Sem erros ortográficos onde nos possamos perder para sempre, nessa ilusão proporcionada pela semiótica, como se tudo pudesse ser traduzido pela comunicação.
Não somos artistas, mas vivemos da inspiração das pequenas coisas, do prazer sincero, dessa bossa nova que ainda não sabemos dançar, mas que juntos, podemos recriar.
A vida que é doce (penso continuamente), na esperança que tudo seja verdade.
Que esse balanço não se interrompa, para que os abraços sejam sempre mais fortes, do que a realidade adjacente.
Que a crise nunca chegue à nossa mesa, onde a oração poderá ser sempre mais rentável. Que as más notícias nunca levem de nós a esperança nos acordes e no amor tranquilo.
Que nunca nos esqueçamos que a saudade é para quem a tem, mesmo que seja apenas por mais uma vez.


De longe, ainda podemos desaparecer, bem por dentro das entranhas dos sorrisos que não têm vergonha em proclamar felicidade.

De perto, ainda podemos desaparecer no espaço que conquistamos, seja lá onde isso for, seja lá onde ele estiver, apenas onde permaneceres. Eu juro.

Pois é, o coração que teima em bater, de cada vez que a gente se entrega.

Friday, August 05, 2011

Peste

Perdi tempo e resumi o medo de falhar. Tentei alcançar esse patamar honorário, um livro aberto e pronto a ser lido por todos.
Estou pronto para essa congelação dos sentidos, na expiação da ansiedade que teima em me queimar noite após noite. Quero a liberdade prometida, luz cheia de coisas e sinais. Luz cheia de coisas incomportavelmente reais.


Deixei de escrever, porque nunca saberia como evitar o mesmo erro. Deixei de escrever porque nunca te quero partilhar com o desconhecido. Essa certeza de que o que é nosso, pertence-nos bem por dentro da carne viva; às vezes morta.

Às vezes crua, às vezes vazia.

E sem pensar, fui. Na acção é que reside a vantagem de acalmarmos a realidade que transportávamos. Na falta de vergonha que é descrevermos a falta de inocência perdida a alguém. Na falta que se tornou respirar em todos os passeios que nos foram mantendo na ilusão que estávamos seguros.
Levamos anos até chegarmos aqui, levados pelas malas que transportamos, pela boleia que residiu no amor que haveríamos de contemplar. Em Budapeste, num quarto qualquer. Até tudo se ter tornado credivelmente difícil.

“Difícil é a vida dos pobres e dos velhos porra”, Repeti durante esse tempo interminável, quando olhei para trás e já tinhas desvanecido – não em mim, mas na cidade que tanto parecia odiares.

Encontrar-te ia, alguns dias depois, a beber uma vodka em Peste, levada pela certeza que nos teríamos de reencontrar num entendimento só, nem que fosse preciso 5 mil pés de altitude. Nem que fosse a vergonha que só haveria de sentir no escuro da Europa de Leste, quando te procurei e apenas encontrei aqueles sexos com cheiro a perfume e bálsamo das feiras medievais que procurávamos, todos os anos. Não queria esperar pelo Inverno que me faria gelar a tua memória. Queria encontrar-me contigo, saber para onde seguiríamos depois, na viagem encantada, encenada por nós, alguns anos antes em Geometria.

Durante os dias em que não te vi, não havia mais nada. Apenas putas e cabaret.
Danças exóticas em cima da mesa, fornicadelas sem vergonha, na esperança que voltasses e tivesses pena de mim e me levasses contigo. O orgulho é sempre a minha prioridade. É o meu primeiro amor. Nunca correria atrás de ti, nunca perderia perdão, nunca entenderia o teu desespero sôfrego, lágrimas por debaixo do rio que nem sabíamos o nome ainda. "Danúbio" dir-me-ia uma puta romena. Ou checa. Comia com toda a intensidade que um Homem consegue e lembrei-me que poderia nunca mais te oportunidade de te revelar. “É Danúbio Sara, É Danúbio”.

Que se foda o Danúbio. Ele sabe a imagem que reflectiu quando partiste.

Thursday, April 07, 2011

Insuperável

Ser adulto é tornar todos os fatos como garantidos. Esquecermo-nos de que por vezes, a verdade há-de ser refeita e a nossa acomodação há-de ter um fim. Procuramos tudo e todos, enquanto somos um pouco mais novos. Perdidos, mas também, maravilhados. Quando crescemos, entendemos claramente que a vida cá fora, é mais dura do que aquilo que prevíamos e que nos falta a força e o poder que só podem ser traduzidos pelos sonhos e as viagens que tínhamos, enquanto podíamos reclamar a inocência da adolescência. O primeiro beijo, as férias intermináveis junto à praia, uma nostalgia de lugar nenhum e o walkmen por entre a areia. Era esse momento de solidão incontrolada, mas de perfeita sintonia com o resto do mundo, que nos há-de sempre fazer falta. Onde as palavras não eram contidas e a injustiça era transferida para um gelado ser mais caro, do que outro. Simplesmente. O primeiro segredo, o primeiro dia de aulas, o primeiro filme porno, o primeiro flirt, a primeira mensagem com sorriso. A primeira amizade, o derradeiro “para sempre”, com um pé na água fria do Mindelo. Só o amor pode ser incoerentemente fresco, quando tudo parece gasto e polido demais, para nos carregar com novas sensações, essa energia sensorial, tantas vezes perdida. Só o amor, puro e brilhante converge toda essa leveza que o ser pode carregar. “O que dá sentido à nossa conduta é sempre uma coisa completamente desconhecida”, refere Milan Kundera, que deixará de existir, quando nos tornarmos em pura contaminação contraída pela retina, através da propaganda política. Só o amor pode ser esse último reduto, das incertezas inebriantes, das viagens nunca mais finalizadas, de todo esse lado dramático que explodíamos na adolescência, na esperança de que o dia seguinte, fosse irremediavelmente diferente. Só o amor pode completar essa busca vertiginosa e proporcionar alguma beleza inerente ao caos em que todos vivemos. Num país moribundo, onde os políticos se desresponsabilizam com eleições antecipadas, apenas porque já conseguiram amealhar o que podiam (a título pessoal), até à altura. Ser adulto, tem que consistir irremediavelmente em mais qualquer coisa, do que procurar por um novo emprego todos os dias, apenas porque precisamos de mais dinheiro para construirmos uma casa, comprar um Ipad, ou talvez quem sabe, gerar um adolescente. Gostava de repousar na ideia de que ser adulto, significa irremediavelmente ser livre. Foi nessa ideia que vivemos a correr, na esperança em que possamos moldar a realidade circundante, um pouco ao nosso reflexo e memória futura. É nessa ilusão que vivemos, continuamente. Até aqui chegar. Não há tempo para viver e o pouco dinheiro que amealhamos, mal nos deixa sobreviver. Crescer na perspetiva de que a altura em que nos escondiamos nas casas de banho dos bares, para atender a chamada à mamã e mentirmos como gente pequena “estou na cama, claro”, era bem mais empolgante do que a vida de um trabalhador adulto tem para oferecer, é extenuante e cansativa. A concretização de todos os sonhos devia ser justamente agora, em que não existe mais nada, para além da nossa consciência a ditar esse caminho, cheio de coisas pouco surpreendentes. O amor pode ser a criação de algo insuperável. Todos os dias.