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Saturday, March 26, 2005

O Segredo

A Joana perdeu-se na tradução do seu próprio segredo. Segredo imundo, cheio de inocência remetida para um passado repleto de sol e de construções mais ao menos habitáveis. Vidas que se movem em águas negligentes e perturbadoras.
A Joana perdeu-se na tradução do seu próprio segredo.

"Quem muito fornica, acaba fornicado", mas Joana nunca percebeu que tudo é impreterivelmemente vago e maleável, de um sofrimento constante, que doi, que mata. Que sangra.
Sangue vazio, sem cor ou dor. Sangue que não se vê.
Sangue sem odor.
Tudo o que ela queria, tudo aquilo que muitos de nós queriamos, era voltar atrás, debater-mo-nos com os mesmos problemas sem nunca nos subtermos, outra vez, ao mesmo inacabamento, à mesma falta de profundidade. Mudar, enfim.
A Joana já teve tudo o que poderia ter tido. Agora, agora perde-se em deambulações que nos remetem apenas para uma estrada semi-vazia, um conjunto de situações e acções que nos levam a lugar Nenhum.

"Amar é ser aquilo que somos
Ter aquilo que conseguimos ter
Agarrar o que nunca alcançamos"

Mas Ela nunca se deu conta desse facto, facto terrível. Facto que a apagou para sempre de uma existência determinantemente mais disfarçada.Agora, como não tinha previsto, vê-se num lugar sem Retorno, onde a chuva que cai lá fora não lhe dá as respostas por que tanto anseia. Agora, nem a mobilia que penosamente, como são todos os objectivos a que nos propomos, colocou num espaço que a faz sentir parte integrante de um Tempo sem Retorno, onde as obras que a rodeiam levam-na a querer parar. Onde a música que a cerca quando dorme a faz fugir.
A Joana percebeu tarde de mais que o seu segredo haveria de ser entendido, percebido, desmascarado. Que um segredo existe apenas para ser quebrado e que uma decisão, por mais ínfima e sagaz que seja, pode mudar o rumo de muitos (acertadamente?) caminhos. Claro que ela só pretendia voltar a sentir uma presença, mais que física ou mesmo meta-física, por mais poética que fosse, à sua volta. Os olhares que a tentam todas as noites não lhe são suficientes para apagar o buraco que a sua alma comporta. Para se apagar a si própria e voltar a ser mais do que uma simples partícula nas grandes teias de corrupção, que são muitas das relações que diariamente cada um tem, sejam elas de que carácter forem. Mesmo que sejam segredo.
Segredo que a arrasa, que a faz querer voltar atrás determinada e ansiosa. Rápida, arrastada por uma corrente repleta de remorços e palavras que ficaram presas no Ar, que muitos de nós teimamos em querer aspirar em vez de o viver.
E é tudo tão confuso, tão estranho, tão inocente na sua completa e banal visão...Repete para si própria que o que tem é muito mais forte do que o que já teve, que a liberdade é ter-se para si própria, mesmo que tenha de guardar um segredo, mesmo que ela saiba que um dia, o Tempo a vá traír, levando esse mesmo segredo para longe, bem longe, para um lugar Inacessível, onde nunca poderá alcançar o que deixou para trás.

"Viver é querer ser
Sobreviver é permanecer
Sonhar é ter"

Doi-lhe o estômago, doi-lhe o sexo, doi-lhe o corpo pesado demais para suportar fardo tão contínuo e familiar, já. Carecem-lhe as ajudas, perdem-se os factores eternos. Perdeu-se por entre a tradução de um sentimento que julgava pertencente, entre um jogo que não ganhou, sempre sem intensidade. O sol que nasça, o sol que a queime por dentro, para que toda a gente a veja, para que toda a gente se reúna com ela, para que toda a gente a sinta. Ela que nunca mais se encontrou, ela que queria acabar com o segredo, ela que morreu com a sua própria verdade e a consequente perda de identidade. Gostava ela de conseguir discernir o certo do incerto e centrar-se apenas no errado, correr sem parar, agarrar tudo o que não é de direito possuír.

"Tudo pode estar certo"

Não interessa onde é que a mentira acaba, só que ela nos derrota mais do que uma grande verdade, mais do que uma partida de crianças, mais do que poderiamos ter previsto. Ela vê na televisão a exportação que a rodeia, que ela sempre quis ser, embora não perceba exactamente porquê. Mas compreende que o que já teve nunca mais voltará. Há certas coisas que nunca serão realmente nossas.

"Há coisas que não são reais", mesmo quando nada é real, mesmo quando cospe para ter a certeza que ainda não foi sugada, mesmo quando chora apenas porque errou nas palavras entrecruzadas dos olhares desmedidos e infelizmente - direi mesmo- não sentidos.
Queria ela perceber o porquê do grande âmago que transporta, desse grande fundo que nunca mais acabará, mesmo que ela compreenda que sim, mesmo que ela faça tudo o que puder para o conseguir.

Onde estás?

Agarra-te ao que tens, arranca o segredo, deixa-te caír e afogar nessa pedra em que te transformaste, para nunca mais voltares a pedir. Deixa-te reconstruir, deixa-te voltar a ser, mesmo que o segredo te segregue, mesmo que ele seja mais forte, mesmo que nada nem ninguém te segure. Mesmo que tudo seja imperceptível e nómado, mesmo que como José Cardoso Pires refira no marco que é o Delfim, "quem muito fornica acaba fornicado", mesmo que consigas ser feliz e o segredo, enfim, desapareça, mesmo que tudo volte a ser como nunca será. Mesmo que a porra dos remorssos fiquem para sempre a boiar por entre as tuas paredes e as vozes que se mexem, mesmo estando imóveis, voltem outra vez. Mesmo que seja para sempre.
Porque tudo o que sacrifcas-te não foi suficiente, porque nada, nunca será suficiente, independentemente do que fizeres ou tentares, porque há coisas que não mudam, nem é suposto que mudam.
Porque há coisas que nunca serão nossas.

"Cause everyone got a secret, but can they keep it?" Maroon 5