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Friday, January 14, 2005

Intertextualidade

O perdão é daquele tipo de sentimentos que resulta para poucas pessoas. Dou por mim, ainda a descobrir-me a mim próprio, envolto numa adolescência que não acaba, envolto numa sociedade que não quer que a adolescência acabe.
Devíamos todos ser capazes de conseguir perdoar. Perdoar aqueles que nos constroem obstáculos obstinados, como sombras dentro de um baralho de cartas que nunca acaba, como a cidade de seguro na mão, fruto do crescimento tecnológico. Ensinaram-me que se devia perdoar assim como Jesus nos perdoou, mas confesso ser difícil partilhar dessa dádiva de um Deus de quem sei muito pouco, e que acaba por nunca me devolver a paz que nunca acaba, descoberta em azares próprios de uma idade que se quer obstinada.
Eça de Queirós desmelindrou muito bem esta Sociedade Unidimensional que crê em tudo o que vê, a partir de crenças instituídas por sistemas que apenas têm como objectivo padronizar a cultura, tornando-nos iguais, mesmo quando a desculpa parece ser a palavra mas difícil de proferir por quem requer o perdão.
Acredito unicamente no Deus que criei à minha imagem, que me anuncia os maus caminhos como curtos e sombrios e me faz reconsiderar toda a perspectiva que tenho por esse valor que é a vida.
Desta maneira, o jornalismo enquanto prática violada pelos fundamentalismos de uma falsa Ética, que nos leva constantemente a perdoar, fazendo-nos criar a imagem de que esse valor é banal e desprovido de conceito real. Constrói todos os dias imagens que proliferam pela nossa imaginação. Desde ministros que eventualmente não podem gozar de um dia de descanso, passando por personagens públicas que se parecem com personagens de Banda-Desenhada rasca e sentimentalismo desprovido nas notícias que todos os dias entram pela nossa casa. Perdoamos tudo isso e passamos a ser passivos e remetemos numa fúria compreensível todas os acontecimentos que torturam uma sociedade individualista num Deus, que muitas vezes parece ser sombrio e mau, como nos ensinam na catequese, como Eça revelava na obra-prima que é o “Crime do Padre Amaro”, como se Deus nos fizesse cheio de massa corpórea e a quem temos de respeitar, sob pena de nos enfiar uma onda gigante pelos nossos paraísos turísticos, como se alguém perfeito pudesse também ele ser feito de material impuro, sujo e deficiente.
Deficiente é a comunicação social que esconde as construções precárias, mesmo ali à beira do mar, como se estivessem à espera de serem engolidas. Como se nós apenas víssemos aquilo que queremos ver, visto que somos nós, enquanto sujeito independente que fornece apoio seja a que nível for, para depois receber uma imagem distorcida de si mesmo, acabando assim por ficar também distorcido.
Sontag, essa fazedora de ensaios que abriam a luz para a descoberta dessa cultura de massas que nos une numa ignorância impávida, foi uma das primeiras a descortinar o papel da fotografia, como se eternizássemos para sempre o momento, mas apenas os bons, porque os maus são para encolher e não mostrar, porque revelam as nossas fraquezas. Isto acontece, talvez, porque vivemos num mundo ocidental em que o mais forte é obrigado a dominar todos os outros e todos querem ser os mais fortes…
Acabamos eventualmente por perdoar Deus, que não tem culpa da ostentação de riqueza do Homem, como se fosse ele que nos pedisse desculpas, como se fôssemos nós que lhe devêssemos dar a glória da clemência e da purificação. Como se a S. Joaneira (O Crime do Padre Amaro) pudesse de alguma maneira apontar o dedo a alguém, quando ela escondia dentro das suas saias um prazer devoto em ser corrompida pelo cónego-mestre e promover a Religião Cristã como única fonte possível de conhecimento. Aliás, essa instituição ensina-nos tudo menos a Ética verdadeira, aquela que pode parecer utópica, mas que seria fácil de praticar se todos percorrêssemos o mesmo caminho.
Aqui há dias deparei-me com um caso explícito e mais do que comprovativo da criação magistral que os meios de comunicação se empenham em criar nas pessoas que se revêem nos valores que eles proclamam. Exportam caras bonitas para a televisão, promovem-nas até à exaustão nas revistas que de cor-de-rosa têm muito pouco, fazendo crer no consumidor que a personagem criada na televisão é de facto real, que lhe pode tocar e dessa maneira exaltar-se quando ela sofre, como se sofresse também, quando ela exerce poder, como se ela exercesse poder também.
Tal como nos meios de comunicação, o administrador deste blog, tantas vezes repleto de sonhos por criar e de sorrisos que nunca aconteceram – não existe. Da mesma forma que a Britney Spears não é na verdade uma miúda inundada de princípios boémios, da mesma forma que os governos esconderam a possível ameaça do dito Tsunami que desbravou países que nunca foram nem nunca serão independentes. Da mesma forma, que o administrador deste blog não é a mesma pessoa que vêem numa dessas noites a dançar ao ritmo da vida ou que passa na passadeira iludido que isso funciona como protecção de alguma coisa. O consumidor tem assim, de ter a capacidade de se distanciar destes ensaios pseudo-filosóficos, que muitos gostam de ler, assim como a realidade que consomem avidamente na comunicação social. Alguns, é certo, remetem para o lado mais fraco do coração, por se deixarem agarrar em ideias acerca do administrador. Têm de possuir essa capacidade, para não terem de se debater com o perdão de alguém que simplesmente não existe.
No fundo, fico contente por estes textos evocarem opiniões diferentes (seja num jornal como já foi o caso ou mesmo noutro blog) no íntimo de quem as lê, pois é de facto o seu objectivo principal enquanto experiências íntimas e reais. Todos somos Humanos, todos podemos errar e exigir o perdão, mas sempre com Ética, valor fundamental esquecido pela Igreja e pela cultura que esta domina. Não é de estranhar então que quem ataca, como não tem princípios ideológicos, não se assume e esquece-se ou nunca aprendeu que a Ética instaura em nós três tipos de responsabilidades pelos nossos actos. Mais, essa pessoa não existe no meu imaginário sequer, porque não se identifica e usa um espaço para denegrir a imagem de um administrador que pode muito bem ser quem não escreve os textos (será?).
Não conto com esses infortúnios. Todos passam pelo mesmo, incluindo Inês Pedrosa que viu a sua imagem arrastar-se devido a alguém que prefere optar pelo espaço íntimo, mesmo sabendo que esse não conta para ninguém, a não ser para os fracos de espírito.
Eu perdoo-o quem se dá ao perdão, quem tem coragem, capacidade e visão para o alcançar.
A vida, embora muitas vezes ache que não, ensinou-me a reconhecer essa intertextualidade entre a pessoa e os actos da mesma. A vida ensinou-me que o que tocámos não é nada mais do que a alegria de pisarmos a relva logo de manhã, fazermos castelos na areia enquanto ainda nos deixam e levarmos alguém deste mundo connosco, mesmo que seja apenas a nossa sombra. Mesmo que sejas tu.




I will build my world, i will sing my songs, i will keep my helmet on

And you can ruin my songs, you can ruin my world i will keep my helmet on
The Gift, Driving you slow.