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Wednesday, October 13, 2004

Explode Ricardinho...

Páro, penso. Estou num vazio. Sou suspeito, toda a gente fala, toda a gente comenta, toda a gente observa. É de noite, é de dia, é sempre de noite e toda a gente sabe. E eu fujo por toda a gente saber.
Ninguém me quer, ninguém me ama e todos me desejam e todos sabiam. Olho-me ao espelho, parto o espelho. Não quero mais saber de mim. Fujo, porque toda a gente sabia, porque eu já sabia. Quero um comprimido para dormir e sonhar, só sonhar. E todos os dias é uma luta e eu desço, caio, caio, caio e nunca mais pára e de repente sou adolescente, acordo e sou adulto. Não tenho papel, não tenho permissão e todos sabiam.
Sinto-me pesado, forte, gordo. Conto as estrelas, de repente, muito de repente, esqueço. Esqueço e não tenho memória e não sou velho. E não me importo e sorrio, sorrio muito.
Volto a pôr a música, escrevo ao ritmo da música, morro ao sentido da música. À minha volta ninguém me anunciou a chegada, mas eles sabiam e não explodiram. Retiveram-se, conteram-se. Falsos, falsos, falsos. Correm ao sabor do sexo, correm ao sabor da noite, é sempre a noite.
Eu não quero contar nada, quero perder a memória, ficar com o sonho, para sempre sonhar e nunca mais me repetir, nunca. Alguém me acorda, alguém me abana. Não consigo acompanhar a música, há sempre alguém que é melhor do que eu, havia sempre alguém que sabia e agora desço ao fundo porque eu também sabia e não anunciei.
Volto a contar as estrelas, fujo para longe, para longe de todos aqueles que sabiam e não me anunciaram. Agora estou mais pesado, gordo. Coitadinho, coitadinho do Ricardinho. Agora pesa-lhe o peso da verdade postrada nos seus olhos. Acabaram-se os falsos amigos, as falsas modéstias, os falsos amores. Todos sabiam o meu oristo, mas ninguém mo disse e agora estou pesado, gordo. Coitadinho, coitadinho do Ricardinho.
A irmã bem me avisou, a irmã bem que gosta de mim, mas a irmã não a conheceu e agora doi-me a cabeça, pesa-me a cabeça. Algo de estranho, de anormal se passa. O Ricardinho não passa nas portas, o Ricardinho é coitadinho, coitadinho do Ricardinho. A culpa não é deles, porque eu sempre soube e tomei outro comprimido para continuar a dormir, porque dormir dá-me vontade de sonhar, sonhar que nunca aconteceu, sonhar que as estrelas estão perto, que as toco. Sonhar contigo e com o meu amor, sonhar com a ilusão perfeita num dia de Inverno.
A música pára. É pequena a música, mas o fardo não. E doi-me a cabeça, e a cabeça pesa-me. Quem fez isto ao Ricardinho? De quem é a culpa de ele não entrar nas portas e sentir-se porco e usado?
Passou por aqui. É ela sim. Passou sem anunciar, partiu sem anunciar e veio para ficar e partir sempre, sem anunciar. Não tinha perfume, não tinha cheiro, não tinha olhar. Era o tudo, era o nada. É Ela a causadora do peso do Ricardinho. O Ricardinho quis ser coitadinho, quis negar a evidência para sempre nos seus olhos e absorver todo aquele vazio que o fazia admirar. As estrelas perderam-se, as estrelas perdem-se sempre, mas as cicatrizes perduram. Ela levou as cicatrizes até muito longe, numa terra de feiticeiros e bruxas, onde ninguém se ama, mas todos se envolvem. Ela levou-o, pobre do Ricardinho, pobre de mim, na noite, sempre a noite. Agora o Ricardinho explode, o ricardinho não aguenta o peso perante os seus ombros, a vergonha de todos saberem e ninguém lhe anunciar.
E a culpa não é de ninguém quando o crime é anunciado. Quem anunciou? Quem acabou com a esperança do vazio ser o preenchimento de um olhar, da mentira ser razão, da tesão ser paixão?
Fujo. Corre Ricardinho que toda a gente acabará por saber. Eles todos sabiam e não se interessaram, para quê chorar, agora? Chora Ricardinho, chora. Levanta a cabeça, acorda. Já foi anunciado.

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