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Thursday, November 10, 2005

Evidencia


São raras as vezes em que acerto verdadeiramente na perspectiva do teu olhar. Não sabendo como, fui-me deixando ir nesta dor inabalável de quem me diz sempre que o amanhã será mais rápido do que o momento fúnebre que se vai vivendo dia-a-dia.
Persigo-te entre terras e verbos que desconheço mas que uso de uma maneira sublime, apenas porque a intuição que trago não me deixa cair nesses olhos cor de terra, de quem já sentiu pouco e por isso mesmo desconhece o que é sofrer, apenas porque se existe. Como se houvesse alguma validação nesse pronuncio, nesse fado tantas vezes repetido à exaustão, nessa panóplia de lentidão assemelhada à liberdade que tantas vezes proclamamos.
É tudo um conceito. Somos fieis ao que nos ensinam, ao que nos apontam, àquilo que os outros fazem e raramente à música que muitas vezes tocámos sozinhos na escuridão do sótão em que quase todos vivemos. Arrisco-me a negar a evidencia que corre pelas imagens, nesta música sorrateira que me embala.
Massacram-me com perguntas acerca da cor do céu, do comportamento dessa máquina que é o ser humano, como se eu possuísse alguma verdade por entre esta tristeza que tantas vezes trago.
Não quero e desisti de o pedir já, mais do que me tens oferecido. Sei e reconheço as limitações de cada uma das nossas mãos, entre palavras que não flúem entre ti, entre essa especialidade de humor não corrosivo. Só quero ter controlo daquilo que sinto, desta transcendência que abarco, desta projecção de sentimentos que invariavelmente nunca saberei explicar. Gostava de tocar esse mar, de voltar a ser inundado pela melancolia de Sophia, beber dessa inspiração máxima de Eugénio a fim de repousar um pouco na simplicidade de Torga.
Ninguém me disse que seria fácil, ninguém cometeria um devaneio de densidade tão dramática, ninguém me deixaria sozinho. Por isso fixo o olhar na tua imagem, percorro as escadas de algo que sinto a fim de encontrar a razão que sei que nunca irá existir.
No fim, só restarás tu.

“Estou mais só do que sozinho
Chega mostra me o caminho
Leva me pra casa…”


Lúcia Moniz

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