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Tuesday, December 04, 2007

Extinção II

Nunca me deram essa escolha. Achei sempre que o meu destino era fazer aquilo que não me diziam, romper com os limites e deixar-me ser navegada por ti, sempre que o vento me mentia na direcção que me fazias tomar.
Não me prometeste nada, nunca e mesmo assim eu sempre esperei ouvir-te.
Nem que fosse uma palavra.
Nem que fosse um gesto.
Nem que fosses tu.

Olho para ti, sem saber muito bem o que te diria, se finalmente acordasses e me perguntasses o que tenho feito com o silêncio em que a minha vida se transformou, desde que tudo se tornou frio e perdi a vontade de me deixar aquecer por entre as palavras daqueles que angustiam este sentimento que bate cá dentro e espera sem aviso, que regresses.
Sem querer, vejo ainda as estrelas, que tantas vezes me puxaste e fizeste crer que fazia parte dessa vasta constelação. Não há nada que uma mulher goste do que sentir que pertence a um lugar onde todos as acariciam e as desejam e tu sabias.
Por isso, e por muito mais, voltaria a cometer o mesmo erro passivo e inerte de tentar salvar a tua memória e perdurá-la por algo mais do que as fotografias que guardo desse teu sorriso que nunca me deixou adormecer, quanto mais esquecer.

"O amor é fodido", diria o Miguel Esteves Cardoso. Eu digo que fodido é ver-te morrer ao meu lado e querer apagar esta falta de coerência que é chorar quando nunca o fiz, mesmo quando ela morreu.
Lembras-te? Deixaste-me sozinha, em vão, à espera que finalmente me sentisse culpada por nunca a ter perdoado e por fim o momento chegasse e eu me entregasse aos remorsos socialmente impostos. Nunca aconteceu.
És inquebrável.
Sou.
Era.
Nada disso interessa mais, muito menos a imagem de alguém que em nada merecia a minha atenção, quanto mais o meu amor. O amor é algo que não se pode conceder por força de laços sanguínios, nem por força do comidismo e muito menos pela força da solidão. Há que o merecer, há que o querer, há que ser irracional o suficiente para o aceitar.
E mesmo partindo não sei chegar mais desse lugar sem nome onde me encontro de cada vez que entro em casa e tu não estás. O pó acomodou-se, terias vergonha se cá entrasses agora e tu que dizias que a disposição dos móveis e a forma como eles estavam adornados eram a imagem da nossa própria imensidão.
Se assim é, a minha está coberta de lugares comuns, onde só tu predominas e onde as vozes que pedem a todo o custo que volte a conquistar o meu lugar no coração daqueles que tanto me querem, se calem para sempre.
Se calem, para sempre.
Silêncio.
Era essa a tua melhor característica e então porque é que não a aguento agora? Eles que digam o que quiserem, que hei-de sentir o mesmo por ti.
Há dias acordei e tinha o perfume de alguém na minha roupa. Não são verdadeiramente confiáveis, eles. Indagaram-me, questionaram-me e concluiram que te tinha de esquecer e acordei com o perfume de outra pessoa, enquanto me vestia, atrasada, como sempre.
Uma médica não tem horários a não ser querer salvar aqueles que ama de uma morte rápida ou lenta. É tudo o mesmo. Morte e cheiros que não me pertencem e que eu desconheço.
Pediram-me para me encontrar no mesmo sítio em que os vejo e que não me esquecesse que há um mundo que olha para mim e me avalia e que por isso mesmo, deveria ao menos olhar-me duas vezes ao espelho antes de sair.
Foi o que fiz.
A figura que me olhava parecia substancialmente mais velha do que me lembrava. Será que gostarias de mim, desta forma? Esqueci-me da sensualidade que me motivavas a transparecer, da tesão que era quando franzias o sobrolho, mesmo da mão por entre as minhas pernas. Queria ser eu outra vez, mas contigo. Sempre contigo.
Cheguei e não os vi. Alguém me interpela e diz que estou bonita. Os homens têm a banalidade na ponta da língua, sempre que sentem a fragilidade feminina. Saí, sem pensar. Não era preciso. Não eras tu, nem lhes perdoo por terem tentado criar uma imitação fraca, sem qualquer resquício da tua vida. Tu que sempre me encontraste, por entre a minha corrida desenfreada de não saber amar, mas de o tentar conseguir.
Quando chego a essa instituição que não consigo deixar de considerar como minha, eles olham-me e percebem que neguei a liberdade de não perder aquilo que não se quer ter.
Liberdade.
Tu tens o que eu preciso para me deixar ir.
Nunca te disse o quanto precisava de ti e talvez por isso, tenhas ficado sempre ao meu lado. Vocês adoram a mulher forte e desinteressada, aquela que fica connvosco mas que não precisa, porque consegue gozar a partir de outras formas e feitios.
Por isso nunca o disse. Tornei-me campeã dessa imagem que fiz como sendo eu e nunca te disse que o tempo deixou de ser um condicionador para mim, para passar a ser um prelongamento daquilo que eu tornei eterno.
Tu gostas de mim.
Disse-te sempre que não, para repetir que te amava, mesmo no fim.
Sou má.
Não és.
Fui.
Gostava de te agarrar e fazer-te ficar, a fim de acordares e me poderes tocar novamente. Nada funciona como era suposto. Não voltei a calçar aqueles sapatos que tanto odiavas, apenas para seres o único a puderes conhecer o pior que há em mim. E voltava a fazê-lo, apenas porque a verdade que reside em todos nós, é aquilo que escondemos.
Não quero razão, não quero uma segunda oportunidade.
Quero apenas que regresses, sem expectativa ou incitação.
Acredito em ti.

1 comment:

Patrícia said...

Muito bom, de novo!!!
Estou a ler do fim para o início.
Beijos!!