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Thursday, April 22, 2010

Montanha-Russa

Justiça é “dar a cada qual o que é seu” (Kelsen)


Justiça.

Um conceito que me orienta, impregnado dentro das minhas próprias resoluções. Esse anseio pragmático que me torna racional, visceral e puramente incontrolável, na medida em que a realidade em que me alicerço, não compreende da mesma forma, a mesma equação.
Por justiça, entendo que um determinado comportamento deve ser igualitário. Dessa forma, as situações mais intrincadas deveriam ser mais facilmente compreendidas, de mais fácil resolução.

Tudo aponta para uma “des”complicação máxima. Um método de “troca-por-torca”, como se vivêssemos no feudalismo, ainda, e tudo fosse possível de ser medido.
Ninguém é igualmente justo nas suas atitudes, diferentes comportamentos, diferentes personalidades, empirismos subjacentemente opostos. Reconheço ser uma ilusão, uma exigência que nem eu, muitas vezes, estou à altura. Uma carga, que torna sim, os processos muito mais complicados, até porque já não me esqueço, não sei se pela maturidade adquirida, que “um homem que procura a verdade rigorosa deve-se lembrar o que significa cada palavra de que se serve, e então empregá-la de acordo” (Hobbes, Leviatã, 2003, p. 34).
De facto, só num mundo utópico isto se poderia verificar. E seria tudo fácil, preciso, objectivo, talvez um pouco mais frio, mas mais seguro. Este facto discorre essencialmente numa auto-perseguição que é cansativa, e por isso mesmo, posta de lado, muitas vezes.
A justiça, encaminha as minhas ilusões (ilusões essas que me acompanham diariamente), para esse porto seguro (uma ilusão, também ele). Temos que considerar que a justiça é uma característica até possível, mas não necessária de uma ordem social.

O mundo não é justo, sabemos bem. Constatamos quando ligamos o televisor e ouvimos as notícias através da Clara de Sousa, figura proeminente da sociedade de massas.
É ela que nos demonstra, através de imagens (poderosas), que nos acabam por limitar, confortar e acomodar. Verificamos também, no nosso emprego, num simples sorriso que não é retribuído, numa ascensão social que não existe, nem é controlável.
Alguém controla tudo isso, e por isso também, acomodamo-nos. Achamos muitas vezes que sim, que não há Justiça. Ouvimo-lo dizer demasiadas vezes, tantas que acabamos por repetir, tantas que acabamos por perspectivar.
O Primeiro-Ministro envolvido em escândalos há já prolongados meses, demasiados diria, para ser justo que continue a exercer um poder nas nossas vidas.Os gestores das empresas semi-públicas, também eles envolvidos em escândalos, que ganham mais com um prémio todos os meses, do que aquilo que o comum dos mortais consegue amealhar, durante vários anos de trabalho. O colega do lado que é despedido sem justa causa e não recebe indemnização..

Sabemos por A+B, que Portugal é um país de escândalos e por isso comentamos, falamos, esbracejamos, sempre com a consciência de que a corrupção é um factor adquirido, corre-nos nas veias de forma passiva e que nós, no fundo até conseguimos viver bem com esse facto.
De que outra maneira conseguiríamos explicar que José Sócrates se mantenha no Poder? Alguém o elegeu e fomos todos nós. Mesmo aqueles que diariamente se sentam num café, abrem a Visão e ficam estupefactos com todas as situações.

Não há ninguém melhor, ninguém mais justo. Impregnamos tanto esta ideia que nos tornamos cínicos e também nós, corruptos, pelo menos dos nossos valores, daquilo que efectivamente acreditamos.


Muitas vezes, temos apenas inveja. Quem de nós, que tivesse um cargo ultra-poderoso, não iria aceitar umas férias em Cuba de um sucateiro qualquer?
Nada é justo e esse é o problema de nos tornarmos adultos. Entramos nesse ciclo vicioso, em que acabamos por perder todas as ilusões criadas, numa adolescência cada vez mais precoce.
Não conseguimos alterar o sistema e por isso mesmo, aplicamos as regras impostas, já.
É mais seguro. Há falta de emprego, há falta de consciência política, há falta de esperança. Não esperança vadia, que acredita no primeiro senhor composto, de fato, que nos aparece, repleto de renovações e palavras como “mudar”, “alterar”, que nos fala ao ouvido e nos prende. “Menos desemprego” “Mais justiça”. E acabamos sempre, por cometer o mesmo erro, mudando de posição, como se tudo não passasse uma grande montanha-russa.

Justiça (“diferentes normas de justiça têm de entrar necessariamente em conflito umas com as outras”, Kelsen)


Os ex-alunos da Casa Pia, deverão saber exactamente que é isso que lhes falta. Páginas e páginas foram escritas, jornalistas empregados à custa de uma situação que não nos envolveu e que por isso, deixamos passar em branco. Neste circuito, criam-se grupos, formam-se manifestações em torno daquilo que realmente não interessa. As pessoas, por norma, compadecem-se demasiado com questões que não lhes dizem respeito e por isso mesmo, tudo cai em saco vazio.
Hobbes concebe a justiça como um valor presente na razão humana. Mas será isto, inteiramente verdade?

Há manifestações, grupos volumosos, a saírem da cama bem cedo, a um sábado, para desfilarem nas ruas contra os casamentos homossexuais, mas ninguém faz nada para perceber realmente os trâmites pelos quais, os nossos políticos verdadeiramente seguem. Não sublinho o papel das Comissões de Inquérito, não sublinho o papel da Polícia Judiciária, nem dos jornalistas.
Sublinho isso sim, o papel dos legisladores que deveriam orientar, como é função do Direito, a sociedade para uma amplitude justa e equilibrada. Chaïm Perelman refere mesmo que “o papel tradicional do direito é organizar, efectivamente e de diversas formas, a dialéctica entre vontades e razões humanas, logo imperfeitas”(Perelman, Ética e Direito, 2002, p. 364)
Kelsen referia que se o Estado é uma comunidade, é uma comunidade jurídica. Na condição de comunidade, ele é a ordem jurídica da qual dizemos, de maneira não perfeitamente correcta, que constitui a comunidade.(Direito, Estado e justiça na Teoria Pura do Direito”. In. O que é justiça?, 2001, p. 290).

Se isto realmente se verifica, como acredito aliás, pelo menos na teoria, onde está de facto o poder constituinte? Onde está o poder de cada um de nós, para tentarmos impor uma sociedade mais justa, em esquecermos o individualismo premente e avançarmos para novas ideologias, deixando de fazer uso do capitalismo. E a Clara Ferreira Alves tinha razão. O capitalismo não morreu. Reinventou-se.

Reflicto muito sobre este conceito e na ânsia de o aplicar e refazer a diferença, numa sociedade permissiva, e também devido às frustrantes burocracias de um sistema reformado para a impossibilidade de nos ocultar tudo aquilo que nos faz falta ter conhecimento, aplico-o na minha vida.
Pergunto-me: O que é, de facto Justiça?
De acordo com Hobbes, (Leviatã, 2003) “o bem e o mal são nomes que significam os nossos apetites e aversões, os quais são diferentes conforme os diferentes temperamentos, costumes e doutrinas dos homens”.
E Todos nós somos juízes.
Umas vezes decidimos erradamente, outras nem tanto, um pouco à semelhança do que se passa nos tribunais quando as leis são deixadas à consideração de um Juiz, também ele humano e com a capacidade de errar, bem assente.

Somos nós que decidimos o que fazemos, para onde vamos, pelo menos na teoria. O problema de sermos adultos, é que estamos condicionados com um sem número de factores, em que errar, pode ser muitas vezes desastroso. Há um, dois, três, muitas vezes quatro, de empréstimos que temos de pagar. Fixações desnecessárias e ainda temos que lidar com todas as aspirações emocionais que isso acarreta.
Celso Lafer observa que “não há direitos do indivíduo a não ser o direito à vida, que deriva da própria lógica do sistema por ele construído, pois o critério do justo e do injusto resulta das leis promulgadas pelo soberano”.

Ser justo, em todas estas situações é complicado. Muitas vezes, julgo, a melhor opção a tomar é não racionalizar, acomodar-me, deixar andar. Tudo se há-de resolver. E não se resolve.
Em suma, ser adulto é uma seca e não sei bem porquê, tinha outra perspectiva daquilo que poderia ou não fazer. Há muitos condicionalismos e respostas por responder, ilusões frustradas de uma realidade que não surpreende. Apenas é mais do mesmo. Não é justa.

Apesar desta consciência, sou determinado, gosto de lutar por aquilo em que acredito. Sinto-me bem e adormeço melhor, quando sei que apesar de, por qualquer variável, não consegui atingir determinado objectivo e ainda que sinta, muitas vezes, que não é justo, adormeço com a certeza de que mesmo que o mundo não seja justo (e talvez permaneça aí a minha enorme infantilidade ainda), não me sinto capaz de desistir.
E sinto-me bem por isso, por acreditar que o amanhã há-de ser diferente, que tudo é passível de ser mudado. Que a vida é mais do que um conjunto de puras repetições.
E que eu, enquanto individuo com uma série de competências adquiridas, assim como também possuidor de várias limitações, sou capaz de tudo.
Parece-me, mais do que tudo, justo.

Justiça é “não fazer aos outros o que não queres que te façam” (Kelsen)

1 comment:

Unknown said...

Muito bem. É por textos destes que acho que devias considerar aplicar 3 anos da tua vida.