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Monday, August 05, 2013

Pop

Deixei de escrever. Não voltei, com medo da honestidade fundida a ouro, perdida por entre a inspiração que esperei não perder, ainda assim. Passei a ter medo a coisas grandes. Por um lado, esperei guardar segredos dentro de mim. Por outro, receei sempre que alguém entendesse a verdade primeiro do que eu. Por isso mesmo, imaginei-me tantas vezes sentado nesse jardim. De calções, a tocar a relva com a ponta dos pés, sem vergonha dos dedos com que a minha mãe me brindou. De calções, como se fosse pequeno e não precisasse de usar gravata e ninguém me acordasse para jantar antes da sete – para alguns- da tarde. Na relva, onde nada importava. Era eu e um anúncio da Vodafone, calções às riscas, sorriso nas bochechas vermelhas da aldeia e uma música de uma banda pouco indie, para ver se tinha um ar mais porreiro e menos de rústico. Deixei de ir à escola, convencido que tinha em casa a eternização da sabedoria e sentei-me novamente nesse jardim que era só meu. Saí apenas quando precisava de consertar algo lá fora. Nunca consegui manter um segredo e disso ninguém se pode rir. É a minha maior desonestidade branqueada por entre os dentes que acaba sempre por partir, enquanto os tento calar. Se não contei a ninguém, disse-os mil vezes em frente ao espelho, de porta aberta. Repeti-os de boca aberta enquanto não conseguia adormecer e cheguei a escreve-los e a enviá-los para outra conta de e-mail sob o meu domínio. Pelo menos essa imoralidade ninguém me tira e tão pouco a podem negar. No entanto, esta segurei-a. Escondi-me sempre que me perguntavam onde andava e o que fazia. Afinal, porque tinha eu de fazer alguma coisa? Vivemos nessa sociedade útil, onde se valoriza a ação, mesmo que esta não tenha efeito algum. Preferimos saber que a vizinha da frente exerce funções no Gabinete do Alto Comissariado da Puta que os Pariu, mesmo não tendo as habilitações requeridas, do que não fazer um olhar de comiseração por alguém que não sabe o que fazer. Mesmo que fosse na Puta que os Pariu e não o merecêssemos .Tudo seria melhor, abençoado pelo senhor, que nesse momento voltamos ao século XV e somos todos freiras. Juntamos as mãos e ainda fazemos o sinal da cruz. Foi por isso que nunca tive essa coragem e me calei. Sempre. Que fugi de noite e só me encontrava por aí, enquanto corrompia as estrelas e mais ninguém sabia. Enquanto me deitava por entre a relva e ninguém sabia onde estava. Houve alguns que estiveram perto de o saber. Fintei sempre, entre risos e gargalhadas, respostas curtas e frias, com o Porto a servir-me de refúgio. Com a vida a pulsar-me na cara e a atirar-me para o outro lado, à espera de uma intervenção. “Isto não é a realidade, isto é uma música pop” gritei desesperado demasiadas veze. Ninguém retorquiu. “Este não é o nosso tempo” disse um miúdo com ar de caloiro, mas com estatura de um filme do Bel Ami. Tinha os cabelos loiros e se eu ainda tivesse 14 anos, nunca seriamos parecidos. Na memória ficou-me a certeza: como era possível este discernimento com tão pouca idade? E afinal, o que andava eu a fazer aos 14 anos para ser tão estúpido e não ter percebido o mesmo? Mas é claro que este não é o nosso tempo. É por isso que vou tantas vezes para o jardim e fico lá horas sem fio a ver os aviões a passar longe do Porto de Leixões. Quis contar ao miúdo, mas era irrelevante. Com certeza que ele já tinha descoberto o jardim e passava lá horas infinitas. O mais provável era já o ter descoberto primeiro do que eu. Aposto que já leva a discografia completa do Caetano Veloso e pinta uns quadros imprecisos que vende nas feiras em segunda mão, a uma mãe hippie que acha que o último grito da diferença é ter com um galo pintado de verde, em segunda mão claro.

Foram tantas as vezes que quis partilhar. contar-lhes, enquanto nos vestíamos e brincávamos aos santos, entre uma mesa do Ikea. Enquanto fingíamos que éramos vencedores. Foi por isso que não voltei a escrever mais. Com receio que o sono corrompesse a língua e a verdade fosse libertada, em forma de líquido intravenoso. Porque ninguém sabe muito bem o do que é feito e todos temos a liberdade suficiente para ter medo do desconhecido. 
É isso que significa ser adulto.
 Quis acabar por entre as linhas e percebi que já o tinha feito. Nunca nada me custou tanto. Tive sempre essa sorte, por entre os meses de setembro, nessa melancolia que é sentir saudades do Verão sem nunca o aproveitar. Não tem piada. A vida é mesmo uma música pop.

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