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Sunday, March 14, 2004

Acreditar


Vivemos na expectativa de encontrar alguém para atravessar mais um amanhã cinzento. Procuramos em todos os rostos, gestos e odores, traços do nosso sonho incompreendido. Aquela luz que nos guiará por o caminho que se adivinha cada vez mais arrependido. Quando finalmente sentimos que o nosso coração bate por alguém, que o nosso riso existe por alguém, que vivemos porque alguém vive, dá-se uma entrega total da nossa parte. Mandámos o mundo para trás das costas e agarramo-nos às mensagens com palavras de amor. Por momentos conseguimos ser felizes, passamos a pertencer áquela elite que já sentiu o sol, quando só havia chuva, que viu as estrelas, quando só havia lua. E vivemos. E desejámos nunca mais morrer, porque aquele momento vale a pensa ser vivido. Quando tudo acaba, desaparecemos nos confins do nosso próprio sentimento. Inventamos uma fúria enturpecedora e calámos o nosso coração com todos os defeitos que ele nunca havia visto, quanto mais sentido.
O que sobra, é um ser que não quer viver, que não acredita mais na entrega absoluta por algo tão passageiro e dissolúvel. Fugimos de tudo e de todos, agarramonos ao nosso próprio medo e passamos a viver com os olhos no passado. Já nada interessa, já nada faz sentido, já nada vale a pena ser respirado.
Criam-se tantas expectativas por algo tão passageiro numa sociedade como a nossa. Somos bombardeados com casais sorridentes a partilhar uma vida de sonho, sem problemas, sem solidão, que achamonos no direito de ter algo parecido. Quando percebemos que a vida não é um anúncio de 5 minutos, daqueles em que os protagonistas vivem numa casa de 7 assoalhadas e o seu único problema é terem uma criança que pinta as paredes de uma cor contagiante e feliz. É aí, que deixamos de acreditar. Em tudo e em todos.
Alguém me pediu para não deixar de acreditar. Para continuar a acreditar que "o sol sempre amou a lua", nas ridículas cartas de amor de Fernando Pessoa, ou mesmo nos bolinhos da sorte chineses. "Acredita que tu acreditas em ti". Eu acredito em mim, mas quem é capaz de acreditar nos outros?







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