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Thursday, June 12, 2008

Reencontro - Antes do Fim

Ela


A instabilidade que carregas é algo penoso, para ti e para todos os outros. Na verdade, não recordo a tua imagem como algo eternizante em matéria de loucura e emoção corrosiva a transparecer felicidade. Lembra-me antes o longo vazio que me deixaste, quando partiste, sem nunca me explicares porquê.

Quando te tentei ligar, estavas fora de área, algures entre a Amazónia e as Cataratas do Iguaçú.
Tentei correr atrás de ti, mas não podia. Primeiro, porque não sabia nada a teu respeito, segundo porque o papel da mulher nos dias que correr já não é esse e eu não quero ser o alvo de chacota feminino. Já ninguém apoia a mulher que faz tudo para o amor.
Isso perdeu-se durante as eras que se foram passando, desde o ultra-romantismo. Agora a mulher quer-se pragmática e emocionalmente dura, urbana, culta e de preferência, que faça passar os homens por um mau bocado.
Devemos ser o oposto das geraçóes das nossas mães e é por isso que não nos suportamos. A minha mãe a dizer “ com esse feitio ainda vais acabar sozinha” e eu a pensar “ antes sozinha do que acabar espancada por um marido bebado como tu”, sem nunca o proferir na realidade. Porque mãe é mãe, é suposto ser sofrida e amargurada pela vida, para assim se dar algum valor por tudo aquilo que ela passou. Pelo menos é isso que me ensinaram.
Enquanto viro costas, apetece-me novamente voltar atrás e beijar-te, a ver se o mundo se esquece realmente de nós. Nesse momento, cresce em mim a dicotomia de sentimentos. Se por um lado, gostaria de voltar, por outro, não me perdoaria a mim mesma, por ter cometido tal insanidade.

Quando acordei e tu náo estavas, achei que tinhas morrido e depois de algum tempo , adoptei essa ideia para conseguir seguir com a minha vida. Afinal, dois meses náo seriam suficiente para conseguir abalar definitivamente toda a minha vida.
Passei a trabalhar arduamente. Acabei a escola de turismo e o estágio no Pestana ficou garantido, um pouco por culpa da indicação do meu tio, que neste país tudo é conseguido com algum tipo de favor e neste caso em particular, eu agradeço.
Daí até a assessora de relaçóes públicas ter entrado em licença de maternidade e terem dado por mim a trabalhar afincadamente e também pelo director se ter apaixonado pelos meus olhos azuis, conquistei essa vaga, merecidamente direi. Afinal, ninguém tem uns olhos como os meus.
Um dia o director disse-me “ ainda hei-de nadar nesses olhos”. E eu pensei, “tudo bem, desde que não seja nu” e ri-me sozinha a lembrar-me o dia em que nos perdemos com o Chardonnay na pousada de Coimbra e acabamos nus na piscina de madrugada. Foi a primeira vez que me senti livre. A segunda, foi quando decidi que tinhas morrido.
E embora tenhas levado parte de mim, contigo, houve coisas que só evoluiram com a tua ausência, embora o vazio de não te ter, tenha cá ficado.
Mas enfim, não voltei atrás e agora que reflicto calmamente, acho que não o queria, realmente. Voltar atrás porquê? O que terias tu a dizer-me depois de meio ano de ausência, sem um motivo ou explicação que justificasse nunca mais ter ouvido a tua voz, ou tocar na tua mão?
Há qualquer coisa de infantil nesta relação que está morta. Houve mais conversas, do que sexo, houve mais medo de entrega do que suposta interacção, mas ficaram os limites mútuos a demonstrar que podiamos crescer juntos. Por isso, não entendi quando fui obrigada a matar-te com a consciência.
Deixei de lado a hipótese que a culpa seria minha, isso seria certo. Afinal, não me cabe esse papel. Sou objectiva e meticulosa e embora náo tenha compreendido a razão do teu desaparecimento, também não me entreguei ao ócio e à procura de uma resposta infidável. Reclamei na tua incoerência e instabilidade emocional, essa razão mesmo assim pouco plausível. Ainda pensei procurar-te pelo Porto, ir a Bragança visitar a tua irmã a ver se havia notícias de ti, a ver se voltavas para mim, mas neguei-me sempre a esse papel. Nunca quis saber do amor, por isso posso continuar a viver sem ele. Basta apagar as imensas janelas de Coimbra, a casa da Joana emprestada em Sacavém ou a origem do nosso encontro.
Verdade é que, nunca julguei dormir mais concentradamente ao lado de alguém, como quando dormi contigo, ou sequer que o beijo significasse algo mais forte do que simples contacto humano.
Enquanto sigo recta, a echarpe a esvoaçar na minha cabeça e este clima lisboeta que me traz tanta ânsia de conquistar tudo e todos, penso apenas num momento que me traz a tua pele à consciência. O ser-humano vive por assossiações e vai ser difícil não associar a virada do ano à tua ausência e a uma tentativa da minha auto-estima quase se ter demoronado, enquanto nem conseguia chorar por teres partido. Afinal, que amor é este que não me faz soltar lágrimas? Tinhas conseguido ensinar-me a arte do amor, mas não me tinhas dito o que era suposto fazer se tivesse de acabar. E eu não sabia.

Cheira a dinheiro esta cidade. É o espelho do Portugal Europeu e se nos conseguirmos manter nela, achámos que Portugal é evoluído e multi-cultural em todas as frentes, quando é completado com territórios cheios de auto-personalidade, dentro de um bocado de terra junto ao mar. Por isso, jamais conseguiria viver noutro lugar. Hà qualquer coisa de contemporâneo nesta cidade que se envolve com o tradicionalismo do resto do país. É como se tudo tivesse de começar por aqui e eu sinto-me mais segura dessa forma.

Enquanto me meto no metro, lembro-me de te ver com algo debaixo do ombro. Terias escrito uma carta, a fim de conseguires evitar o desconcerto das palavras, quando tivesses a dar tua justificação? Tenho medo de ti, por isso me afastei. A tua incoerência faz de mim um objecto nas tuas mãos que nunca sabe o seu real valor. Valor que uma mulher procura sempre em ter na plenitude. Quanto mais melhor e eu quero sempre mais.
De nada me vale pensar no que seria se descesse na próxima estação e voltasse para trás, porque isso nunca poderia acontecer.
Morreste uma vez e não há nada que vá mudar esse facto.
O passado é incontornável.


Best Friend . the Killers read my mind

1 comment:

a canarinha said...

Cruzamo-nos um dia nessa rua coberta de gente, gente coberta de perfumes baratos, e impossíveis de destrinçar, cruzamo-nos entre mil olhares, outras mil palavras... havia um murmúrio no ar, lançado pelos transeuntes acostumados àquela calçada, e, mesmo sendo desconhecidos, ali, cruzamo-nos, e nunca mais nos esquecemos.

Não aconteceu naquele dia, em todo o mundo, momento mais sensorial, e ainda que não tivessemos sequer roçado os cotovelos, os mais profundos cheiros dos nossos corpos confluíram, como se sempre assim fosse suposto acontecer – o meu cheiro no teu cheiro, o teu cheiro no meu cheiro, dois corpos quase transformados num só.

Havia, naquele local, um qualquer magnetismo que, quase acredito, foi despoletado pelo cruzamento dos nossos corpos ali, naquele momento preciso no tempo.
E não houve, desde então, tempo igual a esse, demorado, lânguido, de uma destreza só... feito de uma câmara lenta tão nítida quanto continua nítido o teu cheiro em todos os meus poros.

Num cruzamento só, revimos todas as imagens que passaram pela retina dos nossos olhos, não tendo nunca encontrado, naquele tão vasto portfolio, beleza como aquela. E, de repente, preenche-nos uma vazio sem igual, uma qualquer coisa difícil de explicar, porque sentida com todos os sentidos.
Era aquela a sensação que havíamos buscado incessantemente, noutros corpos, sem nunca sequer ter imaginado a sua sensação... e, num repente, ela ali estava, bela porque inesperada, sentida porque silenciosamente desejada.

Segui caminho contra a minha vontade, arrastada por aquele emaranhado de gente exageradamente mal perfumada, e fomos levados para lados contrários, contrariados.
Lancei rede da esperança naquela calçada lisa, puxei de picaretas, tentei agarrar-me às esquinas dos edifícios velhos, às gaiolas de pássaros mortos de vida, porque presos, mas o revoltoso mar de gente empurrou-me rua acima, rua abaixo, quase que aos trambolhões, sem paragem em estação ou apeadeiro.

Caí num qualquer vazio imenso, frio, quase que como um buraco escavado na terra profunda, e ali pensaram-me adormecida.

Engano, puro engano.

“Bebi dos lábios da insatisfação todos os dias, este corpo não seca contra a minha vontade!
Levanto-me, e é hirta e firme a minha vontade. Levanto-me, levanta-te, ordeno! Dá o salto deste abismo descontrolado, lança-te para além dos limites que outros te impuseram, abre asas e voa, esvoaça!”

Empenho todas as minhas forças no teu encalço, derrubo todos os que me aparecerem à frente. Sou inundada por uma força presumivelmente superior, que me eleva, e sussurro em alta voz: eu sou como o céu, imenso, implacável; domino as nuvens que me cobrem, faço delas o meu cobertor, os aviões passam sobre mim, os pássaros têm em mim a sua morada; eu sou como o céu: nada me pode deter”.

E é nesse turbilhão que sou serena, cerro os olhos para a confusão de corpos que me circunda para pensar unicamente no teu. Não há espaço, nem vazio, existes tu, só. E isso basta-me como o ar que respiro, basta-me como néctar sadio, basta-me porque é único e verdadeiro.

Tu bastas-me.

Num voo quase supersónico e tendo por única coordenada o delicioso cheiro que emana do teu ser, chego até ti sem dificuldades. Encontramo-nos num patamar sobrelevado, um sítio para além dos sítios, sem cruzamentos ou encruzilhadas. Não há perguntas, ansiedades ou hesitações. Não há medos ou retracções. Não há esperas ou expectativas que permitam ao outro avançar em primeiro lugar, nem seguranças falaciosas, para aquele que se sente ser conquistado.

Somos uma sintonia só, dois corpos que se querem entrelaçar, rasgar as roupas e deixar nus os peitos, e num suspiro uníssono deixar colar os lábios, os pescoços, os braços, as barrigas, enrodilhar as pernas, penetrar os sexos.

O prazer é tão louco como inesperado! Descobri que existe neste universo um negativo de mim própria e afinal confirmou-se a minha total insanidade! E não me importam as normas que cismam em impor-me, nem as caixas em que tentam meter-me, a minha grandeza não cabe em rótulos, não é mensurável, nem dizível.

Mas este prazer é e eu sinto-o de todas as maneiras Entra-me pela boca e pelas narinas cerra-me a respiração não passa ar por umas milésimas de segundo e o prazer aumenta num grito expressivamente gritado E sinto-te na minha cabeça dentro da minha cabeça num eco que se perpetua inequivocamente “ quero-te, és minha!”.
Ai!!! Ai que sinto-me toda em reboliço!
E não pára é um vai e vem descoordenadamente coordenado somos ambos música num êxtase quase infinito Não passa uma brisa entre os nossos corpos estamos pegados numa pega oscilante entre o incrivelmente meigo e o deliciosamente violento Não me largues agora, não me largues... e lês-me e agarras-me, num abraço ainda mais forte, um abraço no meu peito, abraças-me a alma.

O Céu pôs-se limpo, numa calma ondulante. Permanecemos abraçados, sem sede nem fome, sem outra qualquer necessidade que não fosse a de nos termos.
Não havia já pessoas a calcorrear a calçada, aquela rua antes mal cheirosa sentia-se agora perfumada pelo nosso sexo.


A noite fez-se dia, e novamente do dia se fez noite, e assim num ciclo infinito e natural, em que os carros e as pessoas voltaram a povoar aquela rua, e com eles todos os ruídos característicos, as palavras, as músicas, as buzinas aflitas, os pedintes e os pregões.

Nada disso interfere no nosso momento.
Olhamo-nos nos olhos e reconhecemo-nos, sabendo que este momento não será consumido nem pelas chamas do fim do mundo.

E permanecemos num abraço infinito, enquanto dure.