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Tuesday, November 23, 2004

77 - II

Se disser que me sinto sozinho, não minto. Quando o amor preenche os poros da nossa pele e se liberta para nos tornar deuses entre simples mortais, tornamo-nos escravos da nossa própria sombra. É difícl explicar como é que me sinto tão vazio. Vazio de conceitos, de poderes, de ideias, de motivações, de jogos sejam eles de sedução ou de razão. Os meus textos já não rimam, as minhas frases já não têm sentido, a noite já não é tão escura... Sinto-me impotente por entre o mundo lá fora. Tenho medo de saír de casa, de entrar no 77 e ninguém me sentir. Gostava de tornar os meus sentimentos mais compreensíveis para todos aqueles que me leêm, mas não me permito.
A minha memória está cheia de momentos repletos de êxtase disfarçados com potes de ouro e borboletas que não voam, porque não as deixam. Escondi as fotografias que pude, apaguei-as dentro de mim, esquecendo que os seus restos acabariam por aí permanecer. "Ficar só é um privilégio dos amantes", luxo a que não me permito, porque me deixo arrastar por valores implantados por uma infância contraditória, onde a verdade fora de estar escondida, nunca existiu.
Uma pessoa não é nada sem identificação, sem nada que a leve a algum lado, mais do que um autocarro, mais do que uma droga, mais do que um sonho. A minha vida é cheia de sonhos, de ilusões, o motor acabo por descobrir, da ignorância. Sempre que entro no 77, todos os dias, à mesma hora, ninguém sabe que estou sozinho, ninguém sente que me debato com os problemas básicos da adolescência, que ouço Portishead para me entregar ao vício que é a melancolia, para fugir à tristeza de ter amado e não conseguir voltar a sentir o mesmo por outra pessoa, de o ter tentado e ter ficado encerrado no meu próprio isolamento.
"Tens medo de ser feliz?" Disseram que me perco nas palavras, que não exprimo o que sinto, que busco sinônimos, mas eu só me procuro em mim mesmo. Sinônimos para a minha dor, a minha falta de discernimento, o meu amor. Queria não ter medo, queria ser adulto e partilhar do doce que é ter uma rotina e um mundo pré-concebido onde nada se discute, onde tudo existe porque tem de existir, onde eu sou mais e me indentifico com os que também o são.
Tenho medo de ser feliz, porque ela cola-se para sempre nas nossas veias e a partir dali a fasquia sobe e o que poderia ser bom, passa a ser banal perante tão transcendente sentimento. Mais do que me perder em palavras, perco-me em sentimentos. Debruço-me sobre eles com a força de um cientista sem nunca encontrar a fórmula certa e desejada para o sucesso.
Acabo sempre por encontrar uma fotografia, um bilhete, uma carta, uma mensagem. Tenho medo de ser feliz, porque já o fui e pesa-me na consciência o facto de nada se comparar a tamanha força, de tudo saber a pouco depois disso, de eu me tornar mais pequeno depois disso. Tenho medo de ser feliz, porque as 3 pessoas a quem me entreguei deixam-me sem forças para encontrar a paz de que preciso, para entrar todos os dias no 77 sem esperar que alguém veja o buraco que permanece em mim e me tente ajudar.
Tenho medo de nunca ser adulto o suficiente para concretizar os meus projectos e equacionar planos. Planos de uma sociedade plena de valores, de energia, de vitalidade, de cores bonitas e reluzentes. Tenho medo de deixar de ser a criança que sempre fui e a felicidade passe por mim outra vez e eu não a saiba agarrar, inocente que já fui, observador e crítico atento que me tornei. Criança no olhar, adulto no coração. Cinzento, duro, impenetrável, dramático. Perco-me nas palavras e nos sentimentos, perco-me no ar que respiro todas as manhãs, nos corações que toco, na tristeza enorme que me percorre e ninguém sabe, porque ninguém tem de saber, porque por vezes, tal como Kafka, o merecimento da dor faz-me ser alegre.
Tudo aquilo que vivi, há dois anos, parece-me agora tão irreal, tão especial, que só agora me dou conta. O sofrimento que passo agora por alguém ter feito de mim um Ricardinho em nada se compara à tortura de se amar e saber que não se pode continuar, porque o abandono não é um acto de vontade, mas uma consequência do esquecimento. Já é tão tarde e eu ainda não disse nada. Preciso de ser mais conciso, como diz o meu professor de Gramática da Comunicação. Tento responder-lhe que a escrita, mais do que um acto mecánico, é algo que nos corre cá dentro, que as palavras são abertas e impuras, que o texto, tal como o amor, não deve conhecer limites de qualquer espécie. Já é tão tarde e eu ainda não disse nada porque, como o meu amigo Filipe refere "As palavras são escritas porque não se tem coragem". Coragem de as proferir, de soltar o nó que nos percorre para sermos para sempre maiores e termos o nosso próprio espaço, seja lá onde for.
Será que alguém consegue encontrar-me por entre a guerra que insisto em tomar partido?Será que alguém consegue ler para além do que eu escrevo?
Eu escrevo estes textos porque me deito sem nunca dormir, porque nada me pode salvar de não ser aquilo que os outros esperam que eu seja, porque nada me pode salvar de me sentir sozinho, de me escorrerem lágrimas disfarçadas de suór, de ser metade daquilo que eu gostava de ser.
Não tenho medo de não ser feliz. Tenho medo de nunca mais o ser.

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