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Monday, November 22, 2004

Vou sózinho. Atrasado, como sempre. A correr para chegar a tempo, a morrer porque nunca chego. Olho-me ao espelho mais do que uma vez, porque o que eu sou depende muito daquilo que eu mostro e não daquilo que eu sinto. São tantas e tantas as vezes em que gostava de parecer, identificar, ser eu, a primeira escada para a evolução pessoal e íntrinseca.
Vou sózinho. Passo todos os dias pelos mesmos lugares, pelas mesmas pessoas, pelos mesmos sonhos. São poucos os que são o que parecem ser e menos ainda os que gostam do que são. Há uma senhora que conta a vida da vizinha que é doutorada em manipular os senhores de bom nome lá do bairro a fim de receber alguma coisa em troca, há um freak qualquer, com roupas de um sítio qualquer, adornado de piercings para esconder os buracos que nunca hão-de ser completados numa sociedade que se odeia, há um executivo cuja alma foi currompiada pelo negócio, há uma rapariga tímida e discreta que manda mensagens de bom dia à sua mais do que tudo, às escondidas, sempre às escondidas.
Eu continuo a ir sozinho, rodeado por pessoas que passam por mim e não sabem de onde vim, que me despem, que me insultam, que me provocam, sem contudo proferirem uma única palavra. Eu meto os phones,à espera de que o tempo volte para mim e eu seja teletransportado para outra dimensão onde nunca precisarei de correr para onde não quero ir.
O cenário muda e é de noite. Misturo os copos com o Bacardi e levo as afilhadas comigo. Quero parecer e não consigo, sou condicionado por motivos execráveis e volto-me a sentir sozinho. Tou com os amigos no Tropical a comer um hámburger, tou no Industrial com a Inês João, tou no meu quarto com quem me deixou sozinho e tudo acaba a partir daí. Sonho com lugares incríveis, cenários impossíveis, pessoas impossíveis, amores impossíveis. Sou feliz, quero ser feliz. Quero voltar a andar acompanhado e ser concentrado no mundo que me rodeia, outra vez. Mais do que parecer eu quero voltar a ser.
Quero-me olhar ao espelho, onde todos nós nos buscámos, à procura de uma identificação, de um padrão, de uma igualdade que não existe nem é suposto existir. Tenho de voltar a estudar, dar boas notas aos pais, estudar para ser alguém, estudar para me encontrar, ficar mais culto, ficar superior. Tenho de esquecer, tenho de lutar, tenho de encontrar alguém, tenho de me voltar a encontrar.
Mentir para quê? Eu nunca estou sozinho. Vivo rodeado por pessoas que me defendem e me protegem. Alimentam o Ricardinho que há em mim e o pior é que eu gosto. Antes do degelo era tudo tão automaticamente bonito, incorrigível, correcto...Agora, agora divirto-me mais do que nunca e parece que nunca é suficiente. O amor tem destas coisas. Pega em discursos puros e concisos e deixa-os atrapalhados, errados, frágeis, como este texto, como o Ricardinho.
È tanta a gente a quem tenho de dar satisfações, são tantos os que me rodeiam, são tão poucos os que me conhecem e volto-me a moldar e a lembrar, a sonhar.
É difícil ser o que se é neste mundo que me põe rótulos, que me tenta despistar, que me tenta e me provoca, que exige mas não me dá liberdade, onde a confiança é um conceito gasto e pertencente a outra era, era que nem eu sei se existiu.
Nunca é tão mau como parece. Só preciso de encontrar o autocarro certo, para parte incerta.

"As histórias infelizes são, na maior parte, um exagero, tal como os perigos do mar", Comandante Joshua Slomm, navegador solitário.

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