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Friday, April 04, 2008

Extinção IV


Como se nunca o tivesses visto.
Afinal, quem és?
Acabo por compreender que me tornei uma das inúmeras personagens dessa perceptora que ambos acabamos por amar ao mesmo tempo.
Deixei de te procurar um tempo, dizem que faz bem.
Não sou ninguém.
E mesmo assim, continuo a ver o teu sorriso de cada vez que estou absorta num dos meus pensamentos quotidianos, sempre que olho pelo vidro e não vejo a realidade que espera ansiosamente por mim, sempre que não me sinto.
Tento reencontrar no álcool e por vezes na droga, a ilusão de que dizes ainda que me amas, que me consomes com o teu sexo vezes sem conta, que ficas comigo para sempre.
E é aí que acordo, por entre a minha voz trémula de raiva e desespero, a qual ouço ainda os ecos no fundo do corredor EU PERDOO te, eu PERDOOTe PERDOO te perd...
Apetece-me consumir o mundo e esquecer de que é que sou feita. Entrei em fase de negação consciente e convicta que já não retornas a mim, como sempre o fizeste.
Por muito que queira, não fui eu que te expulsei desta vez e por isso mesmo não posso fazer com que voltes.
EU PERDOO TE.
Já desisti de dormir e já esqueci de o tentar disfarçar. A verdade é que nada faz sentido. Se eu não te posso salvar, não vale a pena concentrar o meu olhar sobre o teu batimento cardiaco, de cada vez que passo por ti.
A Clarice Lispector é uma parva, para além de louca e eu deveria era mesmo desistir de mim.
Acorda.
Se me dessem a oportunidade de te fazer escutar uma palavra que fosse, seria essa, certamente. Acorda, antes que acabes com a minha vida, como quase fizeste com a tua.
Tudo veloz, tudo rápido, tudo sem termo. Era sempre assim, nessa inconstãncia da vida proclama por ti, que me ensinaste a viver. De vez em quando, tento beber uma coca cola com a mesma veracidade com que tu fazias. Parecia que bebias o mundo, com a sofreguidão com que lambias a última gota, mas mais do que isso, era a vida que transparecias cada vez que engolias o líquido que ainda havia de te correr por dentro.
No fundo tinhas razão, para que preocupares-te com a merda da coca cola, quando acabarias por ser corroído por outro coisa qualquer, como um simples poste que te atravessou a espinha e te deixou com apenas algumas funções das quais não sei bem quais funcionam, ainda?
Não foi a velocidade, não foi a estrada, não foi o carro que te matou, foi a culpa que sentiste, o medo de me perder, tal e qual eu sinto agora. Fugiste, como fugias sempre, para evitar o desespero da desilusão que pressentias no olhar alheio. Eras avesso a esse maltrato visual e por isso, nunca te submetias.
Ainda consigo ter a ténue imagem do carro a seguir o seu rumo, de te pedir para parares, de fumar um cigarro escondido na esperança que viesses, afinal, ter comigo.
Onde estás?
Bata branca, cabelo apanhado, olhar alienado. Se me vês nessa cama, já deves rogar para que ponha uma indumentária diferente, mas estou acomodada no meu próprio horror visual, dessa maneira nada me espanta mais.
Disseram-me que abriste os olhos, que pestanejaste, mas eu não acredito. Se isso tivesse acontecido, eu estaria aqui, ao teu lado e tu farias isso por mim. Sem dúvida alguma, que mentem, como sempre mentiram a respeito de tudo. Eles.
Às vezes dou por mim, sentada no Castelo de S. Jorge e dou por mim a falar contigo. A grande novidade é que desta vez não estou alcoolizada nem pedrada. Falamos do sexo dos outros, mas principalmente do nosso, como sempre. Como foi bom redescobrir um prazer escondido e encontrar aí um fundamento para amar, sem receios.
Falamos dos medos que nos uniram, da infância mentirosa que cada um de nós teve, dos namorados que já passaram por cada um de nós, da forma como nos vemos e os outros nos sentem. Falamos de tudo e eu continuo sozinha. Sabe bem, no entanto, porque controlo todas as tuas respostas, muito ao contrário dos sonhos onde tu me atacas, onde dizes tudo aquilo que te apetece, sem dar grande respeito áquilo que eu sinto.
Dizem que tenho mais pacientes para ver. Se isto fosse uma instituição particular, haviam de ver se não me tornava a tua médica particular, mas há um sem número de pessoas a quem devo responder, como sempre. Já não tenho tanta paciência para os problemas alheios, agora que tenho os meus. O meu único ponto de interesse, é socorrer os inconscientes que se despistaram ou causaram um grande incidente automobilístico.
Aí sou eu, novamente, com a esperança inócua de querer salvar-te, de te rever embebido em sangue, no grande silêncio que é a quase morte.
Quase morte, quase vida. A diferença há-de ser abismal, mas deixei de a conseguir compreender.
Deixei de conseguir respirar para além do meu próprio ar e várias vezes já me tentei impedir de o fazer.
Onde te encontro?
Se não estás comigo, se não consigo ir ter contigo, como faço para te alcançar?

Best Friend Damien Rice . Can´t take my eyes off you.

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