Pensar já não sobrevive em mim. Tornei-me apatia profundamente insuportavel, conformada com a minha paciência em ansiar por um amanhã diferente.
Preferia que me mantivessem à base de mentiras, daquelas suaves e escorreitas, que nos descem e nos deixam bem dipostos, todos os dias.
Sinto-me drogada pela mesma sensação de desespero fundo, cavo no meu próprio desejo.
Quando é que assumi que conseguia voar?
Fui demasiado longe e não me consigo desprender das cicatrizes que se foram formando à minha volta. Falo com a luz do tecto, porque é a única que não me foge, que sobrevive e nunca me deixa sozinha. Viajo sozinha, a fim de me perder na minha própria existência, bem por dentro de mim, a ver se a minha alma mergulha nessa carga sensorial que é esquecermo nos finalmente de quem somos. Para sempre.
É susposto ser assim.
Lembro-me no dia em que finalmente tomei coragem em mim, para conseguir surpreender a pequenez que se havia instaurado e perseguir a sombra que tanto me subtraía. Queria provar que eles estavam enganados, que nem tudo está fora do sítio e que isto não é suposto acontecer assim, apesar do medo expresso nas lágrimas e no vinho com que me procuro, seriamente.
Onde estou?
Queria tanto que me respondesses, que me acalmasses e que me chamasses todos os epítetos que só eu te deixava chamar. Amar torna-nos irracionais, seres completos por agonia e uma espera constante por uma penetração cheia de razão.
Fazias-me gatinhar na minha própria inocência, mergulhar naqueles lençois e esquecer que um dia me ensinaram que a mulher não pode ter o papel dominante nesse acto a que chamam sexual e que eu apelido humananente de instinto. Instinto de pertença e de sobrevivência. A busca por um segundo ínfimo de transladação dos corpor paraoutro lugar fugaz e descomprometido. Ser humano, compreende-se aí, tem um medo constante de solidão e sentido de pertença enorme. Maslow enganou-se e essa é de facto a primeira necessidade humana, a da pertença.
E eu esperava sempre por ti, a ver se nos vinhamos os dois e acabavamos soltos juntos, como sempre quisemos estar. Era o culminar do conhecimento adquirido, da energia concebida, do amor partilhado. Era mais do que sexo e bem menos que obcessão.
Era tudo aquilo que me sempre me ensinaram que existia, mas que não se chegava a conhecer, porque o conhecimento faz de nós pouco mais do que carne tocada e ninguém há-de querer isso.
Perco-me nas memórias sexuais e infantis da tua sabedoria, que acabaste por partilhar comigo. Dizias que era refilona e respondona, mas sabias que o único lugar do mundo onde gostavas que isso acontecesse, era na cama. Na cama, no sofá, no elevador, na casa-de-banho de um deles, onde finalmente nos esperasse cinco minutos de pura contemplação um por o outro.
Quero acordar.
Já passou tanto tempo e eu nem sei mais onde estou. Os cigarros acabaram-se, a tua maldita coca-cola também e eu que tenho de me manter acordada de alguma forma sóbria para ir salvar umas quantas vidas que não me pertencem, execpto a tua que me parece inalcançável.
Estás perdoada.
Afinal, estou sozinha ou estou apenas viva?Depois de um ano a esperar a reacção pefeita da tua parte, nem que fosse apenas um gesto, encontrei-o.
Claro que nada aconteceu por pura coincidencia. Cantou-me um trecho do Veloso e eu acabei por compreender então que nunca estive errada e tudo naquele dia me pareceu irremediavelmente perfeito.
“Muito mais é o que nos une do que aquilo que nos separa”.
Ao início, sentiu-se culpado, mas eu sei que ele te visita, mesmo agora, que não lhe respondes, Disse-me que evita confrontar-me com a sua presença, na esperança que eu o perdooe. Se estivesse tão absorvida pela maconha como estou agora, era capaz de o provar só para encontrar um resquício de ti. A ver se te encontro nessas entranhas, onde já permaneceste e acabaste por desaparecer.
Por muito que eu não queira, ele teve parte de ti e eu descobri há muito tempo que isso não pode fazer parte das minhas preocupações. Nele encontrei a ternura que também sinto, apesar de lhe sentir abandonada.
Diz-me entre um café que acabei por o levar a tomar pelo chiado, que era aquele o lugar onde costumavas e gostavas de parar, apenas para apreciar todas as pessoas que desfilavam, seguras demasiado de si, apenas porque achavam que se sentiam bem na sua própria pele e não tinham de lidar com os problemas de mais ninguém.
Noto que adquiriu o memso hábito, nao sei se contigo ou posteriormente, de não colocar açúcar no café. Essas manias aristocráticas eram todas tuas. Capirinhas mas só de manga,arroz de cabidela, mas só caseiro, sapatilhas da nike mas só compradas na Friday Project e uma pessoa vivia a contemplar a forma como escolhias os teus amores e ódios.
Como vês, não estás sozinha.
Nunca estou, muito menos quando fumo maconha e me dá aquele desejo de ter dentro de mim, como só me dava contigo. Estou obecada pelo sexo que me davas e pela forma como eu reagia a ele.
Acabei por o convidar para jantar, noutro dia qualquer. Não sei se uma quinta ou se uma sexta, porque os dias parecem-me todos solarentos um pouco demais para atentar na felicidade deles.
E se eu não tivesse mais tempo para permanecer aqui, será que voltavas, me abraçavas e me levavas contigo, para onde quer que fosse e me deixavas perdoar-te de algo que nunca aconteceu, como eles sempre me quiseram fazer acreditar?
Queria que me beijasses, que me tocasses, que me fizesses sentir como se nunca mais me fosses encontrar, sem eu ter essa consciência, apenas para poder deixar-te descansar em paz e nunca mais ter de te chamar, enquanto vejo a janela a flutuar, não sei se do vento, não sei daquilo que me venderam no Bairro.
Antes de ir, disse-me que tiveram um projecto, desenhado por ti, para ficarem juntos lá pos lados de Sesimbra. Soltei a gargalhada mais sonora e senti a perder-me entre a frustração e a agonia de te ter perdido num momento em que nunca te tive.
Egoísta.
Sinto-me maior do que o meu corpo e por isso quis desaparecer e nunca mais aceitar que não fui a primeira. Cobardemente, contento-me em pelo menos ter sido a última. Apateceu-me gritar-lhe ao ouvido que ele era meu e que sempre tinha sido, só que só o reconheceu mais tarde, quando me finalmente me conheceu.
Como mulher, faço do destino a minha figura de estilo máxima, porque todas acreditamos nele, quando ele nos traz algo de bom. Apeteceu-me ainda, levá-lo a fumar comigo qualquer coisa e ouvi-lo a falar da decoração que tinham escolhido em conjunto, da disposição metódica escolhida por ele e que nunca teve rumo, nem bom termo. Apeteceu-me gritar que no fim, ficaste comigo.
Morri contigo.
Ainda não, ainda não esqueci tudo o que ele tinha para me revelar, nada que eu já não previsse em toda a sua magnificiência. Embora ache que estou a perder a sequência dos acontecimentos, mas é o que me acontece quando fumo de mais. Vai-se a linearidade temporal, fica a memória equívoca dos acontecimentos.
Foram largos momentos em que não o ouvi e me concentrei nos seus atributos físicos, pouco evidentes.Parecia muito mais velho do que nas fotografias que me mostraras e muito mais destruído também. Disse-me que a culpa era da bebida russa, e eu acreditei. Um homem é sempre sincero quando já perdeu tudo.
Tive vontade de me fazer perder entre a gravidade e evitar o chão, mas esqueci-me que estava acordada, por muito que me custasse admitir.
Quando acordei de facto, ele já tinha dito aquilo que eu queria ouvir, e eu tinha estado absorta nos meus sonhos por metade, que acabei por me habituar a ter.
Envergonhada , ainda com o cabelo apanhado e os joelhos trémulos, pedi-lhe para se encontrar conmigo novamente. Já te tinha dito isto, certo? Tenho de voltar a ouvir e provar a mim própria e ao resto do mundo, que nunca estive tão certa, como tenho permanecido, desde que quase te perdeste em múltiplos bocados de ti próprio.
Tenho de ser eu a morrer contigo.
Best friend Alicia Keys – like you ll never see me again
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