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Wednesday, March 09, 2005

Em busca da terra do nunca

Há-de ser sempre o Tempo o nosso maior condicionador, o factor determinante para a extensão de um sucesso ou para um afrontamento de uma qualquer acção que sempre soubemos que nunca ocorreria. E é o Tempo que determina a nossa capacidade de prolongar o sonho, afinal a nossa maior arma contra os espectros que nos tentam e perseguem sempre e todas a vezes que abrimos os olhos.
Esses espectros, que muitas vezes nos ferem e nos fazem esconder debaixo da aparente segurança do nosso sofá onde nos esquecemos que existímos, onde nos esquecemos que essa mesma existência é afinal apenas uma doença terminável que um dia qualquer, num espaço qualquer, acabará enfim, por nos segregar e terminar com o velho eco que nunca nos deixa de perseguir.
Lá longe.
No Restelo.
"Quando se está feliz num sonho, isso conta?"
Estha, personagem inabalável do romance de Arundhati Roy, "Deus Das Pequenas Coisas", tem necessidade em conseguir conceptualizar se aquilo com que sonha é de facto mais importante do que o arcaísmo em que a sociedade indiana está afogada, poço de encontro de múltiplas culturas e indecisões - atrevo-me mesmo a dizer, de incoerências-, ou se o mundo dos adultos é de facto tão linear e escorreito que a capacidade que nos equipara a um ser perfeito e perpétuo é pertencente a um álbum esquecido, que é para onde recorrem todos os momentos que nunca mais hão-de ser vividos, quanto mais sentidos.
Essa capacidade, acabará Estha por perceber, há-de ser sempre posta em causa, por um mundo cheio de certezas, repleto de "gente perdida" à espera de que o amor de alguém os salve.
À espera que a noite caia como morcegos.
À espera da mudança. À espera que o desespero morra.
Cegos como morcegos.
Esses espectros em que Estha nunca se converterá simplesmente porque nunca crescerá - não teve Tempo - tentam a todo o custo matar toda a luz que nos poderia remeter para algo melhor.
No fundo, somos todos espectros de nós próprios, a perseguir a sombra que teima em fugir, qual "Peter Pan", rodeadas por pessoas que sofrem do síndrome "Capitain Hook", que por nunca conseguirem voar não deixam os outros tentar.
Mundo desajeitado, ocidental e errante este, na maior parte das vezes.
Em que as crianças são desiludidas por não terem um sinal na bochecha bolachuda que tantas vezes apetece apertar, em que não há tempo para fazer dinheiro, em que não há dinheiro para refazer o tempo, em que não há tempo para gastar o dinheiro.
Somos então tentados, a sermos comandados por ideologias, esperança desafinada, de pessoas que entregam o corpo apenas porque já não tem alma, sempre em busca da "Terra do Nunca".


Mão na anca. Cabelo liso, olhar descarregado. Olha-se pela terceira vez e ainda assim não encontra a equação certa na imagem que reflecte a sua imagem. Olha-se antes de saír para a feira das vaidades, que é qualquer um desses passeios que todos os dias insistimos em pisar.
Joana tem idade suficiente para conseguir aquilo que quer e um sorriso tão frágil como o mundo para mostrar que tudo depende da capacidade que cada um contém em si de olharmos mais além. A Joana é apenas mais um ponto a juntar ao longo e vasto mosaico de pessoas que partem para parte incerta, sem passado ou tempo que asseguram o futuro. Sempre a fugir do malvado crocodilo que a avisa que o Tempo está a acabar, independentemente dos prazeres materiais com que se rodeia apenas para desviar a sua solidão. A Joana, acha que só precisa de vestir o 36 e rodear-se do máximo de gente que se pareça com as pessoas que todos os dias vê na televisão, para conseguír ver o mundo como outrora noutro Tempo, já sonhara.
O problema da Joana e de muitos de nós, é que as estrelas desses grande Império Cultural, como diria Adorno, não existem e ela vai ter de levar o Tempo suficiente até se dar conta desse facto e compreender que a nossa felicidade depende da capacidade que cada um de nós tem para fazer aquilo que melhor sabe. Talvez seja então obrigatório revitalizar conceitos tão esquecidos como a coragem, perdidos num qualquer diccionário, metáfora do sistema burocrático que nos rodeia.

O que separa Estha e Joana, não é a imensidão cultural ou geográfica, mas apenas a capacidade de sonhar, a nossa maior chave, peregrinação para a nossa perfeição em potência, prova real de que o impossível é o nada.
Cabe-nos a nós decidir qual papel temos capacidade para desempenhar. Parafraseando Júlio Pomar, a vida é um imenso tinteiro.
Coragem.


All I need is a Timeout, Timeout from everything...


Wednesday, February 09, 2005

Condição

O Tempo é o controlador máximo das nossas pequenas vidas. É ele que determina o início e talvez o fim de cada poema, envolto numa paixão que nunca acaba. Queria eu ter tempo para reter em mim todas as memórias a que me proponho, tocar-lhes e conhecê-las, tornar-me, enfim, parte delas. O que fazemos com o Tempo que é concedido a cada um de nós determina aquilo que somos.
É engraçado como já tentei escrever este texto algumas vezes e nunca o consegui. Falar de nós próprios e dos medos que nos assaltam dia-a-dia parece ser cada vez mais uma tarefa árdua que só alguns parecem ter coragem suficiente para a concretizar. Muitas vezes queria eu esquecer o passado, torná-lo fruto dos meus pensamentos inexistentes, porque nunca permaneci nele, nem sei mais se existíu. Em vez disso debato-me com sonhos e imagens que talvez tenham sido criadas por mim, pessoas que povoam o meu tecto pintado com uma cor inconstante, tal e qual como eu. Vejo-me muitas vezes como a Sra. Fisher presa "nestas relíquias de uma vida que nunca existíu", mas que eu sempre idealizei. Tento fotografar dentro de mim os momentos mais sólidos de uma infância marcada por brinquedos que se desintegravam sem que eu lhes tocasse e responsabilidades que não tinham que ser minhas. Conceitos que me implementaram e que agora recordo com a mesma frustração com que sentia o algodão doce a escapar-se sorrateiramente dos meus lábios, sem que eu alguma vez lhe tivesse tocado.
No fundo, a vida continua a ser o maior enigma, a maior travessura de um Deus que nos tornou inesperadamente imperfeitos de mais e que se cansou de nos controlar. Agora, somos apenas marionetas, dispostas na mesinha-de-cabeceira à espera que alguém lhes indique o caminho de volta, de onde nunca deveriam ter saído, de onde nunca devíamos ter saído. Partimos assim, numa sociedade que se une e desintrega, comandada por políticos que se atacam de pijama, fazendo com que retomemos cada vez mais a uma sociedade envolta em teorias sebastianistas, período do qual parece muitas vezes nunca termos saído.
Eu tento absorver o Tempo e pousâ-lo em mim, talvez recolher-lhe a essência e conseguir respirar dentro dele, não controlá-lo, mas antes reconhecer-lhe o toque e o cheiro para que quando ele chegue, eu o reconheça. E é do Tempo que vivem as minhas recordações perdidas em construções e cenários pré-existentes de uma memória programada para me fazer acreditar que tudo valeu a pena, mesmo quando não vale.
"O que mais hei-de dizer sobre uma ruína?Acrescentar talvez que é impossível suster uma ruína só com a vontade" e eu mesmo consciente desse facto tentei sempre achar que o inalterável é sempre ultrapassável, que o olhar indecifrável há-de me levar a um porto seguro, que a cor que polvilha os meus sonhos é de facto azul e não apenas preto e branco, numa realidade sempre condicionada, numa visão sempre influênciada. Continuo a considerar que a capacidade de sonhar é a nossa maior fê e que a morte apenas o início do fim, porque nela tudo se concentra e é nela que todos nos encontramos.
Debato-me a fundo por imortalizar as imagens que criei de um país que resiste a uma colonização contemporânea, fruto do poder da burguesia capitalista e vejo-as a apagarem-se. Tento mantê-las, mas desaparecem, escapam-se um pouco como as soluções para um Portugal que parece não querer sentir o peso da mudança e do progresso, que nos envolve em imagens de relações produzidas em inúmeros takes de uma cultura que não a nossa, de modo a que consigamos perspectivar uma realidade perfeita, de modo a que consigamos idealizar para nós aquilo que tanto ansiamos que aconteça na grande tela. A perfeição continua assim, a ser uma das grandes metas de cada um de nós, onde tudo tem de ser perfeito, constante e dramático.
Construímos então, grandes projectos de uma vida a dois, contemplando um futuro sem passado ou alicerces para que no fim apenas restem ruínas daquilo que tentamos ser e não conseguimos e esquecemos, sedentos de ilusão, que é o Tempo que nos controla e que como Arundhati Roy refere, "tudo pode mudar num dia".
E mudou.

Tentei alcançar o que não tinha
Certo de que o conseguiria
Neguei a culpa que sentia
Apenas para me tornar seguro por mais um dia,
Feliz, dei por mim perdido
num mar de gente que se olha e se arrasa.
Tentei amar em vão
Consciente de que ainda sei onde é a minha casa.
A morte não me assusta pois sei onde acaba
a grande paz que a consome, a vida é que me interroga
Por isso peguei no Tempo e apaguei-o.
"Tudo pode mudar num dia", casas que destroem
palavras que se amam, cheiros que se confrontam
estrelas que se unem, traduções dentro do silêncio.
O Tempo que me leve que ao mar hei-de ser entregue
Como o murmúrio perdido no tempo e na mão de Lídia Jorge
Uma imagem que passa e não cansa, uma memória
memória de um tempo inacabado,
sentimentos que colidem num sonho ainda não concretizado.
Saudade é mais do que Aquilino Ribeiro
é "condensar o mundo num só grito",
é preparar o Homem para o futuro
e construír assim um novo mito.

Thursday, January 27, 2005

Fernet

Tempo. O tempo foge-me por entre os dedos, como partículas envoltas numa voz que nunca cessa, evocando memórias, trazendo gente grande a um mundo pequeno - o meu mundo. Devíamos ser capazes de controlar o tempo, ao invés de lhe sermos subservientes, de o tentarmos seguir, sem nunca compreender a sua integridade. O tempo é matreiro, envolve-nos numa perseguição constante acabando por nos deixar entregues à nossa própria solidão.
Aqui, onde estou, o tempo continua-me a fugir, por entre os dedos como a areia que piso, como o olhar que me tenta, o sorriso que me abraça e ilude. A falta de tempo deixa-me perdido, porque não me dá espaço para encontrar todas as sensações que me permito a alcançar. Queria agarrá-lo, absorvê-lo, tornar-me parte dele, ser o seu filho pródigo e nunca mais ter de me preocupar em segui-lo, em rastejar por ele.
É o tempo que não me faz esquecer que não sei onde permaneço, neste lugar onde as ideologias foram invertidas e ao invés de se adorar um Deus, venera-se Marx e onde o seu filho omnipotente vigia tudo e todos calando aqueles que o tentam ultrapassar.
Queria muito compreender a consistência do tempo. Roy no transcendente "O Deus Das Pequenas Coisas" afirma que "tudo pode mudar num dia". No lugar onde me encontro, onde não me reconheço nem me procuro, onde não há marcas de um colonialismo contemporâneo e onde as minhas memórias não tem lugar, o tempo continua-me a fugir, porque não tenho capacidade para o encontrar, talvez revoltar, determinar o que sou, quando sou e porque o sou. Confundem-me com um Inglês e tratam-me mal. Aqui não gostam dos ingleses, e no intervalo da confusão olham-me com pena, por ser apenas uma partícula comandada por esse pote de intervenções burguesas que é a América.
Alguém me explica que a miúda que me serve à mesa faz parte de um povo traumatizado pelas constantes invasões do chamado mundo ocidental, que no fundo acham que eu sou mais um turista superficial que vai acabar por tentar conseguir alguma coisa delas e acabará por se ir embora sem deixar memória. Isso só me deixa mais motivado para tentar conseguir a simpatia de alguém que é movido pelo Comunismo, como em Portugal o somos pela Igreja, onde tudo é um teste, mesmo o tempo que o tenho para o conseguir.
Envolvo-me em jogos de sedução, espreito a sexualidade que este povo evapora, mostro-me sem que nunca me toquem e no fim espero pela sua aceitação. Delicio-me com o alcoól e com a recente descoberta que foi o Fernet e todo o sabor que me conduz. Mergulho de cabeça em diferentes culturas, troco opiniões, opções de viver a vida e acabo por perceber o quanto ainda tenho para aprender, "porque tudo pode mudar num dia" e ainda assim pareço envolto numa luta permanente contra o tempo. Afinal o que é uma semana para se tornar um momento mais do que fugaz da nossa vida? Queria permanecer aqui o tempo necessário a descobrir os defeitos que tudo que é tocado pelo Homem tem, sem ter de lidar com os meus medos, as minhas paixões e tudo o resto que envolve o nosso percurso.
Cecília numa das conversas, pronunciadas num Inglês com sotaque a Argentina, diz-me por entre um hambúrguer e um "Tiger" que sou um idealista. Não procuro conhecer a origem do adjectivo, mas acho que soa bem, assim como sonhar, dançar, esquecer simplesmente que somos controlados em todas as nossas acções, onde há sempre alguém que nos vigia e pouco a pouco vamos perdendo a nossa identidade.
De vez em quando, dou por mim a esquecer-me que estou controlado mesmo ali, quando me envolvo com outro corpo e experimento sensações novas, com o céu negro e estrelado como pano de fundo.
Não há televisão para me entristecer com algum adolescente que foi expuslo de casa apenas por não gostar das mesmas coisas que os pais gostam, não há telemóvel para alguém me tentar amarrar a uma relação vazia, não há nada que me remeta para uma realidade pré-existente e por isso sonho, consciente de que tudo tem o seu tempo e eu acabarei finalmente por acordar. Mas eu não quero acordar e agarro-me a esse sonho que é poder ser o que eu sou, onde estou, sem que ninguém me tente.
À noite, sou um espectador atento e partcipante, entregando-me à fama conseguida apenas por ser o único português no meio de tanta gente que simplesmente não o é. E quando olho para trás, já só tenho metade do tempo para fazer tudo aquilo que toda a gente gosta de fazer. Vejo-me a conquistar amigos , a trocar o português por um espanhol rafeiro e um inglês comodamente aprendido na MTV, a habituarem-se que gostem de mim, a habituar-me a gostar de alguém.
Judite, uma bailarina que acaba por me ensinar o prazer que é saber dançar essa dança que nos arrasta para o sexo descomprometido (salsa) diz que a maior parte da população gosta da vida que leva, porque embora pobre é "uma vida íntegra sem que ninguém que não seja daqui tente fazer de nós aquilo que não somos". E de repente já sou um deles e acabo por ser mais um partcipante dos jogos em que mostramos aquilo que sentimos. No fim, acho que gostaria de ficar cá por mais tempo, para descobrir se o sorriso que me abraça é de facto meu e nunca mais ter de ouvir as vozes que nunca cessam, que nunca apagam como a luz que nunca funde, como as traças que dia a dia nos tornamos.
É o alívio que me segura a este lugar, é o sonho de voltar e ser melhor que me faz sentir a saudade. Como diria Cesária Évora " Se vou a escrever, muito há a escrever". Enquanto o tempo não terminar, não vou parar...

Alívio

El frescor nocturno,
las estrellas altas,
los árboles inmóviles,
la luz del alma
ardiendo sin palabras.

miro a las nubes y pienso:
hay otro lengueje.

Las palabras hablan
con nuestras bocas.
Se alimentan de nosotros.
Nos sepultan, prosiguen.

Las palabras toscas, ilustres,
que tan enormemente han servido.

No pienso en nada y pienso
(mirando a las nubes):
hay otro lengueje. Cintio Vitier

Friday, January 14, 2005

Intertextualidade

O perdão é daquele tipo de sentimentos que resulta para poucas pessoas. Dou por mim, ainda a descobrir-me a mim próprio, envolto numa adolescência que não acaba, envolto numa sociedade que não quer que a adolescência acabe.
Devíamos todos ser capazes de conseguir perdoar. Perdoar aqueles que nos constroem obstáculos obstinados, como sombras dentro de um baralho de cartas que nunca acaba, como a cidade de seguro na mão, fruto do crescimento tecnológico. Ensinaram-me que se devia perdoar assim como Jesus nos perdoou, mas confesso ser difícil partilhar dessa dádiva de um Deus de quem sei muito pouco, e que acaba por nunca me devolver a paz que nunca acaba, descoberta em azares próprios de uma idade que se quer obstinada.
Eça de Queirós desmelindrou muito bem esta Sociedade Unidimensional que crê em tudo o que vê, a partir de crenças instituídas por sistemas que apenas têm como objectivo padronizar a cultura, tornando-nos iguais, mesmo quando a desculpa parece ser a palavra mas difícil de proferir por quem requer o perdão.
Acredito unicamente no Deus que criei à minha imagem, que me anuncia os maus caminhos como curtos e sombrios e me faz reconsiderar toda a perspectiva que tenho por esse valor que é a vida.
Desta maneira, o jornalismo enquanto prática violada pelos fundamentalismos de uma falsa Ética, que nos leva constantemente a perdoar, fazendo-nos criar a imagem de que esse valor é banal e desprovido de conceito real. Constrói todos os dias imagens que proliferam pela nossa imaginação. Desde ministros que eventualmente não podem gozar de um dia de descanso, passando por personagens públicas que se parecem com personagens de Banda-Desenhada rasca e sentimentalismo desprovido nas notícias que todos os dias entram pela nossa casa. Perdoamos tudo isso e passamos a ser passivos e remetemos numa fúria compreensível todas os acontecimentos que torturam uma sociedade individualista num Deus, que muitas vezes parece ser sombrio e mau, como nos ensinam na catequese, como Eça revelava na obra-prima que é o “Crime do Padre Amaro”, como se Deus nos fizesse cheio de massa corpórea e a quem temos de respeitar, sob pena de nos enfiar uma onda gigante pelos nossos paraísos turísticos, como se alguém perfeito pudesse também ele ser feito de material impuro, sujo e deficiente.
Deficiente é a comunicação social que esconde as construções precárias, mesmo ali à beira do mar, como se estivessem à espera de serem engolidas. Como se nós apenas víssemos aquilo que queremos ver, visto que somos nós, enquanto sujeito independente que fornece apoio seja a que nível for, para depois receber uma imagem distorcida de si mesmo, acabando assim por ficar também distorcido.
Sontag, essa fazedora de ensaios que abriam a luz para a descoberta dessa cultura de massas que nos une numa ignorância impávida, foi uma das primeiras a descortinar o papel da fotografia, como se eternizássemos para sempre o momento, mas apenas os bons, porque os maus são para encolher e não mostrar, porque revelam as nossas fraquezas. Isto acontece, talvez, porque vivemos num mundo ocidental em que o mais forte é obrigado a dominar todos os outros e todos querem ser os mais fortes…
Acabamos eventualmente por perdoar Deus, que não tem culpa da ostentação de riqueza do Homem, como se fosse ele que nos pedisse desculpas, como se fôssemos nós que lhe devêssemos dar a glória da clemência e da purificação. Como se a S. Joaneira (O Crime do Padre Amaro) pudesse de alguma maneira apontar o dedo a alguém, quando ela escondia dentro das suas saias um prazer devoto em ser corrompida pelo cónego-mestre e promover a Religião Cristã como única fonte possível de conhecimento. Aliás, essa instituição ensina-nos tudo menos a Ética verdadeira, aquela que pode parecer utópica, mas que seria fácil de praticar se todos percorrêssemos o mesmo caminho.
Aqui há dias deparei-me com um caso explícito e mais do que comprovativo da criação magistral que os meios de comunicação se empenham em criar nas pessoas que se revêem nos valores que eles proclamam. Exportam caras bonitas para a televisão, promovem-nas até à exaustão nas revistas que de cor-de-rosa têm muito pouco, fazendo crer no consumidor que a personagem criada na televisão é de facto real, que lhe pode tocar e dessa maneira exaltar-se quando ela sofre, como se sofresse também, quando ela exerce poder, como se ela exercesse poder também.
Tal como nos meios de comunicação, o administrador deste blog, tantas vezes repleto de sonhos por criar e de sorrisos que nunca aconteceram – não existe. Da mesma forma que a Britney Spears não é na verdade uma miúda inundada de princípios boémios, da mesma forma que os governos esconderam a possível ameaça do dito Tsunami que desbravou países que nunca foram nem nunca serão independentes. Da mesma forma, que o administrador deste blog não é a mesma pessoa que vêem numa dessas noites a dançar ao ritmo da vida ou que passa na passadeira iludido que isso funciona como protecção de alguma coisa. O consumidor tem assim, de ter a capacidade de se distanciar destes ensaios pseudo-filosóficos, que muitos gostam de ler, assim como a realidade que consomem avidamente na comunicação social. Alguns, é certo, remetem para o lado mais fraco do coração, por se deixarem agarrar em ideias acerca do administrador. Têm de possuir essa capacidade, para não terem de se debater com o perdão de alguém que simplesmente não existe.
No fundo, fico contente por estes textos evocarem opiniões diferentes (seja num jornal como já foi o caso ou mesmo noutro blog) no íntimo de quem as lê, pois é de facto o seu objectivo principal enquanto experiências íntimas e reais. Todos somos Humanos, todos podemos errar e exigir o perdão, mas sempre com Ética, valor fundamental esquecido pela Igreja e pela cultura que esta domina. Não é de estranhar então que quem ataca, como não tem princípios ideológicos, não se assume e esquece-se ou nunca aprendeu que a Ética instaura em nós três tipos de responsabilidades pelos nossos actos. Mais, essa pessoa não existe no meu imaginário sequer, porque não se identifica e usa um espaço para denegrir a imagem de um administrador que pode muito bem ser quem não escreve os textos (será?).
Não conto com esses infortúnios. Todos passam pelo mesmo, incluindo Inês Pedrosa que viu a sua imagem arrastar-se devido a alguém que prefere optar pelo espaço íntimo, mesmo sabendo que esse não conta para ninguém, a não ser para os fracos de espírito.
Eu perdoo-o quem se dá ao perdão, quem tem coragem, capacidade e visão para o alcançar.
A vida, embora muitas vezes ache que não, ensinou-me a reconhecer essa intertextualidade entre a pessoa e os actos da mesma. A vida ensinou-me que o que tocámos não é nada mais do que a alegria de pisarmos a relva logo de manhã, fazermos castelos na areia enquanto ainda nos deixam e levarmos alguém deste mundo connosco, mesmo que seja apenas a nossa sombra. Mesmo que sejas tu.




I will build my world, i will sing my songs, i will keep my helmet on

And you can ruin my songs, you can ruin my world i will keep my helmet on
The Gift, Driving you slow.

Monday, December 27, 2004

Humanos

Gostavamos todos de ter aquilo que tanto desejamos. No fundo, o desejo é a fonte máxima de poder que reside em nós, humanos, enfiados em espartilhos contraditórios acerca do nosso passado, com um futuro coxo pela frente, com um amor pendente, sempre. É o desejo que move esta época, a que chamam Natal e na qual nos afundamos em dívidas para conseguirmos oferecer aos outros aquilo que eles têm e nunca precisaram.
Desejo eu muita coisa para este Natal, que já passou, mas que permanece dentro da casa de cada um de nós, porque o Natal não é um dia, mas uma semana inteira de projeções inacabadas, de folhoses que nos enchem o espírito, de encontros que nos agitam. Dizem que é a chamada época em que a palavra que mais reina é o perdão. Perdão a todos aqueles que nos desmerecem, que nos torturam e enchem os sonhos de uma cor que se parece com a morte.
Perguntei a uma criança o que era o Natal e ela perguntou-me de que cor eram os sonhos. Não lhe respondi e ela também não. Ambos sabemos que o sonho é o que nos eleva e faz superiores, mas também sabemos que é por ele que ambos caímos e nos magoamos. Respondeu-me apenas que desejava que o natal fosse mais do que um sonho, ao qual se agarrase e o fizesse perdurar e que dessa forma, talvez " as pessoas com olhos em bico não morressem todas no mar".
Gostava de voltar a sonhar como dantes, mas os meus desejos não mo permitem. A lista que fiz ao Pai Natal não tinha nada de suficientemente novo ou irreal. Queria desejar um avião, um amor novo, um guia, mas nem isso.
A criança deu-me a mão e eu senti-me novo, outra vez. Não sei o porquê de ter falado com ela, mas sei que me fez bem, como se a capacidade de sonhar residisse não na maturidade, mas como diria Saramago, na sabedoria.
"Tu que és grande, és invencível. Protege-me, protegendo-te a ti, sem nunca me largares a mão".
E não larguei.

Tuesday, December 14, 2004

Desejo - Romeu e Julieta III

O desejo é uma parte incontrolável de toda uma vivência, seja ela transparente ou não. É a partir do desejo que alcançamos aquilo que nos permitimos a alcançar. É a partir do desejo que nasce a paixão que segurada por tempo indefinido desagua no grande encontro com o amor.
O desejo faz parte da vida de Rui. É ele que lhe demonstra que os sonhos são mais reais quando se evaporam da caixa mágica onde os conservamos e que um beijo, pode ser muito mais do que um beijo. Rui tinha desejos incontroláveis. Gostava de espiar as cozinheiras enquanto elas faziam aquele pudim que ele roubava inconsequentemente. Desejava um dia ser tão alto como o pai e ter alguém ao seu lado que lhe fizesse todos os pequenos mimos que recebia da mãe.
Rui era pequeno entre gente grande. Fora educado entre o manto de consequência que os seus actos poderiam ter para uma grande família como a sua e nunca esquecera uma das grandes máximas de Shakespeare, tudo que começa no erro tem, irremediavelmente, de acabar no erro, também.
Mas era o desejo que o movia, quando não estava em casa. A casa representava a formalidade que ele não podia pôr de lado e o orgulho que ele tinha de beber, a partir do momento em que se tornava um Ataíde.
Quem vive no Porto, sabe de antemão que a cidade tem regras e códigos pelos quais aqueles que a ela quiserem pertencer, têm de os seguir. Agustina Bessa Luís, na sua última e prodigiosa obra desmonta bem todo o feudalismo em que a cidade está submersa. E no Porto, há desejos escondidos em cada esquina, há espera de serem revelados. Desejo de possuírem o que não têm. Desejo de encontrarem o que não existe, desejo de fugir se alguma coisa não corre pelos ajustes.
Rui tinha o desejo de continuar a vida que os pais lhe destinaram. Talvez ser um bom advogado, entrar com uma bolsa de mérito na Católica, ser uma pessoa respeitada na fechada sociedade portuense, que é acolhedora para os que vêem de fora e não ficam muito tempo. Mas acontece que Rui, que como muita gente pequena, não faz esquissos de regras que tem de cumprir, não elabora mais do que sonhos de uma vida que não se sabe se há-de ser longa ou simplesmente comprida e descontrolada. Rui apenas desejava, nos seus sonhos, encontrar algo que o mantivesse fora daquela paz que o aterrorizava. Pedia algo com mais condimentos, que o fizesse saltar em frente aos convidados dos pais e vestir t-shirts em vez de camisas.
Poucos sabem que para sermos confrontados com algo, temos de estar inconscientes do inesperado. Só assim ele nos poderá surgir aos nossos olhos de alguma forma maior do que a aparente. No fundo o que Rui queria, era ter algo mais do que um nome. No fundo o que Rui queria, como todos nós era que o desejo que ele continha em si transborda-se para algo superior, algo de transcendente, algo que o apanhasse e o levasse desta realidade como se fosse apenas fogo que se extingue.
Rui, porque desejava era considerado promíscuo por quem o rodeava, porque não conseguia sentir paixão por nenhuma das raparigas que alcançava durante a noite, que também elas desejavam, mas elas acabavam sempre por amar. Está patente na constituição da mulher, que incute em si, muito mais rapidamente o conceito de amor por alguém, se este alguém não lhe der respostas acabadas de um futuro a dois. Preferem sofrer agarradas a algo, do que procurarem mais alguma coisa. O desconhecido mete-lhes medo e fazem-se receosas quando o têm de enfrentar sozinhas.
O que Rui queria mesmo, era algo que só via escrito nos livros, porque são eles a grande cilada para alguém que faz do desejo e do sonho algo mais do que uma base. Ele procurava alguém emblemático como lera em Hamlet, frio com coração quente. Enfim, queria encontrar a sua Julieta, num mundo com falta de ética, em que se criam novos mundos a partir da tecnologia sem barreiras ou limites. Entregou-se portanto, à busca ostensiva, na rua, na Internet e nas prisões, que são as almas da maior parte de nós. Perdeu as horas para entrar em casa, perdeu as boas notas que lhe permitiriam realizar e dar continuidade ao bom-nome dos pais e quando por fim desistiu, reparou que tinha procurado de olhos fechados. O desejo que o movia não era mais do que a simples vontade de viver e de permanecer pequeno entre gente grande, aos domingos quando a família se reunia.
"Um dia hei-de escrever um livro" repetiu para si próprio. " Um livro repleto de respostas materiais, para acabar com esta busca desenfreada a que as pessoas se envolvem. Um livro de respostas, só"
Mas respostas já ele tinha, dentro de si. Só precisava sentir desejo de as encontrar.
Enfiou os phones, à espera que o chamassem para jantar e do outro lado alguém lhe cantava baixinho, como é a voz dos pequenos sábios, hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.

Thursday, December 09, 2004

Objecto - Romeu e Julieta II

Ela sorriu. Naquele dia era tudo tão estranho, tão cinzento, tão metafórico que se sentiu pequena e humilhada, ali mesmo frente a um sorriso que lhe prestava a negar toda a evidência da sua vida, baseada no amor. Ali mesmo, por entre uma mão que ele teimou em não tocar, num coração que recusou segurar.
Há diferentes formas de amar e também de demonstrar esse amor que sentimos por alguém próximo e pertencente. Sim, porque o amor transforma-nos em objectos instáveis e recorrentes, em que somos apenas aquilo que ele quiser que nós sejamos, porque não escolhemos quem amamos, porque não amamos quem queremos.
Ela sorriu. O sorriso pode também ele ser portador de uma carga incrivelmente paradoxal, carregada de falsidade ou de honestidade. Pode ser o bilhete de identidade de uma pessoa saudável, ou simplesmente impura, como as palavras que escrevo.
O sorriso queimava-a por dentro, porque ela não podia chorar, ela apenas queria chorar, ali, nos braços dele, perguntar-lhe porque não a queria, pedir-lhe para que ele a quisesse. Queria voltar atrás e deixar de existír e encontrar-se com ele antes dos treinos, pretexto básico para qualquer enontro, como são todos os encontros de alguém que está incrivelmente apaixonado, como ela.
Estava habituada a viver o papel que cabe a uma mulher como ela : ser amada e cortejada até à última sílaba, última ponta da saliva, último caracter na mensagem. Nunca ter de esperar, porque nunca foi habituada a tal, nunca ter de exigir, porque nunca precisou, nunca pedir, porque tudo lhe era oferecido, naturalmente.
"Não tornes as coisas mais difíceis".
É difícil negarem-nos a nossa fonte de sobrevivência máxima, onde de repente nada nos faz sentido e o quarto escuro parece ser o nosso melhor amigo. Ela queria apenas que tudo continuasse. Já não lhe interessava se era a única a manifestar os seus sentimentos, já não se importava se não recebia a mensagem portadora de uma carga sentimental capaz de a arrebatar, apenas queria estar com ele, como sempre havia estado : sozinha.
"Não tornes as coisas mais difíceis" e afastou-se, negando-lhe aquele beijo que a faria esquecer porque é que chora tanto e demasiado nos ombros de qualquer pessoa que a entenda e não lhe tente dizer aquilo que ela tanto deseja ouvir.
É estranho como o ser humano se envolve em contradições plenas e escorreitas no percursso da sua vida sentimental que desagua por todos os outros campos que a constituem. Ela, como tantas outras pessoas, já teve aquilo que agora reclama como seu. Alguém disposto a depositar em si todos os futuros de uma vida, repleta de sentimentalismo e alucinação como só o amor pode ser. Já teve alguém que a enjoou com tanta paixão e agora quer voltar a sentir o mesmo enjoo, só que ele não regressa, simplesmente porque as pessoas não são iguais, simplesmente porque o sentimento não é o mesmo, desde o início.
Procuramos tanto por um equilíbrio perfeito, que nos esquecemos que a perfeição é um mito, do qual não existem provas concretas e plenas de que alguma vez ele tenha existido. Tentamos procura-lo em todas as faces que por nós passam, mas esquecemo-nos que nem todos procuramos o mesmo.
Ela sorriu e só chorou quando ele saiu. Porque a lágrima era dela, apenas dela, quando caiu e não voltou mais. Ela sentiu-a a rastejar e a respirar pela sua cara, como se fosse a marca do fim, a marca da morte de algo que começou na altura errada, provavelmente com a pessoa errada.


"Aperfeiçou-o a focagem
Olho imagem por imagem
Numa comoção crescente.
Enchem-se-me os olhos de água!
Tanto sonho!Tanta mágoa!
Tanta coisa, tantas memórias!
Tantos sonhos e tantas aventuras
ou desventuras...
Tanta vontade de reviver o passado
Pensamento num tumulto permanente
Que não cansa nem descansa
Um rio que no mar se lança...
Pensamento em busca de uma justificação ou simplesmente perfeição
Para tanta dor e mágoa...provenientes do amor.
Que irónico é amar..."


Ela vivia numa ilha, protegida por um sonho desbastado dia a dia, em sonhos em que se ria sozinha, em sentimentos que permanecia sozinha. Não há uma razão válida para um fim tal como nunca houve para um começo. A vida é feita do acaso e é no acaso que podemos meter a responsabilidade permanente.
Ela vai ter de continuar a sorrir, se quiser voltar a sentir, porque todas as histórias de amor são trágicas, porque todo o amor é trágico, porque Romeu e Julieta podem ter de facto existido, mas o amor que os matou, também.

p.s. you are my shadow mary, just like i´m yours.

Thursday, November 25, 2004

Romeu & Julieta

Sempre que escrevo a primeira linha, acabo por apagar o texto. É sempre assim, faz parte de uma rotina, faz parte de um mistério que nem eu sei desvendar, como tantos outros, como o amor. O amor, o amor, o amor há-de ser sempre a potência máxima mobilizadora da nossa vida, enquanto caminharmos para a integração de um EU repleto de magnifiência e felicidade. Talvez seja por isso que ainda cá ando. Porque amei, amo e sei que vou continuar a amar.
Não faz sentido continuar a sofrer mais por uma realidade que já passou, por uma pessoa que só deixou marcas a nível da memória e da experimentação física. Está certo que confiar en alguém e seguidamente ser-se envolvido numa corrente de jogos de sedução, constrangimento e sexo, o mais simples dos mortais acaba por ficar sem esperança, palavra tão esquecida, de voltar a confiar em mais alguém. Sim, porque alguém que ama não confia. Entrega-se.
Debato-me com o facto de a sinceridade e a lealdade serem sentimentos esquecidos numa sociedade esquecida dela própria, recordo as duas pessoas que amei e me deixaram para trás, numa envolvência que me levou numa viagem que esperei nunca ter embarcado.
O amor, o amor, há-de ser sempre o amor. Vício que nos alimenta os sonhos, que nos satisfaz a alma, que nos mata a sede. Quero amar sempre as pessoas que me acompanham e não me deixam cair ainda mais fundo, ainda mais depressa. Quero viver sempre para elas, mesmo quando não me fazem companhia de noite, mesmo quando raras vezes isso acontece.
Alguém me disse que eu era livre, porque pensava. E eu penso que não sei nada de amor. Eu penso que não passo de mais um adolescente com problemas em arranjar dinheiro para saír para o Via Rápida numas dessas noites em que os estudantes bebem para esquecer as notas e os porteiros escolhem quem tem o mágico bilhete que dá entrada para um mundo ainda mais fastidioso que o que sobrevive cá fora.
É tudo um mito. Será que o amor também o é? Será que é mais um conceito implantado por uma sociedade que traça metas que nunca hão-de ser alcançadas apenas para sentir o desejo de se superar e constatar que não é perfeita?
Existe uma pessoa que eu amo, que partilha a minha vida de uma maneira esmagadoramente simples, que me educa, que chora por mim e comigo, que me abraça quando tudo corre mal ou bem, que corre para mim e faz tudo para eu crescer sem contudo deixar de ser seu.
Existe uma pessoa que eu amo, que me oferece protecção esteja eu errado ou não, que me ama incondicionalmente e que todas as noites pensa em mim antes de adormecer. Quando penso em todas as experiências que o amor, paixão, ou apenas cegueira ocasional,me trouxeram, acabo por me esquecer que eu não sei nada. Na verdade sei muito pouco. Não sou ninguém para falar de amor, ou para me debruçar sobre o seu estudo, de lhe tentar desvendar as entranhas ou descobrir-lhe as saídas. Mas ela sim.
É espantoso o que fazemos por amor. Depositamos as maiores alegrias e planos num sentimento que não se toca, à imagem de Deus que está sempre lá, mesmo quando não está. Esta pessoa sobre a qual eu escrevo e muito admiro vive e respira pelo amor. É difícil escrever o que não pode ser descrito, o que não pode ser sentido por mim, nem por ninguém a não ser por ela.
Queria muito que ela fosse feliz e que preservasse essa felicidade. Que acreditasse nela acima de tudo, que me há-de ter aqui para tudo, porque o sangue que nos une é forte demais para ser queimado ou esquecido.
Ela sim, pode escrever longos ensaios sobre o que é o amor. Porque ela vive e sobrevive dele e contudo é ele que a mata todas as noites quando chora sózinha no quarto mobilado como mandam os costumes modernos, como manda o amor que ela sente. Ela chora porque o amor dela vive realmente um problema, porque infelizmente ela tem um problema. Problema que o sente, que é também dela, simplesmente porque quando se ama, os limites físicos são facilmente ignorados e transponíveis.
Ela tem medo de não ser forte o suficiente, tem raiva porque o amor não se apresenta como cura de todas as doenças quando não é isso que nos ensinam sobre ele. Escrevem as mais enfadonhas fábulas de alguém (e é sempre alguém) que efectou os maiores feitos da História com base no amor. Incutem em nós os padrões históricos sob a forma de Romeu e Julieta ou Pedro e Inês e a partir daí tentámos construir a nossa vida, o nosso amor.
Ela é Julieta. Ele é o Romeu. Vivem para os lados da Maia. Vão ao domingo a casa dos sogros almoçar, vêem o Mente Brilhante ao Domingo na Sic enroscados no sofá e tentam combater o que os tenta separar.
Os tempos são outros e quem os tenta abalar não são as discórdias ente as famílias Capulet e Montagues. É algo que exige persistência, fé, sorte, coragem.
Não deixa de ser curioso que apesar dos avanços que a medicina se propõe ano após ano, alguém ainda se tenha de preocupar terminantemente com a saúde de outro alguém e que isso condicione todo o seu modelo civilizacional. Idas a Lisboa, Coimbra, paragens entre hóspitais que nos tratam como se não estivéssemos doentes, de facto, e de onde saímos, em alguns casos, em pior estado ainda.
Ela é assim, portadora de uma beleza única e transparente, como se tratasse de alguém que nunca viveu o suficiente para a vida lhe fazer mal. Vive pelo amor e chora pelo amor, sem nunca desistir, sem nunca deixar de lutar. Ela é de facto um exemplo de toda a terminologia que o amor encerra em si. É por isso que tenho orgulho nela e uso-a como exemplo máximo de que o amor realmente existe e pode durar, que é ele a força que nos move, que é ele a estrela que nos guia, nas noites mais escuras, pela noite, sempre pela noite, fria, húmida, escura.
Os meus problemas de adolescente vitimizado não são nada em relação à pessoa de quem escrevo, eu bem sei. É pena é continuar a sentir uma enorme vontade de os relatar, como se o facto de ter funcionado como pouco mais do que objecto sexual fosse algum elemento contra a estória desta mulher, também ela objecto puro e elementar do amor.
Queria dizer-te que também te amo, que és muitas vezes a força que me segura, o telefonema que nunca acaba, a alegria que espero voltar a partilhar, a mão que nunca pára de embalar.

" A mão que embala o berço é a minha.
Dorme meu pequeno!Dorme...
Empurra o escuro para longe.
Adormece na luz
Dorme meu amor.
Sonha com anjos, ninfas, fadas
E príncepes e princesas
Reinos longínquos
Utopias desejadas
Deixa-te levar
Por essa ilusão maravilhosa
Deixa-te ser
Rei
Eternamente
Nesse reino imaginário.
Quando acordares
Abrires os olhos
Espreguiçares
Sorrires
Falares
A minha mão
Embalará o berço e aí
Dormirás novamente.
Fugirás desta realidade
Serás criança
Menino
Feliz
Serás meu
E será minha
A mão que repete estes movimentos
Ondulantes
Que te fazem viajar
Que te fazem sentir outro.
Voltarás a acordar
E aí
A minha mão
Já adormecida
Do cansaço da viagem
Não desistirá
Continuará a embalar-te
Meu pequeno!
Para sempre!"

O poema foi-me entregue e é desta vez entregue a ti, para que também tu sintas sempre que a mão que te embala, é minha. Sempre.

"Love is the mortal sample of immortality" by Fernando Pessoa.

Tuesday, November 23, 2004

77 - II

Se disser que me sinto sozinho, não minto. Quando o amor preenche os poros da nossa pele e se liberta para nos tornar deuses entre simples mortais, tornamo-nos escravos da nossa própria sombra. É difícl explicar como é que me sinto tão vazio. Vazio de conceitos, de poderes, de ideias, de motivações, de jogos sejam eles de sedução ou de razão. Os meus textos já não rimam, as minhas frases já não têm sentido, a noite já não é tão escura... Sinto-me impotente por entre o mundo lá fora. Tenho medo de saír de casa, de entrar no 77 e ninguém me sentir. Gostava de tornar os meus sentimentos mais compreensíveis para todos aqueles que me leêm, mas não me permito.
A minha memória está cheia de momentos repletos de êxtase disfarçados com potes de ouro e borboletas que não voam, porque não as deixam. Escondi as fotografias que pude, apaguei-as dentro de mim, esquecendo que os seus restos acabariam por aí permanecer. "Ficar só é um privilégio dos amantes", luxo a que não me permito, porque me deixo arrastar por valores implantados por uma infância contraditória, onde a verdade fora de estar escondida, nunca existiu.
Uma pessoa não é nada sem identificação, sem nada que a leve a algum lado, mais do que um autocarro, mais do que uma droga, mais do que um sonho. A minha vida é cheia de sonhos, de ilusões, o motor acabo por descobrir, da ignorância. Sempre que entro no 77, todos os dias, à mesma hora, ninguém sabe que estou sozinho, ninguém sente que me debato com os problemas básicos da adolescência, que ouço Portishead para me entregar ao vício que é a melancolia, para fugir à tristeza de ter amado e não conseguir voltar a sentir o mesmo por outra pessoa, de o ter tentado e ter ficado encerrado no meu próprio isolamento.
"Tens medo de ser feliz?" Disseram que me perco nas palavras, que não exprimo o que sinto, que busco sinônimos, mas eu só me procuro em mim mesmo. Sinônimos para a minha dor, a minha falta de discernimento, o meu amor. Queria não ter medo, queria ser adulto e partilhar do doce que é ter uma rotina e um mundo pré-concebido onde nada se discute, onde tudo existe porque tem de existir, onde eu sou mais e me indentifico com os que também o são.
Tenho medo de ser feliz, porque ela cola-se para sempre nas nossas veias e a partir dali a fasquia sobe e o que poderia ser bom, passa a ser banal perante tão transcendente sentimento. Mais do que me perder em palavras, perco-me em sentimentos. Debruço-me sobre eles com a força de um cientista sem nunca encontrar a fórmula certa e desejada para o sucesso.
Acabo sempre por encontrar uma fotografia, um bilhete, uma carta, uma mensagem. Tenho medo de ser feliz, porque já o fui e pesa-me na consciência o facto de nada se comparar a tamanha força, de tudo saber a pouco depois disso, de eu me tornar mais pequeno depois disso. Tenho medo de ser feliz, porque as 3 pessoas a quem me entreguei deixam-me sem forças para encontrar a paz de que preciso, para entrar todos os dias no 77 sem esperar que alguém veja o buraco que permanece em mim e me tente ajudar.
Tenho medo de nunca ser adulto o suficiente para concretizar os meus projectos e equacionar planos. Planos de uma sociedade plena de valores, de energia, de vitalidade, de cores bonitas e reluzentes. Tenho medo de deixar de ser a criança que sempre fui e a felicidade passe por mim outra vez e eu não a saiba agarrar, inocente que já fui, observador e crítico atento que me tornei. Criança no olhar, adulto no coração. Cinzento, duro, impenetrável, dramático. Perco-me nas palavras e nos sentimentos, perco-me no ar que respiro todas as manhãs, nos corações que toco, na tristeza enorme que me percorre e ninguém sabe, porque ninguém tem de saber, porque por vezes, tal como Kafka, o merecimento da dor faz-me ser alegre.
Tudo aquilo que vivi, há dois anos, parece-me agora tão irreal, tão especial, que só agora me dou conta. O sofrimento que passo agora por alguém ter feito de mim um Ricardinho em nada se compara à tortura de se amar e saber que não se pode continuar, porque o abandono não é um acto de vontade, mas uma consequência do esquecimento. Já é tão tarde e eu ainda não disse nada. Preciso de ser mais conciso, como diz o meu professor de Gramática da Comunicação. Tento responder-lhe que a escrita, mais do que um acto mecánico, é algo que nos corre cá dentro, que as palavras são abertas e impuras, que o texto, tal como o amor, não deve conhecer limites de qualquer espécie. Já é tão tarde e eu ainda não disse nada porque, como o meu amigo Filipe refere "As palavras são escritas porque não se tem coragem". Coragem de as proferir, de soltar o nó que nos percorre para sermos para sempre maiores e termos o nosso próprio espaço, seja lá onde for.
Será que alguém consegue encontrar-me por entre a guerra que insisto em tomar partido?Será que alguém consegue ler para além do que eu escrevo?
Eu escrevo estes textos porque me deito sem nunca dormir, porque nada me pode salvar de não ser aquilo que os outros esperam que eu seja, porque nada me pode salvar de me sentir sozinho, de me escorrerem lágrimas disfarçadas de suór, de ser metade daquilo que eu gostava de ser.
Não tenho medo de não ser feliz. Tenho medo de nunca mais o ser.

77

Vou sózinho. Atrasado, como sempre. A correr para chegar a tempo, a morrer porque nunca chego. Olho-me ao espelho mais do que uma vez, porque o que eu sou depende muito daquilo que eu mostro e não daquilo que eu sinto. São tantas e tantas as vezes em que gostava de parecer, identificar, ser eu, a primeira escada para a evolução pessoal e íntrinseca.
Vou sózinho. Passo todos os dias pelos mesmos lugares, pelas mesmas pessoas, pelos mesmos sonhos. São poucos os que são o que parecem ser e menos ainda os que gostam do que são. Há uma senhora que conta a vida da vizinha que é doutorada em manipular os senhores de bom nome lá do bairro a fim de receber alguma coisa em troca, há um freak qualquer, com roupas de um sítio qualquer, adornado de piercings para esconder os buracos que nunca hão-de ser completados numa sociedade que se odeia, há um executivo cuja alma foi currompida pelo negócio, há uma rapariga tímida e discreta que manda mensagens de bom dia à sua mais do que tudo, às escondidas, sempre às escondidas.
Eu continuo a ir sozinho,no 77 mas podia ser noutro qq, rodeado por pessoas que passam por mim e não sabem de onde vim, que me despem, que me insultam, que me provocam, sem contudo proferirem uma única palavra. Eu meto os phones,à espera de que o tempo volte para mim e eu seja teletransportado para outra dimensão onde nunca precisarei de correr para onde não quero ir.O cenário muda e é de noite. Misturo os copos com o Bacardi e levo as afilhadas comigo. Quero parecer e não consigo, sou condicionado por motivos execráveis e volto-me a sentir sozinho. Tou com os amigos no Tropical a comer um hámburger, tou no Industrial com a Inês João, tou no meu quarto com quem me deixou sozinho e tudo acaba a partir daí. Sonho com lugares incríveis, cenários impossíveis, pessoas impossíveis, amores impossíveis. Sou feliz, quero ser feliz.
Quero voltar a andar acompanhado e ser concentrado no mundo que me rodeia, outra vez. Mais do que parecer eu quero voltar a ser.Quero-me olhar ao espelho, onde todos nós nos buscámos, à procura de uma identificação, de um padrão, de uma igualdade que não existe nem é suposto existir. Tenho de voltar a estudar, dar boas notas aos pais, estudar para ser alguém, estudar para me encontrar, ficar mais culto, ficar superior. Tenho de esquecer, tenho de lutar, tenho de encontrar alguém, tenho de me voltar a encontrar.
Mentir para quê? Eu nunca estou sozinho. Vivo rodeado por pessoas que me defendem e me protegem. Alimentam o Ricardinho que há em mim e o pior é que eu gosto. Antes do degelo era tudo tão automaticamente bonito, incorrigível, correcto...Agora, agora divirto-me mais do que nunca e parece que nunca é suficiente. O amor tem destas coisas. Pega em discursos puros e concisos e deixa-os atrapalhados, errados, frágeis, como este texto, como o Ricardinho.È tanta a gente a quem tenho de dar satisfações, são tantos os que me rodeiam, são tão poucos os que me conhecem e volto-me a moldar e a lembrar, a sonhar.
É difícil ser o que se é neste mundo que me põe rótulos, que me tenta despistar, que me tenta e me provoca, que exige mas não me dá liberdade, onde a confiança é um conceito gasto e pertencente a outra era, era que nem eu sei se existiu.
Nada,nunca, é tão mau como parece. Só preciso de encontrar o autocarro certo, para parte incerta.
"As histórias infelizes são, na maior parte, um exagero, tal como os perigos do mar", Comandante Joshua Slomm, navegador solitário.

Monday, November 22, 2004

Vou sózinho. Atrasado, como sempre. A correr para chegar a tempo, a morrer porque nunca chego. Olho-me ao espelho mais do que uma vez, porque o que eu sou depende muito daquilo que eu mostro e não daquilo que eu sinto. São tantas e tantas as vezes em que gostava de parecer, identificar, ser eu, a primeira escada para a evolução pessoal e íntrinseca.
Vou sózinho. Passo todos os dias pelos mesmos lugares, pelas mesmas pessoas, pelos mesmos sonhos. São poucos os que são o que parecem ser e menos ainda os que gostam do que são. Há uma senhora que conta a vida da vizinha que é doutorada em manipular os senhores de bom nome lá do bairro a fim de receber alguma coisa em troca, há um freak qualquer, com roupas de um sítio qualquer, adornado de piercings para esconder os buracos que nunca hão-de ser completados numa sociedade que se odeia, há um executivo cuja alma foi currompiada pelo negócio, há uma rapariga tímida e discreta que manda mensagens de bom dia à sua mais do que tudo, às escondidas, sempre às escondidas.
Eu continuo a ir sozinho, rodeado por pessoas que passam por mim e não sabem de onde vim, que me despem, que me insultam, que me provocam, sem contudo proferirem uma única palavra. Eu meto os phones,à espera de que o tempo volte para mim e eu seja teletransportado para outra dimensão onde nunca precisarei de correr para onde não quero ir.
O cenário muda e é de noite. Misturo os copos com o Bacardi e levo as afilhadas comigo. Quero parecer e não consigo, sou condicionado por motivos execráveis e volto-me a sentir sozinho. Tou com os amigos no Tropical a comer um hámburger, tou no Industrial com a Inês João, tou no meu quarto com quem me deixou sozinho e tudo acaba a partir daí. Sonho com lugares incríveis, cenários impossíveis, pessoas impossíveis, amores impossíveis. Sou feliz, quero ser feliz. Quero voltar a andar acompanhado e ser concentrado no mundo que me rodeia, outra vez. Mais do que parecer eu quero voltar a ser.
Quero-me olhar ao espelho, onde todos nós nos buscámos, à procura de uma identificação, de um padrão, de uma igualdade que não existe nem é suposto existir. Tenho de voltar a estudar, dar boas notas aos pais, estudar para ser alguém, estudar para me encontrar, ficar mais culto, ficar superior. Tenho de esquecer, tenho de lutar, tenho de encontrar alguém, tenho de me voltar a encontrar.
Mentir para quê? Eu nunca estou sozinho. Vivo rodeado por pessoas que me defendem e me protegem. Alimentam o Ricardinho que há em mim e o pior é que eu gosto. Antes do degelo era tudo tão automaticamente bonito, incorrigível, correcto...Agora, agora divirto-me mais do que nunca e parece que nunca é suficiente. O amor tem destas coisas. Pega em discursos puros e concisos e deixa-os atrapalhados, errados, frágeis, como este texto, como o Ricardinho.
È tanta a gente a quem tenho de dar satisfações, são tantos os que me rodeiam, são tão poucos os que me conhecem e volto-me a moldar e a lembrar, a sonhar.
É difícil ser o que se é neste mundo que me põe rótulos, que me tenta despistar, que me tenta e me provoca, que exige mas não me dá liberdade, onde a confiança é um conceito gasto e pertencente a outra era, era que nem eu sei se existiu.
Nunca é tão mau como parece. Só preciso de encontrar o autocarro certo, para parte incerta.

"As histórias infelizes são, na maior parte, um exagero, tal como os perigos do mar", Comandante Joshua Slomm, navegador solitário.

Monday, November 08, 2004

...Porque sim

O Ricardinho diz-me que está farto de ser coitadinho. Quer ser tratado como gente grande, mas nunca encontrou o caminho entre a magia e a realidade que pisa todos os dias. Diz-me que está farto de ser fraco, mas que ainda não esqueceu quem o tornou num espectro de si próprio. Enquanto isso, vagueia pelos dias, tentando ao máximo construir uma enorme casa, onde possa permanecer, sem que ninguém note no imenso buraco estampado na sua cara. As estrelas deixaram de importar, o ar já não permanece, apenas se segura, a ele e às memórias. Gente de quem gostou, gente que nunca esqueceu, gente que amou.
O Ricardinho é assim, um lamentador nato, que por não conseguir ser igual a toda a gente, entregou-se à manipulação dos sentimentos e dos desejos, esquecendo-se que é deles que precisa para reeinventar a sua vida.
O amor tem destas coisas. Conhecê-lo não basta. É preciso tocar-lhe, fazer dele um grande drama, disfarçado de épico numa confusão de cores que despontam no vermelho. O vermelho é a cor do sangue, da dor, da fatalidade, do amor e são todos estes elementos e mais alguns que não me recordo, que constituem a alavanca e o combustível do coração, esse princípio de eternidade.
Quando o amor nos bate à porta, tudo é vermelho, tudo nos traz alegria e sentimentalismo. Somos levados a pensar que virámos daltónicos. Os campos são vermelhos, o céu é vermelho, a professora de matemática disfarçada de ensinadora, o motorista do autocarro apanhado no tráfego de uma cidade que não se compreende. O Ricardinho também viu tudo vermelho. Descobriu depois que os campos apenas são vermelhos para aqueles que amam e são amados. Para os outros, o amor nasce como uma doença incurável, onde só o chão nos segura.
-Há respostas humanas para aquilo que não é humano? perguntou-me o Ricardinho certa vez. De facto, há muito que me debato com esta questão, do seu princípio até ao seu seguimento. O Ricardinho não estuda, refugia-se na sua casa, de onde raramenta sai, cumprimenta todos com um olhar temente. Tornou-se temente. Quer fugir e não tem forças. Fugir de onde não sabe, mas quer. Já não o incomoda que saibam que é coitadinho, incomoda-o ainda o ser, porque o sentimento é tantas vezes posto de lado, mas raramente esquecido. Lembra-se de tudo ao pormenor, do bater do coração, das voltas na barriga, do toque, do sabor, do cruzamento dos olhos com a boca, numa interminável corrente de sentimentos que esperou nunca mais acabarem.
Gostava muito de responder-te Ricardinho, mas não sei. O que sei é que o amor faz parte das coisas não humanas e que por isso mesmo pode não ter resposta. Costumo dizer que a única maneira de saber se alguém gosta de nós, não é fazerem um inventário metódico e conciso de todas as nossas qualidade, que só raramente saltam à vista.Não há resposta mais coerente como a tautologia " Porque sim".
Talvez não haja realmente respostas humanas para aquilo que não é humano Ricardinho. O amor faz parte daqueles conceitos que não se explicam em palavras, gestos, desenhos, músicas, filmes. Eu já amei...porque sim.

Tuesday, November 02, 2004

Educação Light

A educação é um fardo que carregamos, sempre que viramos as costas e tentamos perspectivar o nosso passado. Ela atinge-nos com uma violência cruel, bate-nos sem avisar, trespassa-nos para morrer-mos dentro dela. Ela é limitativa. Ela pode ser vantajosa e dar-nos a conhecer um cem número de mundos novos, onde nos tratarão por epítetos ternos e renovadores, mas também pode ser uma condicionante para a vida póstuma. Pode criar barreiras e memórias das quais muito difícilmente se conseguem apagar. Ela e todos factores que dependem dela são parte do que nós somos hoje, e a ela lhe devemos muito.
A verdade, é que a educação é um bem negligenciado na nossa sociedade.
Onde outrora existia uma sociedade vítima das suas próprias repressões morais e éticas, encontrámos uma educação moderna, onde assenta o princípio light. Ou seja, onde outrora havia repressão, hoje existe omissão. Omissão de quê? Omissão de valores, respeito e comportamentos morais. Decide-se por uma educação onde o tudo póde traumatizar a criança, onde nada deve aborrecê-la, onde nada deve ser impedido. Elas têm o mundo a seus pés. Um mundo de ilusões e espanto cor de rosa, ou então azul como o céu na Primavera que nunca mais acaba. Crescem num mundo irritado, rodeadas por adultos irritados repletos de certezas, porque disso e só disso vive esse mundo. Ser adulto consiste basicamente em não pôr nada em causa, em salvar a realidade conhecida e não mais sonhar, nunca mais.
O problema da educação reside desde logo num ensino precário. Onde antes existia um ensino com base na separação de sexos, onde os melhores alunos ficavam numa parte distanciada dos outros e onde a régua fazia parte da dia-a-dia de cada um de nós, é estranho ver como hoje tudo está diferente. Os professores, como que gafanhotos, procuram ao máximo encontrar uma escola onde possam permanecer o máximo de tempo possível, tentando ensinar, quando na maior parte das vezes nunca souberam aprender. Nunca aprenderam a ler, a sentir o gosto de folhear um livro, de o percorrer e senti-lo. Talvez desconcertar um poema de António Aleixo ou uma crónica de António Lobo Antunes, mas não. Talvez um resumo de Eça, talvez um resumo de Agustina, se ao menos isso.
Um professor tem esse fardo de passar o conhecimento, mais do que isso, passá-lo de uma forma apaixonada para que os alunos se apaixonem por ela. Mostrar que Sophia é magnífica, que Lídia Jorge é das escritoras mais importantes da actualidade e que Eugénio de Andrade é mais do que aqueles poemas publicados no Metro do Porto. Mas o problema do professor começa quando não tem vocação e por isso não aceita candidatar-se para essas paragens caóticas e suburbanas. Só poderemos ser melhor, se nos dedicar-mos a isso de raíz, enfrentando o problema, cortando os salários milionários dos gestores públicos e dos acessores, fazendo com que o mundo pare de andar ao contrário. Esta falta de equilíbrio condiciona todo o nosso modelo de sociedade como é vista hoje.
O ensino e a educação devem ser aliadas e não uma forma de ilibarem a outra. A culpa não é dos pais que não educam os filhos, nem dos professores que não tomam as devidas precauções. É uma culpa conjunta. Estes dois factores não podem ser vistos como repressões morais ou portadores de uma liberdade libidinosa. Está na hora de se encontrar um equilíbrio certeiro entre estes dois modos. É urgente de facto. No caso da escola, o caminho está cada vez mais a ser regido por uma estrada que conduz à ignorância. Os manuais e mais uma vez a omissão de certos cantos do Lusíadas é prova mais que bastante para encerrar o meu argumento.
Eu não tive a educação que idealizo para os meus filhos. A liberdade e a disciplina devem andar de mãos dadas. Ser pai é mais do que um papel, é uma missão, é um lema de vida, é uma paixão. Assim deveria ser encarado o ensino, como uma paixão, mais do que uma vocação. Deveriam ser feitas provas anuais aos professores para determinar o grau de capacidades, deviam ser fixados os professores numa escola, para acabar a dança anual que se revelou catastrófica este ano, para que a confiança que os alunos adquirem ao longo de um ano, não tenha de ser conquistada todos os anos, por pessoas novas.
A educação nos dias que correm aposta no prazer momentâneo, onde tudo foi feito para algum fim, onde as crianças são educadas por um televisor que espreitam horas infindáveis diariamente. Um pai não póde ver na escola uma forma de cumprirem com o seu papel, nem a escola de se desculpabilizar da sua má função. São passados de ano alunos que não reúnem as condições mínimas. Nesta vida light, onde tudo é oferecido, os alunos ficam cada vez mais com a impressão que tudo é fácil, tudo é alguma coisa. E daí mergulhámos no espírito consumista da nossa juventude que desagua num aumento da criminalidade nos jovens, condicionado por uma forte desmotivação de professores mal remunerados e pais que correm para pagar a conta da luz, sem nunca perceberem que o puto lá em casa já usa preservativos e tem certezas como gente grande. Vamo-nos deixar de certezas e de radicalismos. O equilíbrio é a única fuga para uma sociedade puramente civilizada. O light já era.

Wednesday, October 13, 2004

Explode Ricardinho...

Páro, penso. Estou num vazio. Sou suspeito, toda a gente fala, toda a gente comenta, toda a gente observa. É de noite, é de dia, é sempre de noite e toda a gente sabe. E eu fujo por toda a gente saber.
Ninguém me quer, ninguém me ama e todos me desejam e todos sabiam. Olho-me ao espelho, parto o espelho. Não quero mais saber de mim. Fujo, porque toda a gente sabia, porque eu já sabia. Quero um comprimido para dormir e sonhar, só sonhar. E todos os dias é uma luta e eu desço, caio, caio, caio e nunca mais pára e de repente sou adolescente, acordo e sou adulto. Não tenho papel, não tenho permissão e todos sabiam.
Sinto-me pesado, forte, gordo. Conto as estrelas, de repente, muito de repente, esqueço. Esqueço e não tenho memória e não sou velho. E não me importo e sorrio, sorrio muito.
Volto a pôr a música, escrevo ao ritmo da música, morro ao sentido da música. À minha volta ninguém me anunciou a chegada, mas eles sabiam e não explodiram. Retiveram-se, conteram-se. Falsos, falsos, falsos. Correm ao sabor do sexo, correm ao sabor da noite, é sempre a noite.
Eu não quero contar nada, quero perder a memória, ficar com o sonho, para sempre sonhar e nunca mais me repetir, nunca. Alguém me acorda, alguém me abana. Não consigo acompanhar a música, há sempre alguém que é melhor do que eu, havia sempre alguém que sabia e agora desço ao fundo porque eu também sabia e não anunciei.
Volto a contar as estrelas, fujo para longe, para longe de todos aqueles que sabiam e não me anunciaram. Agora estou mais pesado, gordo. Coitadinho, coitadinho do Ricardinho. Agora pesa-lhe o peso da verdade postrada nos seus olhos. Acabaram-se os falsos amigos, as falsas modéstias, os falsos amores. Todos sabiam o meu oristo, mas ninguém mo disse e agora estou pesado, gordo. Coitadinho, coitadinho do Ricardinho.
A irmã bem me avisou, a irmã bem que gosta de mim, mas a irmã não a conheceu e agora doi-me a cabeça, pesa-me a cabeça. Algo de estranho, de anormal se passa. O Ricardinho não passa nas portas, o Ricardinho é coitadinho, coitadinho do Ricardinho. A culpa não é deles, porque eu sempre soube e tomei outro comprimido para continuar a dormir, porque dormir dá-me vontade de sonhar, sonhar que nunca aconteceu, sonhar que as estrelas estão perto, que as toco. Sonhar contigo e com o meu amor, sonhar com a ilusão perfeita num dia de Inverno.
A música pára. É pequena a música, mas o fardo não. E doi-me a cabeça, e a cabeça pesa-me. Quem fez isto ao Ricardinho? De quem é a culpa de ele não entrar nas portas e sentir-se porco e usado?
Passou por aqui. É ela sim. Passou sem anunciar, partiu sem anunciar e veio para ficar e partir sempre, sem anunciar. Não tinha perfume, não tinha cheiro, não tinha olhar. Era o tudo, era o nada. É Ela a causadora do peso do Ricardinho. O Ricardinho quis ser coitadinho, quis negar a evidência para sempre nos seus olhos e absorver todo aquele vazio que o fazia admirar. As estrelas perderam-se, as estrelas perdem-se sempre, mas as cicatrizes perduram. Ela levou as cicatrizes até muito longe, numa terra de feiticeiros e bruxas, onde ninguém se ama, mas todos se envolvem. Ela levou-o, pobre do Ricardinho, pobre de mim, na noite, sempre a noite. Agora o Ricardinho explode, o ricardinho não aguenta o peso perante os seus ombros, a vergonha de todos saberem e ninguém lhe anunciar.
E a culpa não é de ninguém quando o crime é anunciado. Quem anunciou? Quem acabou com a esperança do vazio ser o preenchimento de um olhar, da mentira ser razão, da tesão ser paixão?
Fujo. Corre Ricardinho que toda a gente acabará por saber. Eles todos sabiam e não se interessaram, para quê chorar, agora? Chora Ricardinho, chora. Levanta a cabeça, acorda. Já foi anunciado.

Sunday, October 10, 2004

23/24

O destino é sempre uma coisa sorrateira. Prega-nos pequenas rasteiras, faz-nos chegar mais longe, torna-nos mais crentes, mais maduros, adultos. Entre tristezas, alegrias e confissões, o destino muitas vezes encarrega-se de trazer para a nossa vida aquelas pessoas que sempre tiveram um lugar reservado para elas, mas que nunca o souberam encontrar. E depois é o que se sabe, tornam-se insubstituíveis e nem chegamos a perceber a razão de tamanha devoção. O tempo e o espaço deixam de importar. O que importa realmente é o sentimento único que liga as pessoas e dá alento a estes dias que cada vez mais se apresentam como cinzentos.
Eu acredito que existe alguma coisa de especial em cada um de nós, que somos destinados a pertencer e a preencher a vida de alguém, que é esse o nosso principal sentido, enquanto seres imperfeitos que somos. De vez em quando, existem certas pessoas que nós sabemos que provavelmente até são boas de mais para aquilo que fazemos por elas, que aturam as nossas birras logo de manhã, apenas porque gostam de nos ver sorrir, que nos levam aos sitios onde nunca haviamos estado só para esquecermos que o nosso coração nem sempre é respeitado, que nos mostram que o perdão é um sentimento nobre e que a solidão só nos entrega ainda mais à hostilidade que é o mundo lá fora.
Uma dessas pessoas completa anos hoje. Não sei se 23, se 24 que eu em datas nunca fui muito bom. O que interessa mesmo é manifestar o meu carinho por essa pessoa, que por estar a mais de 300 km não pôde tar comigo tantas vezes como eu queria. Esta é só uma forma de te agradecer por nunca te esqueceres de mim, por seres muitas vezes um chato que me massacra e me faz dar grandes e largas gargalhadas. Tens tudo para ser feliz Gonçalo, incluindo um amigo que te adora e cuja palavra amizade não chega para definir o sentimento que tem por ti. Queria dar-te mais do que um simples texto, num blog povoado por personagens mortas e relações inconsequentes, queria partilhar este dia contigo, mas acho que de uma certa forma já o estou a fazer. Contigo o poema de Sophia nunca fez sentido " tive amigos que morriam /outros que partiam" porque tás sempre cá dentro, onde pertencem as pessoas que têm o poder de nos fazer felizes, como tu fazes e sei que continuarás a fazer.
O destino pôs-te no meu caminho, por entre uma música da Nelly e uma ida a Braga ou uma visita à praia do Guincho e eu só tenho de lhe agradecer e pedir que traga pessoas como tu, verdadeiras, alegres, chatas e genuínas, que estejam lá sempre, quando eu precisar, porque tu tiveste e é isso que distingue os amigos de sempre e os amigos do momento.
Hás-de me ter sempre aqui, como eu te tenho a ti. Muitos parabéns e que este não seja "mais um dia".

"We are counting the stars
We gonna go far
it´s only you and me in the open air
it´s truth or dare, we don´t care
we are couting the stars
as we explode, we are couting the stars"

Explode, Furtado, N.

Saturday, October 02, 2004

A sobrevivência da tristeza

Já não sei escrever.
Durante este tempo que me submeti a uma hibernação forçada, apaguei da minha memória todos os processos de aprendizagem, para me fazer suficientemente insensível para não perceber aquilo que se passava à minha volta. Agora, considero aprendido todo o processo de sedução em que as pessoas normalmente se entregam, vítimas delas próprias e de uma sociedade em constante mutação que não dá tempo ao comum do indivíduo a fazer aquilo a que todos nos propomos, mas poucos conseguimos - a auto-superação.
Com o olhar, e há-de ser sempre com o olhar, aprendi a detectar as pessoas tristes, cuja sobrevivência buscam na crueldade, porque esqueceram-se da alegria que pode e deve ser a vida e por isso não conseguem ser felizes na imensa solidão que os abraça. Quando me prometeste fazer feliz, depois de tantas vezes me teres negado isso mesmo, e todas aquelas coisas que as pessoas precisam de dizer e ouvir para que não se sintam tão sozinhas e perdidas, acreditei para não deixar de acreditar em vão tudo aquilo que outrora havia eu sonhado para nós dois, quando apenas acordar ao teu lado era bom, apenas por isso. Talvez eu tivesse enganado, talvez nada fosse como eu suspeitava e todas as conjecturas estavam de facto erradas e não havia nada para além de ti, que me fizesse voltar atrás em todas as minhas convicções dignas de um promissor candidato a deixar a vida fantástica que é a adolescência, para concentrar-me no declínio que é para a maior parte de nós a vida adulta, que nos encerra em tudo menos em nós próprios, fazendo-nos esquecer que existe mais vida para além do nosso quarteirão e que no fundo, estamos todos a lutar por algo igual, algo único, algo universal.
Contigo vi-me sempre a ficar sozinho, numa relação onde eras apenas um espectro que de vez em quando se propunha a acompanhar-me e a ditar as fronteiras dos meus passos, como se eu nunca tivesse sido livre, como se eu alguma vez o pudesse deixar de o ser. Achavas sempre que me acabarias por dar a volta, mas esqueceste-te sempre que não me compreendias e que como não sabias onde era o meu princípio nunca poderias determinar um fim. Não houve um terminar violento e abrupto, mas ambos sabemos que não existe nada que nos ligue intrinsecamente e que por isso estamos confinados a separarmo-nos.
Quiseste-me fazer o teu amante, mas esqueceste-te que é nas palavras que confio mais, que apenas queria algo em que pudesse confiar, para me libertar, para confiar...Gostava que tivessemos sido amigos antes de amantes ou simplesmente namorados. Gostava que não achasses tanto de ti, como se a minha presença te diminuísse. Gostava que não te prendesses tanto aos corpos, ao sexo e à tesão, mas confesso que foram das únicas coisas que consegui arrancar de ti, independentemente de isso ser bom ou não.
Acho que no fundo, gostava que tudo tivesse acabado numa longa conversa, para que não ficassemos com mágoas infantis e infundadas acerca da nossa relação, mas para isso era preciso que gostasses, soubesses conversar e isso certamente não é apanágio das pessoas tristes. Que consigas ultrapassar, transformar, superar a ti, apenas a ti, para que a crueldade cesse e a alegria resista.

Thursday, September 16, 2004

Tecnologia abençoada, que hoje me deixa escrever, sem me privar da libertação pura da minha consciência, dos meus tormentos, da minha culpa e do meu desejo. Hoje, agora e nunca parar de escrever, porque esta sede não cessa, esta vida não abranda, esta chama não se apaga. Leio e releio os meus textos mais antigos, exemplos da vida que me percorre, que se mostra arrepiante, como lama em que mergulho e se impregna, cá por dentro, bem por dentro da minha pele, que te não te chamou mais, mas que sempre acabou por te aceitar, lentamente como se não te quisesse mais, como se não te quisesse nunca.
Perfuraste-me e o nunca pareceu ter sentido no meio de tanta coisa inexplicável. Há que ter esperança, há que saber parar, há que ter orgulho, há que ter coração suficiente para perdoar, há que gostar. A tua normalidade arrasa-me, para nunca mais me levantar, nunca mais dormir e para sempre sonhar, a teu lado, entre a praia, entre a areia, mergulhar no mar, mergulhar em ti, só em ti.
Nada que foi partido, se volta a colar facilmente e completamente. Em mim haverá sempre o receio que tudo se passe como num filme onde só existe "repeat", com receio que tudo que venha a fazer por ti, seja mais, sempre mais do que aquilo que é justo ser feito e que mesmo eu não seja tão forte para lutar por alguma coisa na qual não deposito inteira confiança. Já passou uma semana e tudo corre como nunca deveria ter sido evitado, como se o passado não fizesse parte de nós e o presente fosse amanhã e nunca agora.
A lágrima, minha, tua naquela domingo, domingo de ir com a familia ao Norte Shopping, domingo de ir passear na Foz, domingo de voltar a pertencer-te, domingo de olhares desencontrados, de vontades, de orgulhos perdidos, de choro esquecido, teu, à minha frente, fazendo-me voltar atrás, com receio, sempre com receio.
" Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de advinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face"
( Sophia de Mello Breyner Andresen/ Eis-me)

Mas eu não fiquei sozinho, quando longe de ti fiquei. Fiz-me à estrada, criei laços, amei o desconhecido, conheci o imprevisível e fiz-me louco por atravessar este rectângulo que todos dizemos ser atrasado, em menos tempo do que aquilo que era suposto. Fiz-me à estrada, fiz-me à vida para te esquecer, nunca para te recordar porque eu só hei-de " morrer quando for preciso e nunca por chegar ao fim" ( Veiga, M.).Rodeado por amigos novos, recentes, presentes e desconhecidos em terras inóspitas que não parecem nossas, onde os cardápios não são em Português ou Latim, onde tudo é diferente e referente a uma cultura que não é a nossa. E fui, pois fui, fui feliz, sem ti, apesar dos teus constantes apelos, da tua voz ao telemóvel " pensa em nós". Mas não pensei. Fugi para a futilidade e para a modernidade. Encontrei-me no Frágil e descobri que não o sou, pelo menos tanto como julgava ser. As férias fizeram sentido, a minha vida fez sentido. Gonçalo,Bruno, Natércia, Rita, Marcelo, Lipe, Zeka, Edu, Sílvia, Ângela, PT...não tem ordem, mas tem sentido, cá do fundo. È só um obrigado, daqueles grandes, daqueles meus.
Mas para quê rever o passado repetidas vezes? Talvez tenha sido tudo melhor desta fiel maneira, como espero que tu também o sejas, daqui para diante para que deixes de ser " o Ausente dos ausentes", como tantas vezes ainda o és. A verdade, como eu lhe gosto de chamar, é que mal regressei a casa, senti a tua presença, como se tivesse andado adormecido, embriagado por uma Vodka poderosíssima, independetemente do sabor.Sabe-se lá o futuro, sabe-se lá o amanhã, sei lá o que sou e o que vou ser. Apenas sei que como Sophia, " quando morrer voltarei para buscar/os instantes que não vivi junto ao mar."

Tuesday, September 07, 2004

Frio

Frio, muito frio, cá dentro, bem lá no fundo, não me deixando respirar, não me deixando trabalhar, não me deixando andar. E no meio deste frio intenso e mortal, moram estrelas, repetidas e insgnificantes, num quadro que nunca ninguém consegui explicar o seu significado. Durantes estes dias a vida, a minha vida, felizmente não parou de mostrar energias suficientes para superar qualquer guerra, fosse ela interna ou externa. O mundo não parou de rodar, os meus pais continuaram a discutir todas as semanas, o meu amigo hipócrita tentou passar-me mais uma rasteira suja e impensável e a minha irmã, uma delas, não deixou de dar mais atenção ao Tobias, um labrador puro e majestoso, do que a mim. A vida continuou e eu deixei-me levar por ela, fácil que sou, fácil que me tornei. Agora, quando olho para trás, pergunto-me se não é realmente melhor este final abrupto do que uma dança lenta encaminhada para a morte de ambos. As pessoas que seguem avidamente a estória, tornada por ela própria uma telenovela com elenco e argumento péssimos, da minha vida devem estar ansiosos por saber o que terminou, como terminou, todo aquele fogo de artifício tardio e certeiro, que me iluminou e se espalhou por tudo que corre cá por dentro dentro. Não! Eu não faço, nem pretendo entender as leis pelas quais as pessoas se articulam e regem neste pequeno mundo imperfeito, criado à nossa pequena imagem. Por momento, sou interrompido pela tua imagem nebulosa e intrínsecamente fugaz, que se espalha, mas não permanece. " Quero ser feliz contigo" e toda a minha ginástica mental para te evitar nos sonhos mais densos, à noite, foi puxada para segundo plano e todo eu voltou a confiar em ti. Só em ti.
Agora faz mais frio. Sinto-o por todo o meu corpo, sinto-o dentro do meu sangue, por entre os meus olhos que sangram perante tanta incredulidade e se fecham para que nda possa ser visto. As citações de Fernando Pessoa, Sophia ou Inês Pedrosa não abarcam a imensidão do vazio que se me atrevessa, nos sentimentos mais negros que nascem, nas palavras mais secas que se transformam.
" Prometo que nunca mais vai acontecer".
E cada fez faz mais frio à medida que a verdade avança, cada vez me sinto mais pequeno e sem forças para voltar a confiar em alguém. Porque aconteceu. Porque aconteceu, afinal?
A Nelly continua a não dar respostas, mas eu também já não as quero, nem delas preciso. Uma pessoa merece sempre uma segunda opurtunidade e eu dei-ta e voltei a confiar sem reticências e a adormecer sobre a tua imagem sem pudor ou medo. Dois dias foi o bastante para que eu voltasse a descobrir aquilo que tinha escondido por ti e dois dias foram precisos para que me voltasses a mandar para a fossa, com mais uma daquelas desculpas que não lembra a ninguém, nem aos deuses, nem mesmo a Fernando Pessoa. Pessoa, esse génio que pegou nas entrelinhas de todo o nosso ser e o moldou, jogou e fez dele o seu parceiro para tudo e mais alguma coisa, que ainda não descobri, mas que hei-de descobrir. Mas nem mesmo esse génio é capaz de explicar tanta amargura depositada sobre mim, neste momento. Levei tanto tempo a confiar em alguém, tantas vezes mergulhado na escuridão do meu quarto, rodeado por uma mobília não escolhida por mim, numa casa em que não me sinto nem ninguém me sente.
Porque haverias de prometer ao invês de cumprir? Degladeias-te com a vida que escolhes-te e criaste, mas sabes que no fundo não passas, ainda e sempre, de uma criança pequena e cobarde, a quem uma vez fecharam no frigorífico e agora não é capaz de jogar mais às escondidas, inventando e culpando os que o rodeiam pelo seu prórpio fracasso.
Desta vez, não há palavras bonitas e encorajadoras para que o sentimento de culpa que te atrevessará, te passe ao lado, sem te afectar, sem te conseguir tocar. Desta vez não haverá segunda opurtunidade, porque todos temos o direito a errar, faz parte da nossa condição humana, mas todos temos o direito de preservar os sentimentos dos outros e aquilo que resta deles, intactos. Trata-se de respeito por uma pessoa que dizes gostar inquestionávelmente, mas por razões criadas sobre ti e por ti, num sonho com personagens mudas, para que não te alertem da tua inquestionável cobardia, não tiveste a sensibilidade mínima, assente em cada um de nós, para me respeitar.
Agora, sei que estou pronto para te terminar, porque não fazes parte do meu mundo, porque não conseguiste fazer e como tal, tentaste-o eliminar, sem compreender que era a ti que acabavas por acertar. Acho que no fundo, querias que tivesse sido eu a ficar farto de todo o drama em que me envolvi, sempre puxado por ti, e pusesse fim a uma história sem narrador ou realizador. Acho que querias que te dissesse que não prestas, quando tu sabes que não, que ilustrasse sobre ti todos os sentimentos maus e sujos que todos somos capazes de sentir por alguém que nos fere repetidamente. O máximo que conseguirás arrancar de mim será um adeus. Adeus de raiva, adeus de paixão, adeus de tudo o que imaginares, mas não adeus de ódio, porque esse guarda-se para quem se ama, para quem merece receber o nosso amor.
E quando passares por mim, temente da minha acção perante as pessoas que te rodeiam, vou ser o que não imaginas, o que não sou, mas o que sempre soube ser, mesmo quando não o queria. E quando esse dia chegar, vais ter vergonha do que te tornas-te e aí sim. Só aí vais querer desaparecer, porque vais constatar que és, porque és, tudo aquilo que temes ser, quando te olhas ao espelho.
O frio, continuo-o a sentir, aqui bem perto de mim, mas à medida que te torno mais humano, o ar vai-se tornando menos denso, mais claro, mais quente. Eu vou seguir a minha estrada, que mais uma vez se mostra aberta, porque não tenho medo, porque sei que não dependo de ti para ser feliz, porque sei que há alguém lá fora que ainda me há-de levar a todos os sitios novos e feitos para eu descobrir. Tenho confiança no meu sonho. Tenho confiança em mim. Mais confiança do que alguma vez tive em ti e nesse amor que de facto era mais imperfeito do que eu sopunha.

Thursday, August 19, 2004

Apago a luz, apago a alma, perco-me entre a Mafalda Veiga, Silence4 ou simplesmente Nelly Furtado. São poucas as coisas que nos dão paz de espírito. Hoje foi o dia, depois daquele dia. O dia em que é preciso acordar do sonho sem cor em que estavamos encobertos, presos por uma teia sem fim, um coração sem rosto, uns olhos sem movimento. Acho que foi mais fácil do que eu julguei, desabituar-me da tua presença a que eu tanto me agarrei e onde tantas vezes me escondi.
Dizem que o tempo que partilhei o mesmo olhar contigo é diminuto o suficiente para apenas criar perspectivas de uma felicidade imatura e pouco duradoura. Eu não respondo, porque tantas e tantas vezes o coração rejeita o código pelo qual nos rejemos, tantas vezes complicado demais para nós mesmos o seguirmos. AInda não compreendi o teu afastamento, mas já me capacitei dele e sinto-o cravado em mim, como se nada tivesse acontecido e eu continuasse ainda Virgem por não ter gostado de alguém. Talvez seja essa a razão pela qual todo o sofrimento que ao início julguei que iria mergulhar, desaparecesse apôs algumas horas numa camioneta que nos leva para parte incerta, mas que nos leva para bem longe, para que não possamos sentir onde a visão não alcança e os ouvidos não ouvem.A razão, sempre a razão. Não existiu razão para o começo, para quê procurá-la no fim? A razão para a minha convicção é que finalmente fui feliz, independentemente do tempo, por ter alguém ao meu lado e foi sempre isso que eu procurei. Se não pode ser por mais tempo, já não me cabe a mim decidir, assim como não me cabe decidir a pessoa pela qual me vou apaixonar. É engraçado que me culpem por isso, ou que me tentem culpar. Não há explicação para aquilo qude não tem imediata solucção, então para quê esgravatá-la? Para quê inventar culpas ou ressentimentos infantis? A vida não é perfeita e nós também não e de vez em quando somos complicados, mas está-nos no sangue, desde o início, desde o começo.
Opto por Nelly. Mas só aquelas músicas profundamente melancólicas e calmas a condizer com a chuva que cai lá fora, numa paisagem deserta e confiante. Era capaz de estar aqui a divagar a noite toda. De facto, já é bastante tarde e eu preciso de descansar a alma e o corpo. E de repente no meio deste silêncio e desta música que me arranca e me fere, recebo uma mensagem. Não espero que seja tua, mas é, de facto. "Tenho xaudades..." Que devo fazer? Por momentos apetece-me esquecer a minha magistral técnica para te esquecer e dizer que sim, que apesar de estar a caminhar para apagar alguns vestígios teus dentro de mim, mas também me apetece ser infantil, imaturo, e dizer qualquer coisa como " bem feita, só tens o que mereces, assim como todo o sofrimento em que tas embrulhado". Sim, porque eu sei que sofres, não percebo porquê, mas também desisti de procurar saber. Talvez desista muito facilmente. Ainda só passaram dois dias, mas não faz parte de mim lutar inquestionávelmente pelas pessoas. Ou se quer a pessoa ao nosso lado ou não se quer, independentemente do motivo ou situação. E quando não se quer, só temos de aceitar e seguir em frente com a nossa singela vidinha. Sabemos perfeitamente que não é o fim do mundo, que ainda haveremos de ser ainda mais felizes com outro alguém, só temos de ter alguma esperança ou então cultivá-la. Talvez ter coragem para a ter, cultivar.
Ainda não te respondi. Ainda não sei o que responder, ainda não sei se quero responder. Acredito que cada situação é encontrada por nós, enquanto ser humano que evolui a cada momento, 0para que possamos tirar algum partido e crescer com cada experiência.
Outra mensagem. Esta é mais forte. Talvez porque digas que gostas de mim, mas que tens medo...medo...já escrevi um texto qualquer em que retratava o meu próprio medo, já escreveram um texto a pensar no meu próprio medo. Acho que o medo me rodeia, cresce e se multiplica, afecta os que me rodeiam, não fosse o medo uma constante da vida, que só acaba quando ela própria terminar também. Tento escrever o mais possível. Tenho de resistir à vontade inquestionável de te responder e dizer que também tenho medo de te magoar, de não te amar o suficiente, mas que tenho ainda mais medo de não acordar outro dia qualquer, num sitio qualquer, ao teu lado, sempre com medo de sermos descobertos, sempre com medo de gostarmos demais um do outro.
Já escrevi a mensagem. 160 caractéres não chegam para descrever tudo aquilo que o coração quer dizer e as mãos não acompanham (onde é que eu já li isto?).
Há uma coisa que me custa muito a aceitar. A pessoa que esteve comigo antes e que agora me culpa por eu ter sido feliz e me ter apaixonado por outra pessoa, disse uma vez, enrolado num discurso qualquer, que se eu não fosse o que desejava para si, ao menos que fosse para a pessoa que viesse a seguir. A esta hora deve-se estar a torturar por ter tido execrável ideia, mas...a verdade é que fui o melhor que sabia que conseguia ser. Peguei em todas aquelas coisas de que as pessoas tanto me acusam de ser e que dizem serem negativas e fui o que nunca esperei conseguir. Acho que ajudou o facto de eu realmente gostar de ti, do teu toque, do teu olhar, enfim, do teu ser, mesmo quando acordavas com ar de quem tinha acabado de entrar na Guerra das Estrelas e não as tinha conseguido apanhar.
Sò queria ser feliz e consegui-o, daí o meu aspecto optimista, nem sequer se trata de ser forte, mas sim verdadeiro e pouco melodramático, talvez porque saiba que gostas de mim e nunca te tenha abandonado daquele lugar, aqui, bem dentro de mim, onde sorrio, de cada vez que de ti me lembro.
Um dia qualquer, perceberás os meus textos, talvez até venhas a perceber porque me ria tanto, sem qualquer motivo, sem qualquer razão, sem qualquer complexo.Um dia. Não hoje. Talvez amanhã.